Frederick Meza
Juana Evangelista Ventura, 84, chora a morte do neto Jorge Alberto Ventura, 34 , que cumpria 11 anos de prisão por roubo e morreu na cela 7
*Esta é a terceira e última parte da reportagem especial do jornal salvadorenho El Faro sobre a tragédia em Honduras. Leia aqui as partes I e II.
Ninguém sabe como El Chaparro (“O Atarracado”) conseguiu as chaves. Alguns sobreviventes acreditam que o chaveiro daquele turno as arremessou, já outros dizem que talvez El Chaparro suplicou o suficiente – e a tempo – para resgatar metade dos detentos da prisão. O certo é que Marcos Bonilla, El Chaparro, tornou-se herói naquela noite.
Primeiro, chegou à cela 6 com um banco, e rompeu à força o cadeado, liberando Quique, que já estava se queimando, e outros dois. Logo fez o mesmo no resto das celas, até que chegou à cela 10, onde Álex sentiu que Deus o havia escutado, mas sua alegria durou pouco.
– El Chaparro trazia um banco e o bateu com muita força no cadeado, mas este não abriu. Aí foi quando eu disse: bom, hoje sim, aqui eu tenho que morrer – lembra Álex.
Sem esperanças, viu como El Chaparro desapareceu entre a fumaça do corredor e, segundos depois, viu como ele voltava. Mas Álex só reagiu quando ouviu o tilintar de algumas chaves. Quando El Chaparro conseguiu abrir, Álex correu em direção ao pátio, e ainda recorda da fumaça às suas costas. Atrás dele vinha Liro, que, ao ver o portão aberto, se atirou às chamas porque sabia que aquela era a única tora para escapar da morte.
* * *
Marcos Bonilla, El Chaparro, é um preso de Comayagua que, por força de boa conduta, de ganhar méritos, ganou o respeito das autoridades, estudou enfermagem e se dedicou a curar seus companheiros de prisão. Tem oito anos como enfermeiro. Ele chegou à prisão faz 17 anos, e faltam cinco para cumprir uma pena por homicídio.
No presídio, El Chaparro vivia fora das celas, em um quarto ao lado da enfermaria da prisão, com acesso a medicamentos. Se alguém adoecia ou precisava de atenção durante a noite, todos sabiam a quem recorrer: ao chaveiro do turno para que este chamasse El Chaparro.
El Chaparro tem esse apelido por conta de sua estatura. Tem 50 anos e hoje se transformou em herói. Não quis dizer como obteve as chaves das celas porque disse que não quer se lembrar e porque não parou de trabalhar. Ele passou as 72 horas seguintes ao incêndio atendendo aos feridos.
El Chaparro, o preso-enfermeiro, fez o que não podiam fazer os guardas da prisão, que receberam a ordem de não deixar ninguém entrar ou sair, a fim de evigar uma fuga.
O presidente hondurenho, Porfirio Lobo, é um dos que asseguram que alguns presos aproveitaram para escapar. Não se sabe de onde ele tirou essa informação, uma vez que os fiscais responsáveis pela investigação a negam com veemência.
Os bombeiros a quem nenhum guarda chamou
Entre o posto de bombeiros de Comayagua e o presídio, há uma distância que, de carro, pode ser percorrida em menos de cinco minutos. Um quilômetro – calcula o comandante dos bombeiros Leonel Silva – é o que separa o posto de bombeiros do pior incêndio que muitos de seus homens viram em toda sua vida.
O comandante Leonel Silva é um homem de 50 anos, 35 dos quais dedicados ao corpo de bombeiros. Se ele, com tantos anos, diz que o fogo de Comayagua é o pior que já enfrentou, o que dizer de seus homens, um numeroso grupo de jovens fortes que, sem querer, para muitos dos familiares das vítimas, se transformaram em vilões?
“Por que os bombeiros não chegaram a tempo?”, perguntavam-se as irmãs de Rubén Garrido Machado, Elsa e Gloria María. Seu irmão, que agora presumem estar morto, tinha 52 anos, e havia acabado de cumprir cinco anos de uma pena de 15, por sequestro.
“Veja os bombeiros, a que horas estão chegando!”, se escutava de um repórter cidadão que gravou seis minutos do incêndio do presídio de Comyagua, enquanto ao fundo se vê o fogo voraz e se escuta uma cirene.
