Cerca de cem mil professores e estudantes, de acordo com os organizadores da manifestação, voltaram às ruas nesta quarta-feira (17/06) em todo o Chile contra o projeto de carreira docente que leva a cabo o governo da presidente Michelle Bachelet e que, segundo os profissionais, estimula a competição dentro da categoria e estabelece um piso salarial baixo.
Apesar de pacífico, no final do ato ocorreram enfrentamentos entre estudantes e policiais. Diversos jovens foram detidos, mas ainda não foi revelado o número exato de detenções.
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Agência Efe
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Os profissionais entregaram um documento de acordo com os principais pontos discutidos na mesa tripartite formada por professores, pelo Ministério da Educação e parlamentares da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para conseguir um acordo.
Após o ato, os professores decidirão pela continuidade ou não da greve iniciada em 1º de junho e que abrange 42% da categoria. “Esperamos que esta tarde realmente tenhamos um documento que seja do beneplácito de todos os professores. Nós temos o ânimo de destravar este conflito”, disse o presidente do sindicato de professores, Jaime Gajardo.
Os professores ressaltam que o projeto apresentado pelo governo é um modelo educacional de mercado que fomenta a concorrência e o individualismo e não favorece o processo coletivo de colaboração entre docentes e estudantes.
De acordo com os docentes, o projeto governamental cria um sistema de escala para os professores, adota um fundamento para demissão dos profissionais que não cumpram com as exigências acadêmicas e prevê o aumento das horas não letivas (tempo que o professor dedica a reuniões, planificação e correções de trabalhos e provas dos alunos).
Na última semana, foi paralisada a tramitação do projeto e foi criada a mesa tripartite para que se chegasse a um acordo.
Razões da greve
No marco da Reforma Educacional chilena, principal item do programa de governo de Bachelet, começou a tramitar este ano o projeto da reforma docente.
Entre as demandas básicas dos professores chilenos está um maior piso salarial — a Associação pede um piso superior a um milhão de pesos (cerca de R$ 5 mil), enquanto o governo, após o último aumento da oferta, chegou a 800 mil pesos ( R$ 4 mil), quase o dobro do piso atual.
Além disso, há também a pressão por um processo de avaliação diferente do proposto pela reforma, acusada de estimular a competição e a deslealdade entre colegas. Também reclamam que o projeto estimula acirra a rivalidade entre os professores, primeiro dentro de cada estabelecimento, em nome da própria estabilidade, depois entre os professores em geral, para conseguir melhores certificações periódicas, as que o Ministério passará a exigir para poder exercer a profissão.
Além disso, a Associação reclama que o processo de certificação cria diferenciação entre os professores ao não estabelecer ainda a desmunicipalização do sistema público no ensino básico. Segundo os professores, ao permitir que cada município tenha sua própria política de certificação de professores, o projeto desestimula os professores a trabalharem em colégios de regiões rurais e desérticas, ou dos locais mais pobres de Santiago.
Negociações
Nos meses de março e abril, período de preparação do projeto de lei, o Ministério de Educação organizou reuniões com a Associação dos Professores. O presidente da entidade sindical, Jaime Gajardo, manteve uma postura moderada naquele ponto, mas passou a uma posição mais discordante em maio, acusando o ministério de “restringir as reuniões a dois temas: piso salarial e direitos trabalhistas, sem discutir com os professores o modelo de gestão da educação, que acabou sendo moldado exclusivamente pelo lobby dos administradores de colégios e das grandes empresas envolvidas no negócio da educação”.
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Nos primeiros dias da paralisação, a Associação dos Professores entregou ao Ministério de Educação uma carta dizendo que a greve seria mantida enquanto o projeto não fosse retirado do parlamento e rediscutido com os professores.
Entre outras coisas, a carta entregue pela Associação à presidente Bachelet diz que “se o modelo que se está propondo agora for aplicado, os professores entrarão num regime de ter que lutar por sua estabilidade contra seus colegas dentro de um estabelecimento, é uma fórmula que estimula o individualismo e o os conceitos de mercado, quando o ideal seria fomentar a educação como um processo de trabalho em equipe e colaboração entre os docentes”.
A Comissão de Educação do Congresso chileno, responsável por avaliar projetos de lei que versem sobre o tema, é presidida pela deputada comunista Camila Vallejo e também conta com a participação de Giorgio Jackson (Revolução Democrática) e Gabriel Boric (Esquerda Autônoma). Os três foram os principais líderes das primeiras grandes marchas do Movimento Estudantil chileno, em 2011 e 2012, e também foram os autores da solicitação ao governo por uma posição menos intransigente diante dos professores, o que garantiu os votos suficientes para a decisão de hoje que suspendeu a tramitação do diploma.
*Com reportagem de Victor Farinelli