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Cadeia de montanhas no Parque Nacional North Cascades, no estado de Washington, nos EUA: neve que deveria abastecer rios durante verão já derreteu
No noroeste dos Estados Unidos, na costa do Pacífico, estão chamando a situação atual de “seca úmida”. Diferentemente da seca Califórnia, houve muita chuva no estado de Washington no último inverno, até mesmo nas nascentes do rio Dungeness, na ponta norte da península Olympic. O produtor orgânico Nash Huber depende das águas deste rio desde que se estabeleceu aqui, quase cinco décadas atrás. “Nos melhores anos, com um pouco de oração e dança, a água vem”, diz Huber, de 74 anos. “Este ano, foi com muita oração.”
Se há muita chuva – e no último inverno daqui houve acima da média – qual é o problema? Devido às altas temperaturas anormais (que devem se tornar normais conforme a região aquece), muito da água que caiu nas montanhas Olympic e em outros cumes do oeste no último inverno não veio em forma de neve, mas de chuva. Não se falou em temporada de esqui e, ao começar a primavera no hemisfério Norte, as montanhas nuas pareciam estranhas, como se as folhas das árvores estivessem caindo já em março.
A umidade que normalmente ficaria presa nas encostas congeladas das montanhas servindo como uma reserva natural de água doce, com a água fria do degelo a reabastecer os riachos e rios durante o longo e seco verão que acabou de começar por lá, escoou direto para o estuário de Puget e se foi. Em agosto e setembro, quando os fazendeiros e os salmões em reprodução mais precisarão daquela água, ela terá ficado no passado.
“Quando temos tão pouca neve acumulada como neste ano, não faz diferença a quantidade de chuva que cai: a previsão da primavera e do verão será de pouca água”, diz Scott Pattee, do Serviço de Conservação dos Recursos Naturais (NRCS, na sigla em inglês), uma agência do Departamento de Agricultura dos EUA que mede a quantidade de água na neve das montanhas.
No início de maio, quando Huber transplantava centenas de abóboras da estufa para o campo, o rio Dungeness ainda corria forte. Mas as plantas precisarão de meses de irrigação antes da colheita, e a neve de Olympic está em apenas 1% do acúmulo normal. Em vários sites de monitoramento, simplesmente não há nada a ser medido. Na bacia do rio Yakima, região no interior do estado de Washington alimentada pela Cordilheira das Cascatas, os agricultores já estão esvaziando reservatórios limitados, acabando com a água dois meses antes do normal.
Conforme a temporada de chuvas chega ao fim, o acúmulo de neve em todo o estado está em menos de um quinto do que deveria estar. Com os meses da estação de seca por vir, o governador Jay Inslee já declarou estado de emergência.
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Na bacia do rio Dungeness, a neve acumulada nunca esteve tão baixa desde que começaram os registros nos anos 1930. Moradores dizem que parece uma anomalia doida, uma situação tão longe do normal que ninguém faz ideia de como se planejar.
“Não sabemos o que irá acontecer”, diz Gary Smith, da terceira geração de uma família de produtores de leite no Dungeness e presidente da associação de irrigação da qual Huber é um dos acionistas. Ele diz que ficará surpreso se ainda houver água disponível para irrigação no meio de julho ou em agosto.
Nos próximos anos, secas úmidas como esta deverão se tornar comuns. Por todo o oeste são feitas leituras em locais de neve todo dia 1º de abril. Desde 1950, as leituras apontam uma diminuição da neve. Em 2011, cientistas que analisaram os padrões de crescimento das árvores nas montanhas Rochosas descobriram que o acúmulo de neve tem diminuído na região desde os anos 1980 a uma taxa mais significativa do que em qualquer outra época do último milênio.
E as projeções das mudanças climáticas no futuro apontam que o acúmulo de neve, que tem historicamente provido 75% da água superficial do verão no oeste, é o mais afetado, com o degelo da primavera começando cada vez mais cedo fazendo com que a região encare verões secos sem sua rede de proteção de gelo.
Apesar do acúmulo de neve deste ano estar bem fora do normal, alguns veem a situação como um ensaio do que as mudanças climáticas trarão. O cientista Cliff Mass, que escreve um blog sobre climatologia, decidiu chamar este ano de “um teste virtual de estresse climático”, uma simulação natural do que podemos esperar dos próximos verões.
“Nosso inverno e nossa primavera trouxeram condições climáticas surpreendentemente próximas às previstas como normais para o fim do século”, escreveu. “Ao fim do verão, saberemos se o Noroeste Pacífico está pronto para lidar com o aquecimento global. E, se não estiver, saberemos o que precisamos fazer para nos preparar.”
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Antes de 1895, a terra agora explorada pelo agricultor Huber, que fica na área da sombra de chuva das montanhas Olympic, era uma pradaria seca e marrom. Um homem conhecido como D. R. “Crazy” Callen convenceu as pessoas da região de que poderiam escavar valas de irrigação que desviariam as águas do Dungeness para seus campos e fazendas. Dizem que ele usou uma garrafa de uísque meio cheia como nível, que o agrimensor foi pago em batatas e que crianças ajudaram a pisotear a primeira vala. Por fim, o primeiro portão de irrigação foi aberto, a água jorrou para dentro dos campos, e a bacia se tornou uma região rica para os laticínios.
Hoje, a neve que cai nas montanhas escoa no Dungeness para mais de 270 quilômetros de valas e tubulações, transformando milhares de hectares em pastagens e fazendas verdes.
