Quinta-feira, 10 de julho de 2025
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“Meu nome é Sadiq Khan e eu sou o prefeito de Londres”. A frase, carregada de emoção e de simbolismo, marcou o discurso de posse do trabalhista Sadiq Khan na Catedral de Southwark, no último sábado (07/05). Khan, 45 anos, advogado defensor dos direitos humanos e muçulmano de ascendência paquistanesa, assume a prefeitura da maior capital europeia trazendo consigo a esperança de dias melhores para tantos que, como ele e sua família, vêm de origem popular e, muitas vezes, de lugares distantes do globo. Assumirá o comando de uma Londres cosmopolita e altamente globalizada, na qual um terço da população tem nacionalidade estrangeira e um a cada oito habitantes segue o Alcorão, livro sagrado do islã.

Agência Efe

Sadiq Khan, novo prefeito de Londres, 'é a história do imigrante de sucesso', diz socióloga Parveen Akhtar

Coincidentemente, o novo prefeito tem como principal desafio melhorar políticas municipais em duas áreas que guardam uma relação próxima com seu passado: habitação e transporte. Khan, um filho de motorista de ônibus que cresceu em habitação social, precisa dar resposta aos 63% dos londrinos que consideram moradia o maior problema atual da cidade, assim como os 42% que clamam por melhorias no transporte. Dados do instituto de pesquisas políticas YouGov, divulgados pouco antes das eleições, mostram ainda que, entre os eleitores de Khan, o anseio por melhores políticas de moradia é ainda maior que a média geral: essa foi apontada como uma prioridade por 80% dos seus votantes.

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A julgar pelos dados da pesquisa, os londrinos enxergaram em Khan um perfil mais adequado para resolver esses temas urgentes do que o filho de milionário Zac Goldsmith, candidato derrotado do Partido Conservador, considerado o maior adversário do trabalhista durante as eleições.

 

“British dream”

Nas palavras da socióloga Parveen Akhtar, que compartilha com Khan as raízes paquistanesas, a eleição do novo prefeito pode ser analisada como a realização do “British dream”, o “sonho britânico” de tantos imigrantes que chegaram à capital inglesa no último século. “Ele é a história do imigrante de sucesso”, resume ela a Opera Mundi.

Akhtar, que é professora na Universidade de Bradford, acredita que, em termos simbólicos, a chegada de Khan ao poder compara-se à eleição de Barack Obama nos Estados Unidos. Durante a campanha, surgiu inclusive um mote, paródia do slogan usado por Obama na corrida americana, que dizia “Yes, we Khan”.

“Da mesma maneira que a eleição pelos norte-americanos de um presidente negro foi profundamente simbólica, o mesmo podemos dizer dos londrinos elegendo o primeiro prefeito muçulmano”, avalia a pesquisadora. Especialmente após uma campanha agressiva, marcada por acusações pelos adversários conservadores de que Khan compartilharia plataformas com extremistas islâmicos.
 

Comparado por alguns a Obama, Sadiq Khan marca a chegada ao poder de uma geração de londrinos filhos de imigrantes que alcançaram o 'British dream'

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“Acredito que sua eleição lançará um sinal positivo em relação ao islamismo. É comum vermos a imagem dos muçulmanos associada ao terrorismo, e Khan é uma oportunidade para mostrar o quão redutora e islamofóbica é essa associação”, fala Zeinab Yassin, secretária da Associação Ogaden, organização que reúne a comunidade somali de Londres, a Opera Mundi. A Somália, assim como o Paquistão, está entre os dez países com maior população na capital londrina e tem o islamismo como religião dominante.

 

Político, acima de tudo

Em termos religiosos, Khan é considerado um muçulmano liberal, que sempre fez questão de deixar claro sua opção religiosa, mas nunca a deixou interferir em suas responsabilidades políticas. Ele foi o primeiro muçulmano eleito por Londres para o Parlamento britânico, em 2005, mas sua atuação política sempre passou longe de qualquer estereótipo sugerido pela religião. Ele é a favor do casamento gay e lutou contra o fechamento de um tradicional bar de seu bairro quando era membro do Parlamento – apesar de ele mesmo não consumir bebidas alcoólicas.

Quando foi convidado a participar do comitê privado que assessora a rainha, em 2009, ele, novamente o primeiro muçulmano a receber tal convite, fez questão de pedir para usar o Alcorão, em vez da Bíblia, na cerimônia de juramento.

Ao mesmo tempo em que seu perfil desafia classificações, Khan é um retrato da mistura de credos, cores e sotaques que forma a Londres dos dias de hoje. Como ele mesmo gosta de se definir, é londrino, europeu, britânico, inglês, adepto do islamismo, de origem asiática, descendente de paquistaneses e torcedor do Liverpool, time de futebol da cidade natal dos Beatles.

Por isso mesmo, resumir sua eleição a uma questão religiosa diminui sua significância, assim como é redutor não analisar a importância de sua vitória em termos mais globais, acredita Akhtar. “A vitória de Khan diz tanto sobre mobilidade social quanto ela diz sobre raça ou religião”, afirma a pesquisadora. “Se o pai dele tivesse permanecido no Paquistão, é inimaginável que seu filho pudesse ter êxito dentro do sistema político de um país onde privilégio e conexões ganham as eleições, onde o gabinete é visto como o lugar de direito inato da elite”, diz a socióloga.

Exemplo das chances de mobilidade social em Londres, Khan tem diante de si o desafio de fazer um governo capaz de criar condições para que tantos outros possam trilhar o mesmo caminho de sucesso que o levou a ocupar o posto máximo do Executivo londrino – o que faria deste um governo bem diferente daquele realizado por seu antecessor, o conservador Boris Johnson, nos oito anos em que ocupou o cargo.

Agência Efe

Johnson, Goldsmith e David Cameron, primeiro-ministro britânico, todos do Partido Conservador, em evento de campanha de Goldsmith