O número de civis mortos e feridos em ataques com aviões não tripulados norte-americanos em diversos países é muito mais elevado do que estimam dados oficiais dos Estados Unidos. As investidas de forças britânicas, israelenses e da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte) com esses armamentos também superam números revelados pelos governos.
Foram essas as principais descobertas do mais recente relatório do relator especial das Nações Unidas para a promoção dos direitos humanos na luta contra o terrorismo, Ben Emmerson, divulgado nesta sexta-feira (18/0), mas publicado, sem grande destaque pelo órgão, há um mês. O documentou tratou dos ataques realizados no Afeganistão, Líbia, Iêmen, Faixa de Gaza, Somália, Iraque e Paquistão, contrastando informações oficiais com de organizações independentes e estimativas da mídia.
É o primeiro documento da ONU que procura calcular os danos causados por drones, descritos por organizações humanitárias e diversos governos como a forma mais precisa e eficiente de matar inimigos, minimizando eventuais e não intencionadas morte de civis. As novas estimativas do relator revelam, no entanto, que essas armas de precisão, tão aclamadas pela lei humanitária, não são tão precisas assim.
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Soldados norte-americanos preparam o envio de um avião não tripulado; arma passou a ser usada, cada vez mais, na guerra contra o terror travada pelos EUA
Apesar de o primeiro míssil disparado por um avião não tripulado no território afegão ter sido usado em fevereiro de 2001, durante a invasão norte-americana ao país, a primeira estimativa sobre civis mortos nesses ataques foi divulgada apenas no final de 2012. De acordo com dados da Unama (missão da ONU no Afeganistão, na sigla em inglês), ao longo de 2012, 16 civis foram mortos e 5 feridos por conta dos drones; esse número aumentou no primeiro semestre de 2013, quando a organização documentou 15 civis mortos e 7 feridos.
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O relatório ainda menciona uma pesquisa desenvolvida por Larry Lewis, do Centro de Análise Naval dos EUA, segundo a qual os ataques conduzidos por aviões não tripulados são “dez vezes mais mortais para os civis afegãos” do que investidas com outras aeronaves.
As estimativas são ainda mais devastadoras no caso do Paquistão, onde os EUA com apoio do governo local, bombardeiam áreas supostamente dominadas por terroristas na fronteira com Afeganistão. Segundo informações obtidas pelo relator especial com o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país asiático, nos últimos nove anos, pelo menos 2,2 mil pessoas foram mortas em ataques com drones e 600 ficaram feridas com gravidade. Dessas, ao menos 400 eram civis e outras 200 “provavelmente não combatentes”. Mas, os números podem ser muito superiores.
“As autoridades [paquistanesas] salientaram que os esforços para identificar o número exato de vítimas mortais (e, portanto, para estabelecer um número exato de civis mortos) são prejudicados por questões de segurança e por obstáculos topográficos e institucionais às investigações no terreno por agentes ao serviço das Áreas Tribais de Administração Federal do Paquistão, e também pela tradição das tribos pashtun de enterrarem os seus mortos o mais rapidamente possível”, salientam os autores do relatório.
EUA: muitos ataques, pouca transparência
Em fevereiro de 2010, 23 civis foram mortos e 12 feridos num ataque de drones norte-americanos no sul do Afeganistão. As Forças Armadas dos EUA divulgaram apenas parte dos documentos secretos sobre o “incidente”, que indicam evidencias de “comunicação imprecisa e não profissional pela equipe” e também “predisposição de engajar em atividade cinética (de disparar mísseis)”.
A divulgação de parcela de arquivos secretos do serviço de inteligência norte-americano pela Casa Branca, em junho de 2012, revelou que o país estava conduzindo operações contra terrorismo na Somália e no Iêmen, incluindo investidas com aviões não tripulados. Apesar disso, o governo dos EUA não disponibilizou informações sobre os ataques individualmente, aponta o relatório de Emmerson. Até mesmo a existência do programa da CIA no Paquistão permanece, tecnicamente, secreta.
A falta de transparência do governo norte-americano ficou ainda mais visível quando em junho de 2011, John Brennan – então principal conselheiro do Presidente dos EUA para as ações de contra-terrorismo –, afirmou que os ataques com drones não tinham provocado “uma única morte colateral” (civis mortos) no ano anterior, devido à “precisão excepcional” dos ataques. Três semanas depois, o Bureau of Investigative Journalism (um grupo de jornalismo sem fins lucrativos, com sede em Londres) desmentiu Brennan, após uma investigação sobre 116 ataques com drones no Paquistão entre setembro de 2010 e junho de 2011. Segundo os números desta organização, pelo menos 45 civis foram mortos nesse período, entre os quais seis crianças.
“O Relator Especial não aceita que as considerações sobre segurança nacional justifiquem a sonegação de dados estatísticos deste tipo”, afirma Emmerson no documento. “O principal obstáculo a uma avaliação sobre o impacto de ataques de aviões não tripulados a população civil é a falta de transparência, que torna extremamente difícil avaliar reivindicações de precisão”, acrescenta.
Arma humanitária ou terrorismo de Estado?
Apesar de o número de ações intencionais contra civis por parte de militares ter diminuído drasticamente desde o final da Guerra Fria e os armamentos terem se tornados mais eficientes e precisos, o numero de vítimas de operações militares pertencentes à população civil continua alto. Agora, grande parte (90%) dos civis mortos nas guerras aparece sobre a rubrica “danos colaterais”.
É essa a preocupação de Emmerson, que pretende enviar um relatório mais completo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2014. O relator especial pretende que governos criem novas políticas e resoluções para solucionar o problema.
Para a Justiça internacional, no entanto, os estados envolvidos na condução desses ataques apenas podem ser responsabilizados por crimes de guerra pela morte de civis quando possuem a intenção prévia e manifesta de mata-los. Caso contrário, essas vítimas entram na contabilidade de “danos colaterais” provocados por erros de cálculo ou de informações.
Para o analista Reginaldo Nasser, essas operações devem ser classificadas como “terrorismo”. “No Afeganistão e Iraque, os EUA utilizam deliberadamente métodos que se sabe, de antemão, que irão causar a morte de um grande número de não combatentes, dado o alto poder destrutivo das armas, porém a justificativa é que não se trata de terrorismo já que não há a intenção manifesta de matar civis”, opina, em artigo.
“É preciso desvincular a questão da ocorrência de danos colaterais dos problemas de tecnologia, de erro humano, ou de inteligência militar e entender que se trata de uma questão ideológica. Nunca se viu na história das guerras e do direito internacional a quantidade e variedade de eufemismos humanistas empregados atualmente, justamente para encobrir verdadeiros assassinatos”, conclui.