Com menos dólares nos cofres devido à queda de receita causada pela desvalorização do petróleo, o governo da Venezuela decidiu limitar as importações. Para isso, criou um organismo chamado Cadivi (Comissão de Administração de Divisas), cuja função é distribuir as autorizações de câmbio de dólar, pela taxa oficial. O órgão reduziu as autorizações em 57% durante os primeiros quatro meses de 2009, comparando com o mesmo período do ano passado. A prioridade é para medicamentos e alimentos.
Leia a primeira parte:
As cartadas de Chávez para não sucumbir à queda do petróleo
Os observadores otimistas consideram que esta conjuntura pode incentivar uma política de substituição das importações. “O problema é que, embora sejam muitas vezes justificados, os repetidos ataques contra atores do setor privado acabam paralisando as iniciativas positivas”, reconhece um alto funcionário do Ministério da Fazenda.
No curto prazo, a conseqüência é dupla. Algumas empresas pararam a produção, como a General Motors, que anunciou congelamento das atividades por três meses. “À primeira vista, não é um setor estratégico, mas isso significa 4.000 pessoas desempregadas”, diz um assessor de Chávez. Para os grupos que continuam a importar, a situação é difícil.
Como não conseguem autorizações de câmbio da Cadivi, eles compram dólares no mercado paralelo, três vezes mais caro, e repassam este custo adicional para o produto final. “Isto significa que a inflação vai rapidamente tornar-se incontrolável”, alerta o economista Orlando Ochoa.
O governo está enfrentando uma quadratura do círculo. É preciso reduzir o fosso entre a taxa de câmbio oficial e a do dólar paralelo para evitar um aumento crescente dos preços associado a uma escassez de produtos. Mas a medida mais óbvia, que seria uma desvalorização do bolívar, teria um custo político considerável, com um risco de explosão da inflação.
Neste contexto, entende-se que a onda de nacionalizações obedece menos a um imperativo ideológico do que a necessidades de financiamento. Após ter recuperado a soberania do setor petrolífero, o Estado tornou-se a partir de 2007 um importante ator nos setores de eletricidade, telecomunicações, aço, cimento e financeiro. “É a melhor maneira de controlar os preços e de orientar as prioridades de produção”, explica um assessor econômico do presidente.
“As primeiras nacionalizações realizadas em 2007 não oferecem surpresas no contexto do projeto chavista. Assim como governos anteriores justificaram privatizações com base na insuficiência de recursos públicos para investir, a bonança petroleira permitiu a Chávez, dentro desta mesma lógica, efetuar as nacionalizações”, explica Daniela Campello, do Observatório Político Sul-americano do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
O processo iniciou-se pelo setor petrolífero, onde contratos de concessão da região da Faixa do Orinoco deram lugar a sociedades em que a PDVSA tornou-se acionista majoritária. Logo, Chávez nacionalizou também a CANTV, que estava em posição de monopólio, assim como a Eletricidade de Caracas e a siderúrgica Ternium Sidor, que era controlada pelo consórcio ítalo-argentino Techint.
“A segunda rodada de nacionalizações, no entanto, segue uma lógica distinta. Enquanto as primeiras empresas inseriam-se em setores considerados estratégicos, tais como energia e siderurgia, as outras eram uma reação do governo a problemas econômicos, sobretudo àqueles relacionados à escassez de produtos básicos”, conclui Campello.
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Ganhando tempo
Desde o início do ano, a Venezuela usa a nacionalização como ferramenta para ganhar tempo para pagar os fornecedores. A PDVSA, companhia pública de petróleo, terminou 2008 com dívida de mais de 8 bilhões de dólares em relação a várias dezenas de empresas prestadoras de serviços. Em maio, o Congresso votou uma lei outorgando o Estado a expropriar qualquer empresa do setor de hidrocarbonetos. No dia seguinte, 60 fornecedores foram nacionalizados.
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Segundo a direção da PDVSA, os atrasos nos pagamentos não têm como origem a falta de dinheiro em caixa. Era uma estratégia para obrigar as empresas a baixar suas tarifas, consideradas excessivas num contexto de petróleo barato. “Esta acusação de especulação não é um delírio paranóico do governo”, afirma um diplomata europeu especializado em questões petrolíferas. Ele completa: “Muitos destes fornecedores montaram esquemas de superfaturamento em associação com alguns executivos corruptos da PDVSA. O governo tinha razão de denunciar estas práticas”.
O especialista alerta, porém, para a falta de recursos humanos e financeiros da PDVSA para retomar o controle de todas as novas atividades incorporadas. Com as nacionalizações e as novas contratações, o quadro de funcionários da empresa passou em seis anos de menos de 25 mil para mais de 100 mil, provocando problemas de gerenciamento. Concentrada na missão de financiar programas sociais, a empresa deixou de cumprir planos de investimento e tem dificuldade para manter a produção.
As metas definidas pelo governo no plano Semente Petroleira tornaram-se pouco realistas. O objetivo era elevar a produção para 5,8 milhões de barris por dia até 2012. Já foi adiado para 2013, e analistas acham que ainda assim, não sera alcançado. Hoje, a PDVSA diz que a produçao é de mais ou menos 2,9 bilhões de barris por dia. A AIE (Agência Internacional de Energia) e a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) divergem dos números da estatal e afirmam que o número correto fica em torno de 2,3 bilhões por dia.
No dia 17 de julho, o ministro da Energia, Rafael Ramirez, declarou, numa entrevista à agência Reuters, que a PDVSA tinha quitado quase toda a dívida restante com 4.250 fornecedores, depois de ter negociado uma redução das tarifas. “Fica um saldo de 536 milhões de dólares para pagar”, precisou Ramirez. A estatal venezuelana lançou títulos no mercado chamados “Petrobonos”, que deram um fluxo de caixa de 1,418 bilhão de dólares, e negocia com bancos a emissão de outros títulos por 1,582 bilhão de dólares.
BNDES
A porta de saída pode vir do exterior. O banco estatal de desenvolvimento brasileiro (BNDES) deve emprestar a Caracas 4,3 bilhões de dólares para financiar infra-estrutura, cujos contratos são atribuídos a gigantes brasileiras do setor da construção. Chávez fechou um acordo com Rússia e China para criar fundos com objetivos similares. Sobretudo, o governo está organizando novas licitações, que devem sair em agosto, para a produção de petróleo dos chamados blocos Carabobo, na faixa do Orinoco. Cerca de 20 empresas já declararam interesse. A francesa Total, que dispõe da melhor tecnologia, está no topo da lista.
As transnacionais petroleiras tentam reduzir as reivindicações do governo, que além de pedir financiamento e garantia de clientela, exige que renunciem à arbitragem jurídica internacional em caso de conflito. Mas todas sabem que a Venezuela já tem 172 bilhões de barris de reservas provadas, e 314 bilhões se levarmos em conta as que estão em fase de certificação.
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As cartadas de Chávez para não sucumbir à queda do petróleo
*Texto e foto.
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