* Atualizadaàs 11h32 do dia 21 de outubro de 2014
Não é só o estado de São Paulo que passa atualmente por discussões a respeito da gestão pública da água. Nos EUA, a cidade de Detroit recebeu neste final de semana uma visita de um grupo de inspetores da ONU (Organização das Nações Unidas), enviados especificamente para avaliar como as autoridades locais devem lidar com a distribuição deste recurso natural, em meio a uma recente e polêmica decisão que pode afetar a vida de boa parte da população.
O Departamento de Água e Esgoto, órgão público que cuida da parte de saneamento básico em Detroit, decidiu tomar medidas mais drásticas contra os usuários que não estão em dia com a conta d’água: como forma de pressão, o departamento está ameaçando fechar o registro e deixar secarem as torneiras dos cidadãos inadimplentes.
Reprodução/Facebook/Detroit Water Brigade
Departamento que gere recurso em Detroit ameaça cortar abastecimento de quem está com dívidas nas contas de luz
“O fato de, no país mais rico de todos, as pessoas estarem sem água, é uma violação dos direitos humanos”, diz ao jornal The Guardian DeMeeko Williams, diretor político da ONG Detroit Water Brigade. Além de militar e pressionar por taxas menos salgadas na conta d’água, a organização trabalha com assistência direta aos afetados pelos cortes d’água, entregando garrafas cheias aos que precisam, por exemplo. O grupo advoga que o acesso à agua é um direito básico da pessoa humana. Portanto, cerceá-lo seria ferir leis internacionais e a jurisdição das Nações Unidas.
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Os efeitos da alta tarifa para o uso da água em Detroit são potencializados pela situação econômica local, que, berço da indústria automobilística norte-americana, já viveu o auge do progresso, mas enfrenta crise nos últimos anos, levando a cidade do estado de Michigan a ter declarado bancarrota no ano passado. Em julho, a insatisfação com as medidas sobre a água fez com que a população tomasse as ruas, pressionando o poder público a suspender os cortes e repensar a política — o que acabou chamando a atenção da ONU.
Agenda nacional
Aos poucos, a gestão da água começa a virar agenda de debate nos Estados Unidos: pesquisa realizada em 2012 mostra que entre 100 cidades estudadas, o preço da água dobrou em mais de 25 delas ao longo de uma década.
Reprodução/Facebook/Detroit Water Brigade
Uma das iniciativas da ONG Detroit Water Brigade é levar garrafas d'água na casa das pessoas cujo abastecimento foi cortado
Na Califórnia, estado que também atravessa período de seca e escassez do recurso, autoridades locais declararam recentemente que desperdiçar água pode ser enquadrado como crime — lavar a calçada rende um processo (e uma multa) semelhante à infração de dirigir acima da velocidade permitida. Em outras regiões, o ato de regar o gramado da própria casa é ilegal: a cidade de Las Vegas, ao longo da última década, pagou US$ 200 milhões a moradores e empresas locais para que abandonassem os jardins. Perto dali, no Texas, moradores da cidade de Marfa foram às ruas para protestar contra a decisão do governo local de vender água à indústria de ‘fracking’ (fraturamento hidráulico).
Posição da ONU
Desde 2010, a ONU reconhece o “direito a fontes seguras e limpas de água potável e saneamento básico como direito humano essencial”. Em relatório publicado naquele ano, a ONU apurou que a falta de acesso à água limpa mata mais gente no mundo todo do que conflitos armados e violência. Nos países mais pobres, onde a situação é bem mais grave e a deficiência no serviço de saneamento básico potencializa a contração de doenças, 800 milhões de pessoas não têm acesso à água potável.
Atenta à questão da água, a ONU também já se manifestou sobre o caso da falta d’água no estado de São Paulo, que já afeta 68 cidades onde vivem 13,7 milhões de pessoas. Há mais de um mês, a relatora das Nações Unidas para a questão da água, a portuguesa Catarina de Albuquerque, afirmou que a culpa pelo racionamento de água na região “não é de São Pedro”, e sim da falta de investimentos na infraestrutura e da má gestão das autoridades públicas estaduais.
Conforme noticiado na terça-feira (21/10), o governador paulista, Geraldo Alckmin, enviou um ofício ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, cobrando a entidade por suas conclusões sobre a crise da água no estado de São Paulo. Alckmin acusa a relatora das Nações Unidas de “erros factuais” e de uso político do tema ao publicizar a questão da água às vésperas das eleições estaduais.