No mundo das redes sociais, Sultan Al Qassemi era há um ano somente um prestigiado colunista do jornal National, de Dubai, com cerca de sete mil seguidores em seu perfil no Twitter. Até que ele decidiu usar a ferramenta para traduzir notícias sobre o que acontecia na Tunísia do árabe para o inglês e, meio sem querer, globalizou uma revolução. Com quase 100 mil fiés atualmente, Sultan é conhecido como o “twitteiro” oficial da Primavera Árabe.
Divulgação/Twitter
Sultan: “eu não fiz nada; apenas se tornou uma história interessante como alguém que não estava no país conseguiu – em um nível atômico – sentir como se fizesse parte disso”
Nessa entrevista concedida à revista egípcia CAMPUS, Sultan faz um balanço do primeiro aniversário das revoltas que eclodiram no mundo árabe em 2011, especialmente a egípcia, que culminou nesse 11 de fevereiro na queda de um dos mais antigos ditadores da região: Hosni Mubarak. Até então há 30 anos no poder, Mubarak sucumbiu a uma das maiores demonstrações populares já vistas no país e está sendo julgados por um porção de crimes.
CAMPUS: Então, como é que tudo começou?
Sultan: Em janeiro, quando eu tive um desentendimento com minha publicação, tinha bastante tempo livre em minhas mãos e foi neste momento que Bouazizi [Mohammed, verdureiro tunisiano que se autoimolou] faleceu em 5 de janeiro de 2011. Então, havia um monte de declarações em inglês e francês sendo divulgadas e eu pensei que seria interessante traduzir o que estava sendo dito. Foi completamente espontâneo e eu não planejei isso de qualquer maneira.
Por exemplo, eu traduzi o discurso hilariante dado por Muamar Kadafi no qual ele se referiu à “Bookface” após a fuga de Ben Ali. A questão é, quando as agências de notícias transmitiram esse discurso, disseram “Kadafi alerta sobre dissidência”, mas ele disse muitas coisas divertidas que eles perderam e também coisas assustadoras. Parece loucura, mas algumas pessoas estavam realmente interessadas nos disparates que ele estava dizendo e eu ria enquanto digitava os tweets.
Na época, eu tinha entre três e quatro mil seguidores e não estava verificando as menções porque estava tão envolvido na digitação que consegui encontrar um meio de economizar segundos; me disseram que eu estava twittando a cada 40 segundos! Ao final do discurso de duas horas, porém, meus seguidores haviam triplicado! E quando acessei algumas das menções (300 a 400) encontrei pessoas dizendo “siga este homem, ele está traduzindo o discurso do cachorro louco”, incluindo jornalistas. E foi assim que aconteceu.
Efe
Comemoração na Praça Tahrir instantes após a queda de Mubarak: Egito encorajou protestos no mundo árabe
C: E sobre a revolução do Egito?
S: Eu sou um egiptólogo, eu amo o Egito! Eu estava no país duas semanas antes da revolução, mas saí antes que ela começasse. Naquela altura, tirei um tempo de folga do trabalho e ficava na internet 24 horas por dia, dormia 2 horas e meia à noite e tirava, talvez, um intervalo de meia hora, porque havia tanta coisa acontecendo e eu não podia perder nada!
C: E você pode sentir alguma diferença no Egito antes e depois da revolução?
S: Há uma enorme diferença! Há muito mais orgulho; egípcios sempre foram orgulhosos, mas agora tem todos esses pronunciamentos, você sente que as pessoas estão caminhando com confiança. E acho que vim para o Egito em um momento em que esses sentimentos têm sido um pouco reprimidos, mas se tivesse vindo um mês ou dois após a revolução, teria sentido isso ainda mais. No entanto, sinto essa mudança desde o momento em que cheguei ao aeroporto; a mídia agora pode fazer graça com qualquer um. E esse fenômeno está disponível apenas em dois países no mundo árabe: Tunísia e Egito.
C: Mas você não acha que apenas um certo nicho da sociedade ainda segue a revolução enquanto várias pessoas ainda amam o SCAF (Conselho Supremo das Forças Armadas) assim como amavam Mubarak?
S: Acho que os egípcios não estão apaixonados pelo SCAF, os egípcios se orgulham de seu exército, como deve ser, porque, enquanto você pode ter elementos corruptos nas fileiras, o exército em si atrai muito respeito dos egípcios, mesmo daqueles que são contra a Junta Militar. No entanto, de acordo com Jack Shenker, do The Guardian, existem elementos que foram treinados, cooptados e recompensados (LE 200 por dia) para reprimir protestos. Eles não representam de meio a um milhão dos membros do exército egípcio, além disso, o exército significa estabilidade e muitos egípcios querem estabilidade. Mas isso não significa necessariamente que eles estejam felizes com o regime militar. Obviamente, alguns acham que o processo de transição de poder está muito lento, usando a Tunísia como referência, mas lembre-se que o Egito é dez vezes maior do que a Tunísia. Portanto, se a transferência para o regime civil acontecer até o próximo verão, o que seria de oito a nove meses depois da Tunísia, ainda não é tão ruim. O ceticismo aqui gira em torno da palavra ‘se’; se a transição for completa.
C: Qual dos candidatos à presidência você acredita que tem maior chance de ganhar?
