A reprodução de um simples recorte de jornal tornou-se um dos tópicos mais compartilhados pelas redes sociais no Chile durante a última semana. Trata-se de uma curta entrevista de duas perguntas, datada de 2006, em que o atual presidente Sebastián Piñera, na época candidato derrotado pela socialista Michelle Bachelet à Presidência, defendia enfaticamente mudanças profundas na educação. Ao contrário do seu discurso recente, apoiava os estudantes e pedia que os movimentos estudantis fossem ouvidos.
Reprodução
Dizia o então líder oposicionista: “Tal como está, o sistema educacional chileno é uma máquina de desigualdades. Chegou a hora de fazer uma cirurgia maior (no modelo)”.
Na ocasião, em junho de 2006, Bachelet estava há sete meses no governo, e enfrentava sua primeira crise relevante. Os estudantes do ensino médio, insatisfeitos com o sistema educacional, organizaram o movimento que ficou conhecido como “Revolução dos Pinguins” – uma referência ao uniforme tradicional usado pelos jovens, com jaleco e gravata -, quando realizaram greves e ocuparam escolas por mais de um mês.
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Piñera foi um dos primeiros políticos na época a levantar a voz para apoiar as mobilizações, com frases que entram em total contradição em relação às que proferiu nos últimos 90 dias. “Creio que é preciso saber escutar os estudantes. Prefiro mil vezes os secundaristas se levantando contra a má qualidade da educação, que nos condena à desigualdade e à injustiça, do que vê-los indiferentes ao que acontece no país”, dizia.
A “Revolução dos Pinguins” sacudiu o governo Bachelet, custando o cargo de um ministro de Educação (Martín Zilic). O conflito terminou em agosto, quando Bachelet criou, uma comissão presidencial de educação, na qual participou a então líder dos “pinguins”, María Jesús Sanhueza, representantes de escolas de ensino médio, e políticos da diferentes partidos (entre os quais estava Joaquín Lavín, ex-ministro de Educação do governo Piñera, que caiu em julho).
A cereja no bolo
Além da entrevista, outra novidade ganhou espaço nas redes sociais para constranger o presidente chileno: um vídeo, também de 2006, onde ele condena as medidas de para contornar a crise educacional. Para ele, era necessário uma mudança sistêmica. O vídeo, muito difundido pela Confech (Confederação dos Estudantes do Chile), mostra Piñera afirmando que ele e sua coalizão acreditavam em um novo modelo que garantisse a gratuidade nas escolas públicas e nas particulares que recebem recursos governamentais.
Educação pública e gratuita de qualidade é exatamente a mesma demanda pela qual é Piñera cobrado hoje pelos estudantes. Que realizam manifestações há três meses, com centenas de milhares de participantes nas ruas e que contam com apoio de 80% da população.
Roda viva
Diferente da crise enfrentada por Bachelet, a que hoje atormenta a Piñera conta com o apoio, além dos estudantes do ensino médio, dos universitários e das associações de professores. A chamada Primavera Estudantil chilena já dura três meses e mobilizou o país, mas somente no próximo sábado é que ocorrerá a primeira reunião entre Piñera, o mesmo que em 2006 pedia para o governo escutar os estudantes, e os principais líderes do movimento, Camila Vallejo e Giorgio Jackson.
A líder dos “pinguins” na época, María Jesús Sanhueza, hoje é estudante universitária (cursa Direito na Universidade de Chile), mas não exerce papel protagonista na crise atual. Em entrevista ao portal Atina Chile, em dezembro daquele mesmo 2006, quando a paralisação já havia se encerrado, a jovem fez uma declaração que hoje, diferente das contraditórias frases de Piñera, soa profética: “este ano foi simplesmente o do começo. Agora virá um processo inexorável de mudanças”.
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