O Peru vive ainda as sequelas do confronto entre policiais e índios na selva norte, ocorrido há dois meses e que deixaram pelo menos 34 mortos, principalmente na cidade de Baguá, na Amazônia peruana. Agora, alguns feridos estão voltando para casa, enquanto outros permanecem nos hospitais ou recebem apoio legal em processos judiciais. Nos municípios de Chiclayo e Jaén, para onde as vítimas foram levadas, a solidariedade dos moradores marca uma nova relação entre a população urbana e camponesa com a comunidade indígena.
Em Chiclayo, a população e organizações da sociedade civil se mobilizaram para doar cobertores, roupas, medicamentos e até sangue. Segundo Yolanda Díaz, coordenadora da ajuda solidária e líder do Centro Esperanza, ONG que trabalha na formação de crianças e mulheres da periferia, o apoio dos chiclayanos às vítimas foi surpreendente.
“Os parentes não queriam deixar os feridos sozinhos, mas não tinham dinheiro para refeições ou hospedagem. Com fundos da Comissão Episcopal de Ação Social foi possível ajudá-los quando a colaboração dos cidadãos terminou”, disse Díaz ao Opera Mundi.
A coordenadora revelou que um comitê aceitou pagar as despesas totais de um dos índios feridos, mesmo sem conhecê-lo. Ela também comentou que a equipe médica do hospital Las Mercedes – para onde foi o maior número de vítimas –, além de salvar vidas, fez uma coleta para ajudar a custear a alimentação dos familiares dos feridos.
“É um hospital com muita carência, mas, nesses dias, alugou equipamentos que não possuía para realizar cirurgias e assim poder salvar vidas”, comentou Díaz.
Vítima de uma bala perdida no pé, Atilano Cárdenas, de 21 anos, foi um dos jovens atingidos no dia 5 de junho, apesar de dizer que não participou das manifestações. Ele lembra que se apavorou quando soube do preço cobrado para colocação de pinos em seu pé: mais de mil dólares. “Minha mãe falou que teríamos que vender a casa. Mas logo recebi ajuda. Senti muita proteção em Chiclayo e agradeço”, disse Cárdenas ao Opera Mundi antes de embarcar no ônibus de volta a Baguá.
Jacqueline Fowks
Depois de um mês e meio no hospital, Cárdenas volta a Baguá com o pé operado
Os confrontos em Baguá ocorreram no dia 5 de junho, quando indígenas da região amazônica exigiam a revogação de leis aprovadas em 2008 que ameaçavam seus territórios. Trinta e quatro pessoas morreram durante os enfrentamentos entre índios e policiais. Após um longo debate, o congresso peruano aprovou a derrogação dos decretos legislativos 1090 e 1064, por 82 votos a favor, 14 contra e nenhuma abstenção.
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Um novo vínculo
O sacerdote Miguel Cuevas, ex-professor de ética na Universidad del Pacífico (Lima) e diretor-fundador do seminário jesuíta de Jaén, organizou a primeira caravana, com 14 caminhões, para levar cerca de 600 índios de volta às comunidades da selva norte, no dia 9 de junho. Ele explicou ao Opera Mundi que, pela primeira vez, camponeses e moradores da cidade de Jaén têm se identificado com as causas das etnias awajún e wampis.
Ele explica que sempre houve distância entre os camponeses e os povos da selva, mas desde que começou a paralisação na Amazônia as pessoas apoiaram os awajún, dizendo que ambos lutavam pelos mesmos problemas, já que Jaén é uma região de conflitos entre população e empresas mineradoras.
“As expressões de apoio aconteceram desde que alguns awajún chegaram detidos à Jaén, trazidos de Baguá maltratados. Logo vieram à paróquia de Jaén, onde a população foi voluntariamente cozinhar para eles, doar alimentos”, acrescentou o sacerdote.
Arquivo pessoal de Miguel Cuevas
Miguel Cuevas consola índio que chora ao voltar à comunidade depois da paralisação na Amazônia
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