O Senado chileno aprovou nesta quarta-feira (14/1), depois de mais de 21 horas de sessão e várias interrupções – e até alguns empurrões e troca de ofensas nos corredores do Congresso Nacional –, todos os artigos propostos pelo Executivo para reforma do sistema eleitoral.
A nova fórmula ainda precisa passar por uma última votação na Câmara, somente para que os deputados votem os artigos que foram alterados no Senado – o que deve acontecer nos próximos dias. A intenção do governo de Michelle Bachelet é promulgar a nova lei até o dia 31 de janeiro, antes do recesso parlamentar.
Com a mudança, o Chile colocará fim ao sistema eleitoral binominal, imposto nos últimos meses da ditadura Pinochet (1973-1990) e que impedia a formação de maiorias qualificadas nas duas câmaras. “Hoje é um dia histórico! Acabou o empate na política!”, exclamou o ministro do Interior, Rodrigo Peñailillo, com uma cansada ênfase, entre um suspiro e outro, para disfarçar um bocejo.
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Ministro do Interior classificou a aprovação da nova lei eleitoral como histórica
O cansaço era visível no ministro, mas ainda maior entre os senadores. A aprovação do novo sistema eleitoral só foi consumada após 21 horas de debate, que começou ao meio-dia da terça.
A votação das alterações na Câmara não contemplará os elementos mais importantes do novo sistema, que eram focos de resistência por parte da oposição. Por isso, o senador Hernán Larraín, líder da bancada opositora, afirmou que seu partido (a UDI, União Democrata Independente) irá acionar o tribunal constitucional. “Estamos trocando um sistema que dá estabilidade política ao país por outro pensado para dar novas vagas de presente para a esquerda”, reclamou o senador.
Do Sistema Binominal ao Método D´Hont
Entre 1990 e 2013, o Chile escolhia seus representantes no Congresso pelo sistema binominal, criado pelo senador ultraconservador Jaime Guzmán – considerado o arquiteto da ditadura e também autor da Constituição de 1980, ainda vigente.
Através dele, o país foi dividido em 60 distritos, sendo eleitos dois deputados em cada um deles, para formar uma Câmara com 120 representantes. Para o Senado, foi feita outra divisão: 19 regiões senatoriais escolhendo 38 senadores, também duas para cada. Antes de eleger os dois ganhadores, o sistema faz um ranking das coalizões mais votadas e, depois, outorga as duas cadeiras aos que tiveram mais votos nessas duas listas. Tradicionalmente, a Nova Maioria (ex-Concertação, de centro-esquerda) e a Aliança (de direita) são as duas mais votadas, dividindo as vagas.
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Com o novo sistema eleitoral, haverá um processo de redistritamento do país, que será dividido em novos distritos, que elegerão de três a oito deputados cada, dependendo do número de eleitores, distribuídos entre as 155 vagas que estarão disponíveis a partir da próxima eleição, em 2017. A mesma mudança de divisão acontecerá no Senado, que passará de 38 para 50 representantes.
Mas a mudança mais importante é a da fórmula para se decidir os eleitos. Até 2013, valia a regra binominal: as duas vagas disponíveis por distrito ficavam com as duas coalizões mais votadas, uma para cada. O sistema criou duas coalizões gigantes, que quase sempre dividiam as vagas tanto no Senado quanto na Câmara.
A partir de 2017, será adotado o chamado Método D´Hont, usado em países como Argentina, Espanha e Bélgica. Isso significa que toda coalizão que conseguir pelo menos 30% dos votos conseguirá uma das vagas em seu distrito. Com isso, se espera que outras forças políticas consigam chegar mais facilmente a obter uma vaga no Parlamento.
Outro ponto importante para as pequenas forças é que diminuirá a quantidade de exigências para se formar e manter um partido político no Chile, o que pode levar ao renascimento de muitas legendas que foram consideradas extintas pelo serviço eleitoral depois da eleição de 2013, por não alcançarem a quantidade mínima de representação.
Pelo sistema binominal, era muito difícil para uma coalizão pequena “furar” a fórmula eleitoral. São raríssimos os casos de blocos políticos diferentes desses dois que conseguiram eleger um representante, devido à desigualdade imposta pelo modelo e à pouca quantidade de candidatos — às vezes apenas um por distrito.
É o que aconteceu com o Partido Comunista durante 20 anos, até que, em 2009, a legenda deixou de competir sozinha ou coligada a partidos menores e se uniu à Concertação (que em 2013 passou a se chamar Nova Maioria). Só então o partido conseguiu eleger representantes: três em 2009 e seis em 2013.
Na atual Câmara dos Deputados, dos 120 membros atuais, apenas três conseguiram “furar” o favoritismo das grandes coalizões: Vlado Mirosevic (Partido Liberal), Alejandra Sepúlveda (Partido Regionalista) e Gabriel Boric (Esquerda Autônoma).
No Senado, também só existem duas exceções: Antonio Horvath e Carlos Bianchi, independentes de direita e representantes das duas regiões patagônicas, de Aysén e Magallanes respectivamente. Curiosamente, os dois foram os protagonistas da principal discussão da jornada no Senado, o que surpreendeu a muitos, já que eles costumam ser aliados nas votações. O voto de Horvath foi um dos decisivos para conseguir a aprovação do novo sistema eleitoral, o que levou Bianchi a tomar satisfações nos corredores do Congresso, chamando o colega de “regionalista travesti, vendido ao governo”, aos gritos. Pela manhã, depois de aprovado o projeto, Bianchi aproveitou o fim do plenário para pedir desculpas públicas ao colega.
Igualdade de gênero
A igualdade de gênero também mereceu um capítulo destacado na lei, que estabelecerá uma cota de igualdade. Nas eleições de 2017, e dali em diante, nenhuma coalizão poderá ter mais de 60% de candidatos de um mesmo gênero para cargos legislativos, o que garante um mínimo de 40% de homens e de mulheres em todas as forças políticas.
Ainda se está estudando, ademais, duas novas medidas: uma fórmula para incluir representantes de povos originários e uma lei de transparência no financiamento de campanhas. A ideia das cotas indígenas era um dos artigos que seriam debatidos esta semana, mas foi retirada estrategicamente para facilitar a aprovação do texto. Deverá ser reapresentada como proposta durante o ano legislativo de 2015, assim como o projeto sobre a transparência, protocolado na semana passada, pela senadora María Isabel Allende – ambos só poderão estar vigentes nas eleições de 2017 se forem aprovados este ano.