Mas isso ocorre, segundo o comandante Silva, porque poucos sabem o que, na realidade, aconteceu: e o que aconteceu foi que, às 22h56, os bombeiros receberam o primeiro alerta, e este não vinha do presídio.
Na prisão, enquanto tudo queimava, e os detentos clamavam por ajuda, não apenas não havia nenhum policial no comando da guarda, como também nenhum dos agentes, nem mesmo o diretor, se deu ao trabalho de pegar o telefone para pedir ajuda aos bombeiros.
– A ligação que receberam veio da prisão?
– Não. Era de um cidadão do local – disse o comandante Silva.
Quando os bombeiros chegaram em frente ao portão do presídio, às 23h, segundo o registro do posto, certamente era pouco o que podiam fazer, pois tudo estava consumido, e já nem mesmo se escutavam os gritos que, até o minuto 1'40'' da gravação do repórter cidadão, ainda vinham da prisão.
Quando a equipe de 21 bombeiros chegou ao portão da prisão com suas três bombas de água, uma ambulância, uma picape e 12 mil galões de água, El Chaparro já havia resgatado aqueles que pôde – uma dúzia de celas incendiadas, e mais os presos das celas 1 a 4 – e os guardas seguiam diaparando para prevenir uma fuga.
– Por que não entraram imediatamente, se havia gente se queimando?
– Porque não tínhamos autorização. Quando eles controlam a situação é que nos deixam entrar – responde o comandante Silva.
Quando os bombeiros começaram a atirar água, desconheciam que a água estava caindo sobre 356 corpos já carbonizados.
Horas mais tarde, com o fogo já apagado, Danilo Orellana, até este momento diretor dos presídios de Honduras, admitiu: “Os guardas pensaram, em princípio, que se tratava de uma fuga em massa dos presos, por isso cumpriram a lei e não permitiram a entrada de ninguém na prisão, para evitar mortes desnecessárias”.
Há 22 dias, um incêndio ameaçou devorar a estufa do presídio e, naquela ocasião, os bombeiros tiveram passe livre para entrar e apagar as chamas.
* * *
“Essa ordem foi dada”
Ao meio-dia de sexta-feira, 17 de fevereiro, no escritório do Ministério Público de Comayagua, apenas cinco de uma dúzia de guardas haviam conseguido dar sua versão dos acontecimentos, frente a uma equipe composta por quatro fiscais.
Fora do escritório – uma grande casa de três andares, em um bairro afastado do centro da cidade de Comayagua –, um grupo de guardas, vestidos como civis, brincavam entre si quando uma motocicleta e seu motorista se chocaram contra uma picape que tinha preferência naquela via, próxima a uma encruzilhada.
Minutos antes, ninguém quis abrir a boca sobre o que ocorreu na prisão, por sugestão do advogado que os defende, que também se negou a comentar qualquer coisa.
Um deles, no entanto, queria falar, e se aproximou da sala de espera.
– Você leu os jornais? Tem certeza de que havia um plano de fuga, um pagamento para matar o “doutor”?, perguntamos.
O guarda, moreno, baixinho, corpulento, sem nome, riu. Com uma ampla gargalhada. A pergunta fazia menção a um grande rumor que desatou em Honduras, logo que um dos supostos fugitivos deu essa versão a um programa de comentaristas chamado “Hable Como Habla” (Fale como se fala): os supostos fugitivos disseram que, na cela 6, havia um médico, chamado Constantino Ypsilanti, ex-líder da oposição política em Comayagua, e ex-candidato a prefeito no município. O “doutor”, como o chamavam no presídio, foi condenado pelo assassinato de um cidadão espanhol em 2009 e, na prisão, era famoso porque, quando alguém ficava doente, ele conseguia remédios, e porque um dia contribuiu com dinheiro para mandar colocar piso de cerâmica em todas as celas.
– Isso é bobagem. Fariam tanto alvoroço por um único homem? – respondeu o guarda.
– Qual sua opinião sobre o que disse a governadora?
A governadora do departamento de Comayagua, Paola Castro, disse, na noite de 14 de fevereiro, que um detento havia lhe dito que provocaria um incêndio na cela 6. O guarda riu novamente.
– Veja, só os que estávamos lá sabemos o que aconteceu.
– E o que aconteceu? Por que não deixaram os presos saírem?
– Deu-se essa ordem, essa ordem foi dada. Só isso eu posso dizer…
Nisso, um fiscal desceu à recepção, chamou o guarda, subiram ao terceiro andar e ele foi levado ao interrogatório.
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