Ainda hoje, são poucos na região os que não se lembram do quanto são dependentes do Dungeness. Reformas na lei sobre o uso da água foram desenvolvidas para proteger as três espécies de salmão em risco de extinção que se reproduzem no rio e têm levado a grandes medidas de conservação. Numa parte da bacia, todas as novas construções precisam pagar taxas para financiar os esforços de mitigação para compensar a água que for usada do rio. Em outra área, novas construções apenas não ganham permissão para o uso de água. Os irrigadores precisam diminuir percentualmente o seu uso quando o rio fica baixo. Nunca foi alcançado o mínimo acordado de fluxo no qual deveriam parar de vez, mas, diz Smith, “este será o primeiro ano que testaremos esse mínimo”.
O gerenciamento da água é duplamente difícil porque o salmão precisa que o rio tenha uma correnteza forte justamente quando os produtores também precisam, no fim do verão, quando ele está no seu ponto mais baixo, e quando a neve acumulada em constante diminuição terá seu maior efeito. Na maioria dos anos, ainda há água que vem da neve das altas altitudes reabastecendo o rio até agosto, quando o fluxo se estabiliza. Este ano, diz Scott Chitwood, diretor de recursos naturais da nação indígena Jameson S'Klallam, “podemos esperar que venham os fluxos típicos de agosto, acredito, em junho”.
Quando os 500 salmões-rei ameaçados do rio Dungeness voltarem para reproduzir em agosto e setembro, pode não haver água suficiente para nadarem rio acima, ou faltar habitat subaquático para suportar os adultos e jovens.
Até mesmo se os peixes conseguirem subir o rio, a nação indígena considera usar sacos de areia para criar canais mais profundos nas áreas mais difíceis e até poderá transportar salmão em caminhões se for preciso. A escassez de degelo significará que a água ficará mais quente do que o normal e, portanto, guardará menos oxigênio dissolvido. Os peixes ficarão estressados e mais suscetíveis às toxinas e aos agentes patógenos; os peixes mortos no rio reduzirão ainda mais os níveis de oxigênio, podendo desencadear um efeito dominó que poderá matar os filhotes dos que conseguirem se reproduzir.
Não ajuda em nada a previsão de que, neste ano, enquanto o rio estiver em seu nível mais baixo, haverá o maior retorno de salmão-rosado dos últimos 60 anos, quase 1,2 milhões.
Por todo o oeste, tanto os sistemas naturais quanto de obra humana dependem do acúmulo lento e da liberação da água. Quando a neve falha, esses sistemas ficam fora de sintonia. Animais e plantas dependem da regularidade sazonal em seu suprimento de alimentos e de água e na temperatura dos rios. Mariscos dependem da vinda de água fria ao longo do verão. As chuvas das tempestades intensas do inverno escoam rapidamente, antes de efetivamente encherem os aquíferos, além de aumentarem os riscos de enchentes e deslizamentos de terra. Também juntam mais sujeira e poluição: petróleo, fertilizantes e pesticidas, resíduos animais e afins, tudo vai para os córregos, rios e mares, onde causa a proliferação de algas e doenças.
Os reservatórios não armazenam grandes quantidades de água, que descem de uma só vez, e então, de repente, as capacidades projetadas para um degelo previsível tornam-se inadequadas. E a energia hidrelétrica depende de rios com fluxo contínuo; sem esta segurança, os custos sobem e os prestadores de energia precisam recorrer aos combustíveis fósseis para preencher as lacunas.
Na Califórnia, onde a neve acumulada tem minguado drasticamente com a seca, um estudo feito pelo Instituto Pacífico descobriu que a perda da hidroeletricidade já custou aos usuários dos serviços US$ 1,4 bilhões e causou um aumento de 8% nas emissões de dióxido de carbono nos últimos três anos sempre que o governo recorreu às fontes de energia mais caras e sujas.
Ao mesmo tempo em que o relatório da Avaliação Nacional do Clima (NCA, na sigla em inglês) menciona a diminuição da neve acumulada como um dos problemas mais significativos que o oeste irá encarar num futuro mais quente, ele também nota que, infelizmente, a falta de neve se unirá a outros impactos. Por exemplo, conforme a região perde a sua muralha de neve para os verões quentes e secos, estes também devem ficar mais quentes e mais secos. (Algumas projeções apontam para uma queda na precipitação dos verões do Noroeste de até 30% no fim do século.) E dias de chuva extrema devem aumentar, levando a mais problemas como enchentes e escoamento superficial nas bacias que enfrentarão cada vez mais chuva do que neve.
Este futuro com certeza não é o lugar para o qual Huber se mudou quando veio para a bacia de Dungeness em 1968. “Temos um clima perfeito”, ele lembra ter pensado. “E temos água, na maior parte do tempo.” Mas, neste ano, ele está lutando para se planejar para a falta de água. Está reduzindo os vegetais, plantando metade do que costumava fazer, optando por mais plantas de colheita no início da temporada, e mudando a produção dos vegetais para campos frios, não tão ideais, mas que possuem acesso à água de poço.
A crise da neve também tem dado caráter de urgência para uma ideia cara que os gestores de água locais têm divulgado aos poucos: construir um reservatório para encher no lugar da neve e das geleiras que já não podem esperar. Não suprirá todas as necessidades, mas pelo menos é uma maneira de assegurar um pouco da estabilidade que está se desintegrando junto com a neve.
No momento, o NCA conclui que as áreas do Noroeste onde os córregos e rios são dominados pelo degelo possuem uma invejável resistência contra as temperaturas maiores. “No entanto”, escrevem os autores do estudo, “conforme as reservas de neve diminuem, a sensibilidade futura ao aquecimento provavelmente aumentará nessas áreas”.
Tradução: Jessica Grant
Matéria original publicada no site da revista norte-americana OnEarth.