A lei que concedeu anistia ampla e irrestrita a todos que tiveram direitos políticos suspensos durante a ditadura militar (1964-1985) completa 30 anos no Brasil. A medida é até hoje comemorada como uma vitória da democracia do país, embora também haja críticas pelo fato de a legislação perdoar também aqueles que cometeram crimes políticos e eleitorais.
Para o sociólogo e historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, a Lei de Anistia foi indispensável para o processo de redemocratização no Brasil. “Sem a anistia, não teria voltado para o Brasil uma série de perseguidos e presos políticos”.
Entretanto, entidades de direitos humanos, organizações não-governamentais e representativas de classe acreditam que haja uma interpretação incorreta da lei, no que diz respeito ao perdão para torturadores e repressores. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), inclusive, apresentou um processo no Supremo Tribunal para pedir que se “aclarasse”, do ponto de vista jurídico, se a Lei de Anistia ampara os responsáveis de delitos contra a humanidade.
“O problema que o Brasil enfrenta hoje com a lei é que há trinta anos ela anistiou todo mundo. É uma interpretação que permitiu anistiar também os torturadores, mas crime de tortura não é anistiável”, defende a vice-presidente da ONG Tortura Nunca Mais, Elizabeth Silveira e Silva.
O sociólogo, no entanto, acredita que a reavaliação da lei é um pedido que está na “borda da discussão política do país”. “Revisar a lei 30 anos depois me parece um grave equívoco, é um despropósito. Além disso, não há um movimento de revisão na sociedade, há pequenos grupos, não me parece que a sociedade brasileira peça”, diz Villa.
Apesar de ser contra a alteração na legislação, Villa defende que seja feita uma abertura dos arquivos e uma revisão nos processos de indenização, para que sejam ressarcidos apenas aqueles que foram perseguidos ou, ainda, para parentes de vítimas. “A abertura dos arquivos para família e para pesquisadores é uma questão indispensável”.
Segundo sustenta o ministro da Justiça, Tarso Genro, “a tortura é um crime imprescritível que não se anistia” e “julgar esses casos seria um ato de justiça e respeito aos direitos humanos”.
No entanto, segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que foi presidente do Supremo Tribunal, “uma coisa é o direito à memória e outra é a revanche” e a Lei de Anistia foi aprovada pelo Congresso, pelo que não pode nem deve ser revisada após 30 anos.
Memória
De todos os países da América do Sul que passaram por ditaduras militares, o Brasil é o mais lento no que se refere ao resgate da história e responsabilização dos crimes cometidos por agentes do Estado, segundo avaliação de Elizabeth Silveira e Silva.
“Nós somos um país atrasado em relação à memória e à justiça. Não sabemos quem foi do aparato repressor. Isso é consequência do caminho percorrido pelo processo de reparação. Nunca se soube por que, onde e como foram presos”.
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Um exemplo é o fato de o Brasil ser réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), no caso da Guerrilha do Araguaia. O país é acusado de não investigar os desaparecimentos e de não fornecer informações sobre o episódio a familiares das vítimas. Se for condenado, será obrigado a apurar os delitos e a identificar e punir os responsáveis, reconhecendo que não cabe anistia ou prescrição a crimes contra a humanidade.
Indenizações
Desde 2001, quando foi criada a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, o Brasil concedeu indenizações a 30.967 pessoas que sofreram perseguições ou perderam parentes durante a ditadura militar.
Paulo Abrão, atual presidente da comissão, disse hoje (28) que desde que começou o trabalho, o grupo analisou 64.151 casos. Deste total, 47.570 já foram analisados, e 30.967 deles aprovados – o restante foi rejeitado por falta de provas.
Dados publicados hoje pela Agência Brasil dizem que, entre as pensões que recebem os parentes de falecidos e indenizações realizadas mediante um pagamento único, o Estado desembolsou desde 2003 cerca de 2,6 bilhões de reais.
Na opinião de Glenda Mezarobba, cientista política da Universidade de São Paulo, as indenizações são calculadas de maneira incorreta, levando-se em conta apenas os prejuízos econômicos. “Não se considera se a pessoa foi torturada, por exemplo, mas apenas as perdas decorrentes da interrupção de sua atividade profissional, o que tem acarretado distorções no valor das reparações”, afirmou.
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