S: Eu não acho que alguém pode prever. Entre a Irmandade Muçulmana e entre o Conselho Supremo das Forças Armadas, será eleito alguém que seja aceitável para ambos os lados. Talvez Abo El Fotouh, que é o candidato mais popular com quem me deparei aqui no Egito; falei com ateístas, cristãos e muçulmanos e o nome dele é continuamente mencionado sem que ninguém o rejeite imediatamente, ao contrário de outros políticos. Então, se ele conseguir estabelecer uma aliança com a Irmandade e dar garantias à Junta Militar, tem grandes chances. Além disso, Ahmed Shafiq pode se tornar popular mais uma vez, o que seria a ironia de todas as ironias.
El Baradei não tem chance.
Em todo caso, quem for eleito presidente não é a pessoa mais importante. O que acontece depois disso é o mais importante. O Egito não é uma democracia ainda e eu acho que se tornaria uma não antes de dois ou três ciclos, então nós estamos falando em outros 12 anos. Isto é, quando você sentir que o país está sobre uma base segura, porque agora as pessoas são apontadas em quem votar durante as eleições parlamentares, mas eu acredito que nós veremos cada vez menos disso no futuro. Acho que a Irmandade Muçulmana deveria ter uma chance de falhar; o direito de falhar não deve ser tirado deles. Então, nas próximas eleições, espero que as pessoas votem menos com seus corações e mais com suas mentes.
Efe
Ruas da capital Túnis em chamas durante os protestos que derrubaram Zine Ben Ali. À esquerda, cartaz com foto do ex-presidente
C: E sobre a imprensa estatal, mudou alguma coisa após a revolução?
S: A política não mudou, mas a retórica sim. Por exemplo, se você se tornar presidente, eles usarão Maspero [prédio da TV estatal do Egito] para te louvar, isso é parte do manifesto deles. Então, no dia seguinte após a queda de Mubarak, foi apenas mais um dia de trabalho! A estatística que eu ouvi afirma que existem 40 mil pessoas trabalhando para a imprensa estatal! Por que um número tão alto? Eu conheço amigos que trabalham em Maspero que dizem que, no pior dos casos, apenas os chefes dos departamentos mais importantes são substituído se o seu/sua assistente assume o lugar. O que é uma continuidade da mesma cultura.
C: Por outro lado, temos um sujeito como Tawfik Okasaha.
S: Ele é popular somente pela polêmica que causa. Em todos os países existem direitistas, então é natural para um país de 80 a 90 milhões de pessoas ter elementos de direita. Eu ficaria surpreso se não houvesse Tawfik Okasha! Ele desempenha um papel que. para mim. é proporcionar comédia de entretenimento, mas para outras pessoas ele faz um papel mais sinistro; muitas pessoas são ingênuas e acreditam nele. No entanto, ele não provê nenhum tipo de educação; ele apenas oferece entretenimento disfarçado de política. As pessoas enxergarão através disso, embora eu não saiba quanto tempo isso vai levar. Além disso, haverá sempre elementos à margem que concordam com ele e você tem que aceitar isso. Mas eis uma história interessante: outro dia eu estava no julgamento de Mubarak e o jornalista da TV Al Fara’een foi perseguido por uma centena de pessoas anti-Mubarak. Ele simplesmente entrou no lado anti-Mubarak muito confiante tentando entrevistar pessoas e no instante em que elas viram o nome da Al Fara’een no microfone o puseram pra fora!
C: Algum outro fato importante aconteceu no tribunal?
S: O que nós observamos no julgamento é que o advogado de defesa queria incluir no caso os confrontos de Maspero, Mohamed Mahmoud e o Occupy Cabinet para mostrar que pessoas foram mortas mesmo depois da época de Mubarak, assim você não pode colocar toda a culpa nele.
C: Então, twittar te envolveu em algum problema?
S: Bom, fui alertado sobre fazer visitas a vários países, incluindo o Egito, mas eu acabei visitando todos. Além disso, durante a retirada da polícia no Egito, eu twittei que não havia presença policial em uma certa área no Cairo e um amigo meu, que trabalha em um shopping por lá, me ligou e me disse para parar de twittar porque ele estava com medo que as pessoas fossem até lá e os atacassem. Então, eu twittei que um amigo meu me ligou e me pediu para parar. Eu não parei, porém, porque milhares de pessoas me pediram para não parar. Como resultado, me desentendi com meu amigo.Porque, enquanto eu entendo que ele poderia estar em perigo, havia pessoas que tinham família indo para aquele lugar e estavam correndo risco, então eu tinha de continuar disseminando a informação. Mais tarde, entretanto, meu amigo me mandou um e-mail me agradecendo por tê-lo ignorado. No final do dia, eu acredito que eu estava do lado certo da história, mesmo que por alguns dias parecesse que eu não estava.
C: E nós somos gratos pela sua presença durante a revolução.
S: Eu não fiz nada; apenas se tornou uma história interessante como alguém que não estava no país conseguiu – em um nível atômico – sentir como se fizesse parte disso. Onde quer que eu vá desde que cheguei aqui sou convidado para sair e as pessoas são muito receptivas!
C: Você é solteiro?
S: Sim, eu sou.
C: Aí está a sua chance então!
S: (Risos) Francamente, esta última semana no Egito foi a melhor semana da minha vida. Eu twittei isso; há o Egito e há o resto do mundo!
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