O desgaste entre Estados Unidos e México, que começou com a proibição da circulação de caminhões mexicanos na região de fronteira, respondida com a imposição de barreiras alfandegárias a produtos norte-americanos, tem origem numa disputa antiga, conta Laura Carlsen, diretora do programa Américas do Centro para Política Internacional, instituto sediado em Washington. A atitude de Washington foi claramente protecionista e a resposta mexicana serviu para impor um limite, avaliou em entrevista ao Opera Mundi.
Mas, segundo ela, o que está complicando a relação bilateral num grau sem precedentes é a forma como os EUA lidam com a questão da violência do outro lado da fronteira. É nesse clima que o Departamento de Estado prepara a visita da secretária de Estado Hillary Clinton, que chega ao México na próxima quarta-feira (25).
Por que o Congresso dos EUA decidiu barrar a entrada de caminhões mexicanos?
Esta é uma velha disputa dentro do tratado de livre-comércio que envolve México, EUA e Canadá, o Nafta. O sindicato dos caminheiros nos Estados Unidos é poderoso no terreno político e se opõe à abertura do mercado de transporte aos vizinhos mexicanos. Em teoria, o Nafta previa uma abertura do transporte em 1995, ou seja, esta guerra dura há muito tempo. Não há provas confiáveis de que os caminhões mexicanos não devam poder entrar por razão de segurança. Em 15 anos, os Teamsters nunca conseguiram demonstrar isso. Fica bem claro que se fosse um problema somente técnico, já estaria resolvido. Para mim, não há dúvida, é uma medida protecionista e um problema político. O Congresso não pode dizer que está a favor da liberalização do comércio e dos regimes de investimento e, ao mesmo tempo, violar diretamente cláusulas do Nafta.
A reação mexicana foi uma surpresa? É sinal de uma nova relação com os EUA?
Não, não realmente. Esta história se arrasta já há tanto tempo que o governo mexicano sentiu que era hora de desenhar os limites. O México anunciou uma lista de 90 produtos, que inclui frutas, sucos, vinhos e xampu, provenientes de 40 estados. Acho que além de defender os termos do Nafta, o governo mexicano quis mostrar que a relação comercial entre os dois países era crucial para a economia dos EUA, especialmente em alguns estados. Ao impor as tarifas, o México não deseja desencadear uma guerra comercial, mas quer ganhar algum respeito. Esta pode ser uma jogada mais forte do que no passado, mas não é diferente do que outras administrações mexicanas têm dito sobre esta questão.
A senhora considera a decisão mexicana um teste para a política comercial de Barack Obama?
Antes de tudo, acho que há uma operação de blefe. O México não quer manter essas tarifas e a administração Obama anunciou a formação de uma comissão para criar um novo acordo sobre caminhões para substituir o antigo, com a maior brevidade possível. Este incidente será resolvido antes de ter um impacto no resto das relações econômicas. O governo de [Felipe] Calderón [presidente do México] é um dos únicos neoliberais na América Latina. A mensagem dele é clara: os EUA podem mexer no que quiserem na política interna para sair da crise, mas têm que respeitar o comércio internacional e os acordos de investimento. Evidentemente, tudo isso acontece num contexto de eventual renegociação do Nafta. Então, é também uma maneira de testar como o Nafta ou um Nafta renegociado vão caber na reestruturação econômica em curso nos EUA.
A secretária de Estado Hillary Clinton deve chegar ao México na próxima quarta-feira. Esta crise vai complicar sua visita?
Vai complicar, sim. O Departamento de Estado disse que a viagem foi planejada neste momento porque muitas questões da relação bilateral começavam a ficar “quentes”: o Nafta, a segurança na fronteira, a guerra contra o narcotráfico, os preparativos para a Conferência das Américas, em abril. Calderón não estava satisfeito com a insistência que mostrou Obama, durante a primeira reunião que tiveram antes da posse, para renegociar o Nafta. Também ficou ofendido por algumas declarações, especialmente por parte de militares membros da administração Obama, de que o México estaria à beira do colapso e, portanto, seria uma ameaça à segurança nacional dos EUA. A relação está tensa agora devido a uma falta de coordenação e de estratégia da administração Obama, e da natureza crítica das questões que estão sobre a mesa. Ambos os lados estão testando sua força, sem uma idéia clara de como proceder em direção a um novo tipo de relacionamento.
Durante a campanha eleitoral, Obama prometeu renegociar o Nafta para proteger os trabalhadores de seu país. Haverá mudança nos próximos meses?
Obama reiterou seu compromisso de uma renegociação do Nafta, principalmente incluindo no tratado acordos trabalhistas e de meio ambiente com direito a sanções. No entanto, disse que não iniciaria o processo antes de lidar com a crise econômica interna. A situação da violência na fronteira está complicando a relação num grau sem precedentes. Embora não exista uma verdadeira prova de que a guerra contra o narcotráfico no México contagie os EUA, o tema está sendo tratado como uma grande ameaça à segurança nacional. Os militares estão apelando para uma maior militarização da fronteira, o desenho de planos de contingência e mesmo formas de intervenção direta no México. Apesar do todas as conversas sobre a responsabilidade recíproca, a iniciativa de cooperação para a segurança regional, o chamado Plano Mérida, não inclui quaisquer obrigações para os EUA. Os funcionários americanos seguem considerando o México como o único culpado pelo comércio ilegal de drogas, enquanto procuram manter uma presença policial e militar maciça na fronteira.
A questão da segurança esta dominando a relação?
A administração Obama enviou mensagens mistas. Alguns advertem que o México estaria à beira do colapso e que os EUA devem se preparar para as repercussões, outros reclamam o envio da Guarda Nacional para a fronteira e o próprio Obama afirma que a militarização da fronteira não é uma solução. Hillary vai ter que fazer uma triagem nestas mensagens para apresentar uma abordagem mais coerente da relação binacional. Agora que a crise econômica já começou a afetar o México, é muito importante que os EUA voltem enfocar a relação sob o tema de estabilidade econômica, deixando de lado esta abordagem exagerada exclusivamente centrada na segurança.
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