Foi com apenas quatro anos de idade que Germán Berger Hertz ouviu pela primeira vez o relato da morte de seu pai, Carlos. Sua mãe, Carmen, nunca escondeu a forma como ele fora assassinado, em outubro de 1973, uma das vítimas do exército chileno no período ditatorial de Augusto Pinochet.
Mais de trinta anos depois, Germán iniciou uma busca para conhecer não apenas o homem símbolo político de resistência à ditadura de Pinochet (1973-1990), mas o cidadão comum, seu pai. Assim surgiu a história do documentário Mi vida con Carlos, dirigido por Germán, em exibição na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Trailer do filme Mi vida con Carlos:
Durante a última ditadura militar no Chile, as Forças Armadas e o órgão de inteligência DINA organizaram inúmeras ações como a Caravana da Morte, na qual Carlos foi assassinado, a Operação Condor, a Operação Albânia, a Operação Colombo, entre muitas outras, que resultaram na prisão arbitrária, exílio forçado, assassinato e desaparecimento de milhares de pessoas. Estima-se que 50 mil pessoas morreram ou desapareceram durante esses 17 anos de ditadura.
O filme, no entanto, não é mais um sobre as brutalidades das ditaduras militares do Cone Sul. Não se trata de um relato sobre a busca pelo corpo, documentos ou por justiça, mas “uma procura pelo lado amoroso de meu pai, de recuperar a sensibilidade dele”, contou por telefone Germán, filho de Carlos e diretor do documentário. “Foi uma necessidade de quebrar o silêncio emocional. Falávamos em casa somente o lado político de meu pai. Mas eu precisava preservar e perpetuar a memória pessoal dele. Contar às minhas filhas quem ele era”, explicou o diretor, de Barcelona, onde vive atualmente.
Germán fala de maneira natural sobre a falta que lhe fez a figura do pai, principalmente depois que passou pela experiência de ser pai, há seis anos. “Na minha família, começamos a falar de Carlos, de seus gostos pessoais, do que o fazia dar risada, que tipo de música gostava de dançar, detalhes pessoais. Há uma mensagem social também porque a pessoa não é apenas uma foto, você recupera seu senso de humanidade e também um pouco da sua vida. Ainda que, lamentavelmente, esta ferida nunca se fechará”.
Carlos Berger Guralnik, advogado, jornalista e diretor da rádio chilena Loa de Chuquicamata, tinha 30 anos quando foi assassinado, antes de German completar um ano de idade. Ele era um dos prisioneiros políticos da prisão clandestina de Calama, na região norte do Chile. Junto com outros presos políticos, foi levado para o deserto e fuzilado. Seu corpo nunca foi encontrado.
Para a família, a morte de Carlos trouxe consequências ainda mais tristes. Em 1984, muito deprimido, Julio Berger, pai de Carlos, se suicidou. Sua mãe, Dora Guralnik, também se matou, em junho de 1988.
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O documentário já acumula muitos prêmios. Foi selecionado como o melhor do Festival de Cinema da Catalunha 2010, também do Festival de Cinema Latino-Americano de San Diego 2010. Mi vida con Carlos combina duas características que cativam os espectadores desde o começo: a emotividade do roteiro e a qualidade cinematográfica. É uma história pessoal, sincera e profunda. Ao mesmo tempo, resgata o período da repressão chilena e da experiência de redemocratização do país.
Germán conta que o trabalho de pessoas como sua mãe, que, durante o governo militar foi advogada da Associação de Direitos Humanos, Vicaría de la Solidaridad, contribuiu com os avanços nas investigações sobre a ditadura. “Nossa história é a história de milhares de famílias do Chile. É uma maneira de universalizar uma tragédia pessoal, mas muito coletiva no nosso país; de fazer refletir à sociedade em torno disso, de uma perspectiva emocional e próxima”, disse.
O documentário será exibido na Mostra nas seguintes datas e locais:
Unibanco Arteplex 3 28/10/2010 (quinta-feira) – 18h20, sessão 613
Cine TAM – Sala 4 31/10/2010 (domingo) 21h, sessão 1007
Cine Livraria Cultura 1 01/11/2010 (segunda-feira) – 14h, sessão 1067
Espaço Unibanco Pompéia 1 04/11/2010 (quinta-feira) – 16h, sessão 1383
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