Em entrevista a Breno Altman, durante o programa 20 minutos desta segunda-feira (22/02), o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad afirmou que o Partido dos Trabalhadores já está trabalhando em um plano de reconstrução do país e aposta na mobilização da população para enfrentar o governo de Jair Bolsonaro.
Haddad disse estar otimista quanto à liberação do ex-presidente Lula por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) para se candidatar às eleições em 2022. Enquanto isso, ele trabalha com o projeto que ele mesmo definiu como “bloco na rua”, de combate ao atual presidente.
“Ele está sozinho no palanque. Não vamos esperar 2022 para enfrentar Bolsonaro, o povo está sofrendo agora. Então nós, com toda a cautela do mundo, queremos a partir de já discutir um projeto nacional”, disse durante a entrevista. “Nosso plano é unir toda a esquerda nessa batalha. Unidade sem vetos, nossos ou contra nós.”
Assista à entrevista na íntegra:
Haddad também falou sobre a importância das alianças. “A gente sabe a necessidade de ampliar os nossos horizontes, porque o bloco contrário é muito forte. Se não nos fortalecermos, nos unindo com outras forças progressistas, não vamos ganhar. E a gente tem que começar a discutir isso agora, porque cada partido tem seus interesses”, disse.
Para o ex-prefeito, tão importante quanto trabalhar um programa de esquerda, que destoe do projeto neoliberal de direita, para um primeiro turno eleitoral é pavimentar o caminho para a derrota de Bolsonaro no segundo.
“A gente precisa constranger os setores que apoiaram o Bolsonaro nas eleições de 2018 para que isso não aconteça de novo em 2022. Precisamos reverter a destruição provocada por Bolsonaro”, afirmou.
Revogação de reformas
Haddad também falou sobre as reformas trabalhista e previdenciária realizadas pelo governo atual que “destruíram as possibilidades dos trabalhadores de reagir à precarização do trabalho”. O petista também criticou a independência do Banco Central, recentemente decidida pelo parlamento. Respondeu ser favorável à revogação dessas medidas, assim como de privatizações e do desmonte da Petrobrás.
Haddad também ponderou sobre a necessidade de reformas estruturais, no caso de uma vitória da esquerdanas eleições, indo além dos governos Lula e Dilma, cujas gestões foram marcadas por um programa de reorientação orçamentária.
“As pessoas acham que fazer uma reorientação orçamentária foi pouco, mas foi muito. Colocou o pobre no orçamento do país e não foi com Bolsa Família, foi com universidade pública de qualidade, luz, água, empregos formais”, defendeu. Mas defendeu a necessidade de tributação de grandes fortunas ou heranças, o imposto progressivo sobre terras nuas, a taxação de lucros e dividendos, entre outras iniciativas de reforma tributária.
Além disso, ressaltou a importância de uma reforma bancária para enfrentar a cartelização dos bancos, estimulando a concorrência e fortalecendo o papel dos bancos públicos , para baixar as taxas de juros no sistema de crédito e estimular o financiamento da produção.
“Os bancos não podem ser orgãos expoliadores da economia popular e aí existem vários mecanismos de regulação para evitar isso. Os bancos públicos devem ser parte da solução, não do problema, mais competitivos em relação aos bancos privados para poder constrangê-los”, explicou.
Tutela militar do Estado
Outro ponto importante a ser combatido por um futuro governo progressista, segundo Haddad, é a tutela militar sobre o Estado, reconhecendo a omissão do programa lançado pelo PT acerca dessa questão.
“Quem bate na porta do quartel é o empresariado e a gente precisa identificar quem são essas pessoas e puni-las, porque é crime conspirar contra a democracia. Só que isso não se consegue com bravata. Se ganharmos as eleições, teremos que conversar com as pessoas e ganhar musculatura para abordar esse problema”, ponderou.
Nesse cenário, admite a revisão do artigo 142 da Constituição, que fala sobre o papel das Forças Armadas na defesa das instituições, da lei e da ordem, e é usado por grupos de direita para reivindicar que o poder tutelar dos militares sobre a República.
Ensino superior no Brasil: o público versus o privado
Haddad, que foi ministro da Educação entre 2005 e 2012, refletiu sobre o ensino superior no Brasil, reconhecendo que o aumento do número de matrículas continuou concentrado nas instituições privadas. Defendeu, no entanto, o papel positivo do ProUni, abrindo vagas gratuitas nessas faculdades particulares para os estudantes mais pobres.
Durante a entrevista, Haddad contou que as universidades não estavam pagando impostos e que, se fossem pagar o que deviam, iriam transferir o ônus às mensalidades. “O acordo possível foi pagar os impostos não em dinheiro, mas na forma de bolsas de estudo que seriam preenchidas pelo governo federal por meio de um critério transparente que é o ENEM”, afirmou.
Democracia e socialismo
Em suas reflexões finais, Haddad avaliou o cenário internacional e criticou a percepção de que as verdadeiras democracias seriam países como os Estados Unidos ou os europeus. “Eu acho muito ruim ficar fazendo um balanço de positivo ou negativo sobre os governos, porque cada um tem sua tradição história e suas particularidades. Mas se a gente pegar os EUA, que são supostamente a maior democracia do mundo, eles elegeram o Trump, que depois não queria sair da cadeira e cinco pessoas acabaram morrendo no Capitólio”, argumentou.
Também concordou que os países de orientação socialista – como China, Vietnã, Cuba e Venezuela – tiveram um desempenho muito superior que as nações capitalistas no combate à pandemia.
Haddad se definiu, na entrevista, como um “socialista libertário”.