Simantob: “Se Deus existe, ele está dentro da buceta. Porque é ali que se esconde o mistério da criação”
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Não era fácil ser estudante, cabeludo e comunista na década de 1980. Com a ditadura brasileira seguindo o rastro de qualquer pensamento ou ato político fora do esquadro oficial, jovens como Eduardo Simantob precisavam ficar de olho na própria subversão e pensar em novos caminhos para sobreviver (física e intelectualmente) em uma sociedade hostil a qualquer tipo de originalidade criativa. Era preciso olhar para trás antes de pensar em seguir em frente.
Um ambiente de cerceamento obrigou Simantob a ir atrás de inspiração — e foi ela que encontrou ao conhecer autores como Allen Ginsberg, William Burroughs e Jack Kerouac. Ao lado de assuntos análogos como a própria contracultura, drogas alucinógenas, xamanismo e outras piras, o autor tentou recriar a jornada libertária de seus ídolos e se jogou na estrada com On The Road na mão e muitas ideias na cabeça.
Essas experiências, somadas a doses de Nieztsche, Lévi-Strauss e Marx, resultaram em Josíada (a buceta), uma jornada lisérgica em busca de algo que você descobre na entrevista abaixo com o autor, que contou quais os motes de sua jornada intelectual — e como foi a transformação de rolê juvenil a livro publicado.
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Em uma linha “retrokardecista pós-lisérgica”, o autor Simantob deixa baixar em si Tobias, o Justo, e a sua Josíada
Linguagem
“Se eu precisasse dizer em uma palavra sobre o que é o livro, eu diria que é sobre a língua”, conta Simantob. Para ele, a língua portuguesa ainda é tratada com muita regra, muito beletrismo e pouca imaginação. Com uma linguagem subvertida, Josíada se colocaria como uma reação a esse ranço: “A intenção é implodir a língua, criar, brincar com as palavras. A coisa da poesia é isso, criar significados novos”, diz o autor.
O herói do livro é o varão Josias, cujo nome remete ao mesmo tempo à Bíblia e ao trabalhador braçal. “Queria usar um nome bíblico e que fosse bem popular, como um nome de pedreiro ou de encanador”, conta Simantob. A jornada desse herói cafuçu começa em uma espécie de paraíso particular, onde vive encerrado com suas amantes preferidas, mas é sempre importunado por um sentimento angustiante. Depois de receber em sonho a revelação de uma divindade, Josias decide buscar o centro da Criação e se lança para dentro da Grande Buceta Cósmica, que guarda o segredo da vida.
Mesmo que a obra busque respeitar características do gênero épico ao narrar a jornada lisérgica de Josias, o texto inova na forma, como no emprego de um esquema irregular batizado de rima abestagliatta e no cruzamento de idiomas e na criação de vocábulos, apelando para referências culturais que devem ser familiares ao público a que o livro se destina.
As invenções linguísticas e a multiplicidade de registros na obra dão forma e roupagem underground ao mito do herói e outros arquétipos, como o da vagina dentata, que aparecem fortes no caldo de referências adotadas por Simantob.
A Grande Buceta Cósmica e o mistério da Criação
“Aprendemos sobre o poder e o falicismo logo nos primeiros conceitos de psicologia e antropologia, mas, com todo o respeito, e a buceta? E a parte feminina?”, pergunta Simantob. O autor encontrou fundamentação nos estudos de religiões e mitos de Mircea Eliade e Joseph Campbell, que relacionam as histórias de heróis que se lançam dentro de uma gruta, algo misterioso, cheio de perigos, com o mito da vagina dentata.
A ideia da vagina que se transforma em uma boca cheia de dentes, pronta para ferir o que a penetrar, é recorrente na cultura e na literatura e também foi inspiração para Simantob. Para ele, o mistério sobre o corpo da mulher e o medo ancestral do feminino estão também na base do monoteísmo contemporâneo. “Se Deus existe, ele está dentro da buceta. Porque é ali que se esconde o mistério da criação”.
Também no esqueleto narrativo mitológico de Josíada está a horda primitiva, modelo antropológico construído por Freud em que o pai detentor do poder, o macaco alfa, é morto pelos filhos e posteriormente recriado em forma de totem.
Tobias, o Justo
Além de considerar a opressão da língua e do alfababuíno a quem todos deviam obediência, a Josíada também remete às Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), que dão nome ao trovador do épico. É como se Tobias, o Justo, baixasse em Eduardo Simantob durante uma viagem em uma linha “retrokardecista pós-lisérgica”. “Nos meus heróis literários, vida e obra eram muito misturadas. Mas não acho que o escritor tenha que escrever sua vida, eu acho que ele tem que viver”, diz o psiconauta aposentado.
Todas as ilustrações do livro foram feitas pelos artistas paulistanos Paulo Augusto Arena e Wakahara
Serviço
Livro: Josíada – por Tobias, o Justo
Autor: Eduardo Simantob
Edição: Alameda (tel.: 11 3862-0850)
Preço: R$ 40,00 (117 páginas) – 18,0 x 20,0 – Brochura – 0, 205 Kg
ISBN: 978-85-7939-174-3
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