O julgamento do ex-presidente boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-1997; 2002-2003) e de mais 16 membros de seu gabinete foi interrompido, após um recurso ser apresentando pela defesa de um dos réus, o ex-ministro de Governo Yerko Kukoc. Eles estão sendo processados pelo assassinato de 67 pessoas em outubro de 2003, no episódio conhecido como “Guerra do Gás”.
O processo permanecerá parado até que a Justiça analise o recurso apresentado pela defesa de Kukoc e dê um novo parecer sobre a medida.
Apenas oito dos 17 réus compareceram ao tribunal ontem (19). Os outros, entre eles Sánchez de Lozada, estão refugiados em outros países. O ex-presidente está nos Estados Unidos, como outros três ministros. Mais três ex-membros do governo estão no Peru. A legislação boliviana não permite o julgamento de réus ausentes, por isso, já foi pedida a extradição dos acusados e as ordens de prisão já foram emitidas.
La Paz e Washington estão negociando as extradições, enquanto Lima tem insistentemente negado colocar fim ao asilo político concedido. Os réus que não estão presentes já foram declarados rebeldes e poderão ser julgados no momento em que voltarem à Bolívia, não importa quanto tempo passar.
Uso político
Maurício Ochoa, advogado constitucionalista e presidente da Associação Boliviana de Juristas, disse em entrevista ao Opera Mundi que o julgamento é um assunto muito debatido na Bolívia desde 2003, e que nos últimos dias tem ganhado as primeiras páginas dos jornais locais.
“É de importância notória para o governo de Morales, vai além de da busca pela impunidade. O resultado vai determinar a posição do atual presidente nas eleições de 2010. Há uma pressão social para que aconteça, vai ser uma prova de fogo para os oposicionistas ligados a estas pessoas que estão sendo processadas” afirmou.
Na avaliação de Carlos Cordero, professor de Ciências Políticas da Universidade Mayor San Andrés, acontecendo ou não, o julgamento vai beneficiar Morales. “O processo é usado politicamente pelo presidente, porque os processos comprometem a oposição”.
“Octubre Negro”
Além do ex-presidente, os réus, ex-ministros e cinco membros do alto comando militar, são acusados de responsabilidade pela morte de civis por soldados enviados para conter protestos nas cidades de El Alto e La Paz. No massacre, 67 morreram e 400 pessoas ficaram feridas.
O objetivo era protestar contra um projeto proposto pelo governo para exportar gás aos Estados Unidos por meio de portos chilenos. Eles reivindicavam a posse nacional das reservas de hidrocarbonetos. Por este motivo o episódio foi chamado de “guerra do gás”.
No dia 17 de outubro de 2003, Sánchez de Lozada renunciou depois de uma série de protestos e fugiu para os Estados Unidos.
Depois da renúncia, o país ingressou em um período de transição, quando foi governado por Carlos Mesa e Eduardo Rodríguez, que convocou eleições gerais, vencidas em dezembro de 2005 pelo atual presidente, Evo Morales.
Morales como testemunha
A defesa do ex-presidente alega que as mobilizações foram “incentivadas” com o propósito de provocar a queda de Sánchez de Lozada, “que se viu obrigado a recorrer ao uso da força para minimizar as pressões da população civil”.
Segundo a Promotoria, a acusação já possui “mais de 4,9 mil provas para evidenciar o genocídio e ao menos três mil testemunhas em um processo que pode durar vários meses”.
Entre as testemunhas que deverão comparecer no tribunal está o presidente Evo Morales, na época deputado e líder dos produtores de coca de Cochabamba.
A promotoria pedirá uma pena de 20 anos de prisão. É a primeira vez que um presidente eleito democraticamente vai a um tribunal. Em 1995, a Corte Suprema julgou e condenou a 30 anos de prisão o ditador militar Luís García Meza.
O processo ocorre em Sucre, onde fica a sede do tribunal, e é acompanhado por familiares das vítimas mortas em outubro de 2003.
Diplomacia
Morales anunciou hoje (20) que vai recorrer na Corte Internacional de Justiça em Haia, na Holanda, contra o Peru. A decisão de dar o asilo político aos ex-ministros Mirtha Quevedo, Javier Torrez Goitya e Jorge Torres Obleas foi criticada por ele, que ameaçou romper as relações diplomáticas com o país vizinho. Na semana passada, Morales já havia enviado junto ao pedido de extradição algumas informações sobre os políticos para que os ex-ministros fossem enviados para dar continuidade ao processo.
Apesar de as relações diplomáticas entre Estados Unidos e Bolívia estarem desgastadas há quase um ano, os dois países estão negociando a extradição dos réus. Uma delegação de alto nível do governo dos Estados Unidos chegou hoje à Bolívia para reunir-se com Morales e diplomatas para tentar resolver a crise diplomática. Um dos temas da agenda é a “cooperação judicial” para que Sánchez de Lozada e os três ex-ministros voltem à Bolívia.
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