A morte do presidente da Polônia, Lech Kaczyński, e de outras 88 pessoas do primeiro escalão do Estado polonês conseguiu a proeza de juntar, no luto e no choque, as diferentes correntes da sociedade polonesa que pareciam irreconciliáveis desde o fim do regime socialista, há 20 anos.
“Hoje não somos nem de direita nem de esquerda. Somos todos poloneses. Uma fatalidade como esta une o país. O local do acidente é muito simbólico para todos nós e perdemos a elite das nossas instituições”, comentou Wojtek Berezowski, polonês residente em Bruxelas. “Katyn agora é o nosso cemitério”, comparou, emocionada, a historiadora Kasia Krzemkowska, de Varsóvia.
Foi uma referência à floresta de Katyn, na Rússia, perto da fronteira com a Bielorrússia, onde cerca de 20 mil poloneses teriam sido assassinados pela polícia política soviética em 10 de abril de 1940. O motivo da viagem da comitiva de Kaczyński e mais ministros, senadores, deputados, generais e outros era exatamente uma solenidade para lembrar os 70 anos do massacre. Todos morreram quando o avião caiu ao tentar pousar, bateu em árvores e explodiu, exatamente na mesma floresta.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Bandeiras da Polônia com fitas pretas em sinal de luto, na fachada da embaixada do país em Moscou
Durante todo o dia, missas foram realizadas em todo o país. “As igrejas estão lotadas e as pessoas chorando, ainda em estado de choque. Não me interesso por assuntos políticos e não tinha nenhuma afinidade com o presidente falecido, mas agora o único pensamento é que eles eram poloneses e iam representam o país”, contou ao Opera Mundi Marta Pieras, de Torun, norte da Polônia.
Milhares de pessoas se reuniram em frente ao palácio presidencial em Varsóvia como sinal de respeito. O maior sino da Polônia, na Catedral de Cracóvia, foi tocado para anunciar a morte de Lech Kaczyński. Utilizado somente em ocasiões muito solenes, o sino tinha sido tocado pela última vez na morte do Papa João Paulo II, que fora bispo da cidade.
“É difícil explicar a tragédia de hoje. Não foi por causa de uma guerra, um ataque ou uma doença. Foi simplesmente uma fatalidade, um acidente”, declarou a antropóloga Katarzyna Nicewicz, de Poznan, oeste do país. “O sentimento que temos agora é de que somos uma nação unida. As diferenças foram deixadas de lado”.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Flores homenageiam vítimas do massacre de Katyn, em 1940: local ganhou mais um motivo para luto entre poloneses
Nas colinas que levam ao Castelo de Wawel (um dos símbolos de Cracóvia), o sentimento era de incredulidade e tristeza. Uma procissão silenciosa foi organizada no centro da cidade. “Estou completamente arrasada com o que aconteceu esta manhã”, lamentava a psicóloga Karolina Golacka.
A chuva que caía na cidade não impediu a vigília no local. Um telão foi montado para que a população acompanhasse as notícias e uma missa foi transmitida para todo o país em honra às vítimas do acidente. “Vim acender uma vela aqui perto do Castelo. Eu não o apoiava, não concordava com a visão conservadora dele, mas acendi uma vela por respeito e pela luta anti-comunista”, declarou a jovem estudante de Direito Gabriela Grodkowska.
Desconfiança
Poucas foram as pessoas que criticaram as homenagens ao presidente polonês. “A maioria dos jovens não gostava dele e agora estão todos chorando. Sem contar que não me parece normal que um país coloque tantas pessoas importantes num mesmo avião. Não parece óbvio que tem algo estranho nessa história?”, questionava Małgorzata Burek.
A Comissão Europeia, por meio do presidente José Manuel Durão Barroso, destacou o “compromisso europeísta” do presidente Kaczyński – apesar de sua recusa em assinar o Tratado de Lisboa, mesmo depois de ratificado pelo parlamento. O chefe do Executivo da União Europeia afirmou que apesar de ser um “patriota”, Kaczyński tinha um “forte compromisso com a Europa e com os valores de liberdade e solidariedade”.
Com a morte do presidente, o líder do Parlamento, Bronislaw Komorowski, assume interinamente a presidência. As eleições na Polônia estavam marcadas para o segundo semestre, mas devem ser antecipadas. Analistas acreditam que ocorram em menos de dois meses e apontam o liberal Komorowski (do partido Platforma Obywatelska ou Plataforma Cívica, adversário de Kaczyński) como favorito.
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