Dois anos atrás, a holandesa Sofie Peeters, 25, trocou sua cidade natal, Leuven, por Bruxelas, capital da Bélgica, para estudar cinema documentário. “Adoro o teatro, o chocolate, os waffles, os homens me tratando como uma vadia o tempo todo…” Peeters ficou espantada com o comportamento dos homens nas ruas enquanto ela passava: “os caras olham como se eu fosse de outro mundo, fazem barulhos estranhos, ou falam coisas como 'oi gata, quer vir comigo?'”, contou ela à revista britânica New Statesman. “Mas essa é a parte 'inocente'. Já me seguiram na rua, já me insultaram… Os caras não querem ouvir um 'não, obrigada' quando perguntam 'posso te pagar uma bebida?', 'me dá seu telefone?', 'quer fazer sexo comigo?'. Eles vêm atrás de você, mesmo quando você deixa bem claro que não está interessada e pede para eles te deixarem em paz. Se você fica brava, eles te insultam: 'piranha', 'vadia', 'racista'.”
Pode-se dizer que quase toda mulher já tenha passado por isso, e que quase toda mulher se sente agredida e impotente quando isso acontece. Mas Peeters foi além: intrigada e revoltada com o assédio constante, ela produziu o documentário “Femme de la rue” (“Mulher da rua”), seu projeto final no curso de cinema. Com câmera e microfone escondidos, ela registrou os insultos cotidianos, e gravou em estúdio depoimentos de outras mulheres que relataram sofrer o mesmo tratamento abusivo. Seu filme foi exibido na TV belga, e causou indignação e polêmica. Nas imagens, Peeters caminha pela rua e ouve convites como “Posso te oferecer uma bebida, senhorita?” “Não, obrigada.” “Na minha casa, não aqui, naturalmente.” Ou “Vamos para um hotel? Para a cama, vamos?”. E comentários como “Que bela bunda”, “Se você provoca, é normal, não?” e até um gratuito e raivoso “piranha”.
A indignação é compreensível, mas a polêmica causada pelo filme é porque Anneessens, bairro na região central de Bruxelas onde Peeters mora, é habitado em grande parte por imigrantes, a maioria de origem africana. “Sinto muito dizê-lo, mas em 95% dos casos, são estrangeiros. Não quis fazer um documentário racista. A questão não é étnica, mas social: a maior parte dos insultos vem dos imigrantes porque eles são a parte mais pobre da população, que sofre as maiores dificuldades. Nós mulheres somos atormentadas todos os dias, e não acho que seja certo deixar isso pra lá e tentar se acostumar”, acredita a universitária.
E não tem mesmo nada a ver com raça ou etnia. Machismo e misoginia não têm cor ou classe social, e as mulheres sabem disso: em uma pesquisa citada pela New Statesman sobre o quão seguros homens e mulheres se sentem ao caminharem sozinhos na rua durante a noite, em todos os 143 países pesquisados, em todos os continentes, as mulheres se sentem menos seguras do que os homens. A Nova Zelândia é o país onde a diferença é mais contrastante: 85% dos homens dizem se sentir seguros, enquanto somente 50% das mulheres afirmam a mesma coisa. A Geórgia, uma ex-república soviética, é onde os índices são mais próximos: 90% das mulheres e 93% dos homens se sentem seguros. No Brasil, o gap é de 17%: 40% das mulheres e 57% dos homens dizem sentir-se seguros ao andarem sozinhos na rua à noite.
Pelo menos na Bélgica, Peeters e seu “Femme de la rue” estão conseguindo promover alguns avanços: Joëlle Milquet, ministra do Interior, disse ter ficado chocada com o filme, e reafirmou sua intenção de propor uma lei ao Parlamento em setembro que estabeleça legalmente o conceito de sexismo e a pena para quem cometê-lo: uma multa de 250 euros (cerca de 630 reais). “Não há dúvidas de que o sexismo é intolerável e deve ser veementemente combatido”, declarou a ministra.
“Não me incomodo se um cara pede meu telefone, nem me incomodo em paquerar ou conversar com estranhos. Mas isso tem que acontecer de uma forma respeitosa, não com intimidação”, diz Peeters.
E se invertêssemos o sinal do assédio? Será que os homens se sensibilizariam?
Bom, talvez não.
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