“A tortura é uma prática generalizada no México”. A declaração foi reiterada, pela terceira vez, pelo relator especial para tortura das Nações Unidas, Juan Méndez. Em carta, o especialista em direitos humanos diz estar sendo alvo de uma campanha de difamação por parte do governo mexicano, que tem como intuito desqualificar o relatório elaborado após uma visita ao país latino-americano em 2014. Ele também diz ter recebido pressão para que modificasse o parecer.
Agência Efe
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A carta, enviada na última quarta-feira (01/04) e divulgada nesta quinta (02/03) pela imprensa mexicana, é endereçada ao representante permanente do México no escritório das Nações Unidas e organismos internacionais em Genebra, Jorge Lomónaco, em resposta à que foi enviada pelo mexicano ao presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU em 13 de março de 2015.
“Foi com muito pesar que cheguei a essa conclusão, mas o fiz sob o entendimento de que seu governo me convidou a conduzir uma visita para que avaliasse sinceramente a situação e não para minimizá-la. Teria sido uma falta de ética de minha parte se tivesse sucumbido às pressões que recebi para que mudasse o parecer”, disse o relator argentino.
De acordo com Méndez, os meios de comunicação mexicanos difundiram amplamente os comentários do subsecretário para Assuntos Multilaterais e Direitos Humanos da Secretaria de Relações Exteriores, Juan Manuel Gómez Robledo, que, ao seu ver, “constituem um ataque pessoal”.
Carlos Latuff/ Opera Mundi
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Robledo, em comentários realizados diante de senadores do país, disse que Méndez “não foi profissional, nem ético” em seu trabalho e declarou que o país “não voltará a trabalhar com ele”. O funcionário mexicano acrescentou ainda que “muitos dos pontos do informe têm valor, mas temos uma diferença na valoração feita sobre a suposta prática generalizada da tortura”.
O diplomata mexicano admitiu que pediu diversas vezes que Méndez trocasse a palavra “generalizada” porque essa dá uma dimensão de que a tortura é uma política de Estado promovida pelo governo, quando na verdade, o relator se baseou em 14 casos para fazer o informe.
Ele diz ainda que o significado de tortura generalizada, no direito internacional, é considerado um crime de lesa humanidade e requer intervenção da Corte Penal Internacional o que, segundo ele, não se aplica à realidade mexicana.
Desqualificação
Para o especialista em direitos humanos, a discussão que está sendo feita no México e que se centra em sua ética e integridade profissional, tem como objetivo ocultar os problemáticos fatos que reportou contra o governo. “Apesar da linguagem ofensiva que tem sido usada no México a meu respeito, quero assegurar que mantenho inalterada minha atitude de diálogo construtivo”.
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Méndez questionou ainda a declaração de Robledo, para quem o trabalho que “faço é ficar bem com os governos que tenho que trabalhar. Muito ao contrário, para que meu diálogo com os governos seja realmente construtivo, tenho que ser justo, mas também honesto, ao descrever a situação tal como a vejo”.
Detalhou ainda que a avaliação de que a tortura é uma prática generalizada tem como embasamento o fato de que diversas fontes fizeram o mesmo relato: a tortura e os maus tratos começam nas primeiras 24 ou 48 horas da detenção; os métodos utilizados incluem ameaças, insultos, destruição de propriedade, mas também golpes, eletrocussão, simulação de afogamento e até violação sexual”.
A violência no México voltou ao centro de atenções da comunidade internacional, depois de 43 estudantes da escola de Ayotzinapa desaparecerem no dia 26 de setembro passado. Apesar de o caso chocar o país e o mundo, dados apontam que 5,6 pessoas são dadas como desaparecidas por dia em território mexicano.
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