As mulheres em Moçambique vivem duas situações paradoxais na atualidade: por um lado, ocupam 40% das cadeiras no parlamento e um terço dos cargos em ministérios; por outro, não têm voz na sociedade ou incentivo à educação. A porcentagem de analfabetismo entre o gênero feminino é de 68%, enquanto entre o masculino é de 36%.
A participação feminina na política – em cargos de liderança – é uma das maiores no continente. Contudo, as moçambicanas precisam enfrentar em seu cotidiano uma cultura e sociedade repressiva e machista.
Um dos consensos entre as organizações não-governamentais é o de que uma emancipação feminina concreta em Moçambique só acontecerá quando as bases de educação forem iguais para ambos os gêneros, o que não se relaciona diretamente com a porcentagem de mulheres no parlamento ou ministérios.
Opera Mundi
Maria Elias Jonas, governadora de Maputo: “Quando educada a mulher sabe a importância da educação”
O grande desafio, porém, está em superar as raízes culturais da desigualdade e da falta de valorização da educação para as meninas, parte de um trabalho que deve ser realizado junto à população, em especial nas zonas rurais.
O ministério da Educação vem tomando medidas nesse sentido, na tentativa de informar sobre a importância da educação para todos e manter as meninas na escola. “Observamos que muitas garotas não iam à escola porque tinham que buscar água em locais muito distantes. Então, construímos poços nas comunidades. Resolvemos o problema de falta de água e as meninas podem ir à escola”, esclarece o vice-ministro Arlindo Chilundu.
Como consequência disso, uma mãe que teve sua devida formação vai saber da relevância da educação na vida de uma pessoa e não vai deixar a filha ficar fora da escola. Por isso também há um grande incentivo atualmente para cursos de alfabetização para adultos, em especial as mulheres que se viram obrigadas a abandonar os estudos ainda meninas.
A agricultora Lídia Sitoe, moradora da zona rural da província de Maputo, é exemplo disso, voltando à escola após 48 anos fora. Toda a noite, depois de preparar o jantar para o filho mais velho, desempregado, e mais cinco netos, ela se arruma e vai ao curso de escrita e leitura que é dado na própria comunidade.
“Quando educada a mulher sabe a importância da educação. Caso não tenha estudado não vai dar a mesma importância”, explica Maria Elias Jonas, governadora de Maputo.
Novas leis
Além dos esforços na área de educação, em 2004 foi colocada em vigor a nova “Lei da Família” no país, implementando mudanças essenciais para a vida da mulher. Antes disso, quando a esposa enviuvava, além de perder o marido, fonte de sustento, perdia também o direito sobre os bens, que eram disputados pela família do homem. Sem herança e com acesso restrito ao crédito por discriminação nos bancos, a viúva afundava na pobreza. Agora, o acesso aos bens é garantido pela lei, mas em muitos casos ela não é executada.
Opera Mundi
Educação de meninas é chave para a busca de liberdade política e econômica em Moçambique
Outra diferença aconteceu na questão do casamento de moçambicanas com estrangeiros. Quando uma mulher se casava com um marido estrangeiro, ela perdia sua nacionalidade automaticamente. Essa situação foi alterada.
A nova Lei da Família também dá às mulheres o direito de denunciar violência doméstica e receber proteção, além de estabelecer regras que influeciam o dia-a-dia da vida familiar para dar mais voz às esposas.
Anteriormente, o marido era visto pela legislatura moçambicana como o chefe da família responsável por todas as decisões referentes à vida de seus membros. Sendo assim, era o único com poder de decisão sobre os bens econômicos, além de ser o único com poder de decisão na criação dos filhos. A mulher não podia, por exemplo, matricular seus filhos na escola ou deixá-los de castigo sem a permissão do marido, segundo a lei. O homem tinha inclusive o direito de quebrar o contrato de trabalho da mulher com a empresa onde ela trabalhava se assim julgasse melhor.
Com os esforços unidos do governo moçambicano, as organizações estrangeiras e nacionais e a sociedade civil, a situação feminina vai se transfigurando aos poucos, sempre perseguindo o objetivo de dar igualdade de voz não só nas questões referentes à criação dos filhos e à vida conjugal, mas também na sociedade e decisões políticas.
“Uma coisa é liberdade política, outra é a liberdade econômica da mulher, que passa necessariamente por intensificar o acesso da mulher à educação. Um trabalho para a emancipação completa da mulher vai levar muito tempo”, reforça Ana Rita Sithole, deputada já em seu quarto mandato.
Siga o Opera Mundi no Twitter
NULL
NULL
NULL