“Não posso expressar em palavras o que vivi nesses oito anos nas prisões israelenses”. O desabafo é de um franco-palestino de apenas 28 anos cuja juventude ficou marcada pelo tempo que passou atrás das grades, após se envolver em atividades políticas. Embora não consiga definir a emoção, Salah Hamouri carrega nos olhos a ferida aberta pela ocupação israelense desde os 16 anos.
Marina Mattar/Opera Mundi
Salah Hamouri, detido durante oito anos em prisões israelenses, diz que tratamento dado a crianças “destrói a juventude”
Filho de mãe francesa e pai palestino, sua vida começou a se transformar ainda na adolescência, quando cursava o primeiro colegial na Lasalle Brothers, escola particular católica para meninos em Jerusalém Oriental. Durante a madrugada de 11 de setembro de 2001, oficiais israelenses invadiram a casa da família e levaram Salah para um centro de detenção, onde permaneceu por cinco meses.
A ação israelense foi uma resposta a cartazes e discursos feitos pelo estudante sobre a luta palestina em escolas da cidade. Seu crime? “Realizar propaganda anti-israelense”, segundo documentos oficiais.
No entanto, nem os dois meses de confinamento solitário na prisão de Moskobieh ou as ameaças feitas durante interrogatórios foram capazes de afastar Salah da atividade política, convicção que carrega até hoje. O jovem se afiliou à Frente Popular pela Libertação da Palestina e, após três anos, precisou voltar à cela por ir a uma festa com em fevereiro de 2004. “Eles disseram que, entre os convidados, existia um procurado pela polícia. Do nada, levaram todos que estavam na casa”, lembra.
Na época, Salah cursava o primeiro ano de Sociologia na Universidade de Belém, na Cisjordânia. Ficou sem saber o motivo da nova prisão. Sentenciado com base em uma “detenção administrativa” e sem nenhuma denúncia formal, tudo o que ele e a família puderam saber sobre o caso era que Israel possuía provas secretas de que Salah era uma “ameaça à segurança nacional”. A possibilidade de que mofasse na cadeia, sem julgamento, era grande, porém, a detenção de cinco meses não foi prorrogada.
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“O que eu tinha feito? Era membro da FPLP”, respondeu à própria pergunta. “Israel não precisa de razões para prender pessoas”, explica, em árabe, tentando transmitir o espanto que ainda carrega. “E da terceira vez, o que houve?”. Salah respira fundo e volta a contar, com a fala agitada, sua história de prisioneiro político.
De acordo com ele, o intervalo entre a segunda e a terceira detenção foi muito curto, o que teria provado que a segurança israelense o tinha em uma lista. Em 13 de março de 2005, Salah estava no carro com dois amigos no posto de controle de Qalqilyah para deixar Ramallah, na Cisjordânia. Assim que apresentou os documentos, oficiais lhe ordenaram que saísse do veículo. Em seguida, o algemaram e levaram, novamente, para Moskobiah, sem justificativas.
Cadeia
Dias depois, as acusações foram reveladas. Salah era suspeito de tentar assassinar com um grupo, em abril de 2005, o rabino Ovadia Yosef, líder espiritual do partido de extrema-direita israelense, Shas. Exatamente três meses antes o jovem palestino havia passado de carro na frente da casa do religioso. Somente em 17 de abril de 2008, depois do adiamento de 20 audiências pela falta de testemunhas e provas, Salah foi condenado por um tribunal militar israelense em Ofer, na Cisjordânia, a sete anos de prisão por “conspiração e pertencimento a grupo de jovens da FPLP”. A pena foi amenizada após acordo entre defesa e promotoria.
Seguindo um conselho do juiz – “ou aceita o acordo e fica sete anos na cadeia ou será bem pior”, Salah confessou envolvimento no caso. Em nenhum momento nesses três anos, nem mesmo durante os interrogatórios, o ativista palestino havia se declarado culpado.
Franceses se mobilizaram em torno do movimento de solidariedade a Salah. Autoridades, deputados, senadores se juntaram ao chamado de libertação do jovem. Emocionado, o ativista palestino conta que recebia muitas cartas. “Foi muito importante para mim e para os outros prisioneiros saber que não estávamos sozinhos e que tínhamos um grande movimento que estava nos apoiando na França e em diferentes países”, conta. “Israel não prende apenas o seu corpo, mas também a sua consciência. Eles fazem o prisioneiro se sentir como uma pessoa inútil e que será um peso para a comunidade”, continua.
As perguntas sobre os dias na prisão parecem abrir uma ferida em Salah e é neste momento que ele revela, para os olhos do público, que todas essas histórias foram vividas em sua própria pele e não apreendidas por meio de outras pessoas. “Não posso te explicar em palavras, mas posso te dizer o que mais me marcou”, diz.
Libertação
Há menos de um ano, em 18 de dezembro de 2011, Salah foi solto junto com um grupo de centenas de prisioneiros palestinos libertados em troca da libertação do soldado israelense Gilad Shalid.
A presença de centenas de crianças que, assim como Saleh, foram condenadas por atividades políticas, e a forma como são tratadas pelas autoridades israelenses, são para Salah o que há de pior no sistema judicial de Israel. “Elas não têm acesso à educação, muitas não podem receber visitas de suas famílias e aquelas que têm a permissão, encontram familiares em salas separadas por um vidro, sem nenhum contato”, conta.
“Medidas como essas têm um efeito direto no comportamento das crianças. Destroem a juventude”. Talvez seja esse o sentimento de Salah sobre a própria vida, mas nem o medo o fez abandonar o país natal e a luta política. Sentado, após chegar ao Fórum Social Mundial Palestina Livre, em Porto Alegre, ele ri e conclui: “claro que continuo com as atividades políticas. Estou aqui por causa delas”.