Estamos em 1979. A distensão do governo militar permite ao casal Garcia (Marco Aurélio e Elisabeth) voltar para o Brasil, desta vez diretamente para São Paulo. Na chegada, encontram outro país, um movimento operário potente e um novo líder: Lula. A criação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, parece um sopro de ar fresco. “O partido tinha uma diversidade extraordinária, que impedia qualquer ortodoxia. A coisa que nos seduzia muito é que o setor hegemônico, constituído pelo núcleo sindical, não tinha nenhuma ideologia hegemônica”, lembra. A partir deste momento, a aventura do PT confundiu-se com a luta pela redemocratização do país e a conquista da presidência.
Sua querida Elisabeth Souza Lobo, mulher e parceira intelectual, não veria o sonho se realizar. Em 1991, ela falece brutalmente num acidente de carro. Marco Aurélio é muito discreto em relação a este episódio, como explicou em artigo escrito na época: “Não vejo razão, nem interesse, para falar dos sentimentos de ausência e perda que me atravessam e, imagino, a todos aqueles que estiveram muito próximos de Elisabeth, não apenas no plano intelectual e político” (Teoria & Debate n° 14, em 30/06/1991). Marco Aurélio prefere contar com alegria dos planos que fizeram juntos entre Europa e América Latina, e da herança intelectual de Elisabeth, uma das pioneiras dos estudos sobre gênero no Brasil. Basta ouvi-lo começar todas as frases por “nós” para entender a falta que lhe faz.
A eleição de Lula em 2002 e as primeiras batalhas no governo mudaram sua percepção das qualidades do PT. “Com o tempo, a falta de ideologia hegemônica virou um problema, que começamos a entender de maneira aguda depois da eleição de Lula. Como partido de esquerda, tínhamos dado um passo importante com a decisão de disputar o poder. Mas com uma concepção do poder errada, como se fosse um lugar, o proverbial palácio de inverno. O poder não é um lugar, é uma relação de força”.
Com Lula, o país avançou muito, mas a esquerda não tomou o poder, na concepção dele: “Como você pode considerar que tomou o poder com a imprensa que temos no Brasil? Ou com o peso do capital financeiro?”. Por este erro, Garcia se sente responsável, junto com os outros intelectuais do partido. “Era nossa tarefa, não a dos dirigentes operários”. Para ele, a principal conseqüência desta concepção equivocada sobre o poder foi a decisão de mandar os melhores quadros do partido para o governo. “Na época, não compreendi isso. Achava ótimo ter José Dirceu na Casa Civil. Agora acho que erramos: ele tinha que ser presidente da Câmara dos Deputados e continuar presidente do PT, para dar peso ao partido”.
Partido ficou “silencioso”, perplexo”
O julgamento de Garcia sobre a atuação do PT é duro: “Tudo o que um partido de governo tem que fazer não foi feito. O PT tinha que, de um lado, cobrar mais do governo sobre questões como a política econômica, e do outro, felicitar o governo quando anunciava por exemplo um forte aumento do salário mínimo. Mais que tudo, o partido tinha que apoiar o governo em momentos cruciais, como a crise de 2005 [causada pelo chamado mensalão]. Ao contrário, o partido ficou silencioso, perplexo”.
Alguns meses depois da crise, Marco Aurélio citou num discurso no diretório nacional do PT uma metáfora sobre os vacilos de Fabrizio del Dongo, o personagem da “Cartuxa de Parma”, de Stendhal. Na sala, pouquíssimos entenderam a referência. Coisa de historiador apaixonado pela literatura, com milhares de livros na biblioteca. Também podia ter feito alguma referência ao cinema, que adora, ou a estes vinhos que devem ser bebidos no momento certo para não passarem de jovens a maduro demais. Porque as aparências não enganam. A corpulência do assessor presidencial diz tudo sobre seu gosto pela gastronomia fina. Para concluir um bom jantar, nada melhor que um charuto cubano.
Leia mais sobre o livro “Cartuxa de Parma”
Leia os demais trechos do perfil:
Parte 1: “Nunca fui trotskista”
Parte 3: Sabe tudo de América Latina, mas é moderado, diz assessor de Chávez
Parte 4: “Dilma é a minha candidata”
O texto na íntegra
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