Luciana Taddeo/Opera Mundi
Cartaz em frente à loja Daka mostra os produtos que estão em falta
Televisores, Blu-Ray, aparelhos de DVD e de som, ares-condicionados, micro-ondas, exaustores, geladeiras. Esses são os produtos esgotados na loja Daka da região de Boleíta, em Caracas, segundo um cartaz colado na grade que cerca o estacionamento do local. Primeira do país a sofrer intervenção pelo governo venezuelano desde o início da operação de fiscalização de preços no país, no dia 8 deste mês, a rede de eletrodomésticos logo recebeu grande afluência de consumidores ansiosos por adquirir produtos mais baratos.
Se, antes, devido à forte concentração de venezuelanos nas portas das lojas, a GNB (Guarda Nacional Bolivariana) teve que elaborar listas de ordem de chegada das pessoas para controlar o acesso aos estabelecimentos, pouco mais de dez dias depois da intervenção, longas filas já não são vistas no local. “Isso já não é necessário. Não tem filas porque não há mercadoria”, disse a Opera Mundi um vendedor da loja, enquanto organizava os últimos liquidificadores à venda em uma prateleira quase vazia.
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A decepção se expressava nos rostos de consumidores que se dirigiram ao local em busca de produtos mais baratos na manhã de terça-feira (19/11), já que boa parte das prateleiras da loja não exibia nenhum produto. Entre os setores com mais mercadorias em falta, estava o de televisores, onde cartazes com marcas que estiveram à venda ainda não tinham sido retirados.
“Vim comprar um minilaptop, mas, não tinha”, disse o motoboy de uma emissora venezuelana de televisão, William Mejía, de 35 anos. “Acho que essa medida foi boa, mas pode gerar desabastecimento”, complementou, passando pelo portão, que, com somente um trecho aberto, permitia o acesso de uma pessoa por vez.
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“Tem ar-condicionado?”
“Tem ar-condicionado?”, perguntou um homem sobre uma moto ao segurança da loja, que respondeu: “Só sobrou o de 25 mil bolívares. “Ah, queria o pequeno, de cinco mil”, lamentou o motoqueiro antes de partir. Em diversas ocasiões durante aquela manhã, o segurança responderia a perguntas similares sobre diversos itens, além de dizer “pode entrar” a pessoas que esperavam deparar-se com uma longa fila e perguntavam se o lugar estava aberto.
[Após redução de preços, vitrines da loja de sapatos Aldo começam a aparecer mais vazias]
Inspecionada no início da operação, a rede Daka foi obrigada a retroceder em uma marcação de preços feita anteriormente. Em um mês, o preço de um equipamento de som passou de 11,8 mil para 16,9 bolívares e o de uma secadora, de 39,9 mil para 76,5 mil bolívares, segundo Eduardo Samán, presidente do Indepabis (Instituto para a Defesa das Pessoas no Acesso aos Bens e Serviços). “O artigo 47 da Lei de Defesa das Pessoas no Acesso a Bens e Serviços proíbe fazer aumento de produtos que estão em existência e tomamos medidas para obrigá-los a vender ao preço que tinham no dia primeiro de outubro”, disse na ocasião.
Alguns dos itens com modelos ainda disponíveis apesar da alta demanda, ainda que em menores quantidades, como fornos elétricos, torradeiras, batedeiras de mão, cafeteiras e umidificadores de ar, dividiam espaço com cartazes informando que preços foram regulados pelo Indepabis. A GNB não permitiu que a reportagem fotografasse o interior da loja e o gerente da sucursal disse não estar autorizado a falar com a imprensa.
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O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, nega que o controle de preços seja uma medida insustentável e diz que a tese é uma “mentira” da oposição e das câmaras empresariais. “Esses preços que estabelecemos são sustentáveis, viáveis e todas as empresas que inspecionamos podem funcionar tranquilamente com esses níveis.” Segundo ele, os armazéns das empresas fiscalizadas estão cheios de produtos que garantiriam reservas para “mais de um ano”.
Sapatos com 50% de desconto
A diminuição dos preços, tanto as realizadas “voluntariamente” por empresas frente à possibilidade de uma inspeção, como as pelas que passaram por fiscalizações e foram obrigadas a reestabelecer os valores dos produtos, fez com que prateleiras aparecessem vazias em algumas lojas de diferentes setores comerciais nos últimos dias. Na semana passada, consumidores saiam da sucursal Aldo no shopping Millenium celebrando a compra de sapatos com desconto de cerca de 50% em relação ao marcado antes do início das fiscalizações. Não demorou para que as vitrines da loja aparecessem vazias.
O mesmo se pode constatar em algumas prateleiras de uma loja de brinquedos, que exibia na entrada um cartaz onde comunicava que daria “35% de desconto em seus preços até novo aviso ou esgotamento da existência”. “Pedimos sua colaboração para dar oportunidade a todos os clientes e limitar a compra a não mais de três brinquedos por pessoa”, expressava o aviso.
Luciana Taddeo/Opera Mundi
A advogada María Gabriela Rojas mostra o carrinho de bebê cheio de artigos de compras “com a família”
No mesmo shopping, na rede de artigos eletrônicos Compumall, que teve sua sede administrativa inspecionada, segundo o ministério de Comércio, prateleiras vazias cercavam uma longa fila de clientes que esperavam para pagar por produtos. Com um carrinho de bebê repleto de artigos, a advogada María Gabriela Rojas explicou que não fazia a compra sozinha, mas com toda a família.
“O governo deveria ter intervindo nos preços há muito tempo, estava tudo muito caro. Acho que só fazem isso agora pelas eleições”, disse ela, cética sobre a medida governamental que diz visar conquistar apoio da população para o pleito que elegerá prefeitos e vereadores no dia 8 de dezembro.
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Sem perder a pechincha, Rojas levava no carrinho familiar pacotes de papel sulfite, que diz terem passado de 255 bolívares para 110, uma impressora, que, de 5.000 bolívares, passou a ser vendida por 2.260, e um teclado, cujo preço caiu de 750 bolívares para 300. Para ela, no entanto, “o mês de janeiro será terrível”, porque acredita que as lojas não poderão repor os produtos frente à alta demanda de itens a preços reduzidos.
Em reajuste recente, o salário mínimo da Venezuela passou para 2.973 bolívares, ou o equivalente a R$ 1.074, segundo o câmbio oficial. Com uma economia pouco produtiva e um mercado dependente de importações, muitos dos produtos são vendidos por comerciantes com base na variação de divisas no mercado paralelo, que aumentou consideravelmente nos últimos meses. Isso acontece apesar do sistema de distribuição oficial de divisas, que vende dólares a importadores pelo câmbio fixo de 6,30 bolívares.
O medo de uma escassez de produtos nas lojas é compartilhado por Bárbara Padrino, que também esperava na fila. “Eu sou gerente de um shopping e muitos comerciantes dizem que não vão mais trazer produtos. Também há donos de lojas liquidando as mercadorias para fechar. Essa medida tinha que ter sido tomada há muito tempo, mas não dessa forma”, expressou.
A reportagem não conseguiu contato nesta quarta-feira (20/11) com representantes de nenhuma das lojas.