Com o especial 27 perguntas, combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi busca mostrar o impacto da covid-19 em diferentes países do mundo. Trata-se de uma enquete: a mesma pergunta é repetida para moradores desses países, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é Lamia Oualalou, da Cidade do México.
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
Desde o 16 de março, quase não saímos de casa. No começo, dava para dar voltas de bicicleta, mas fecharam os parques e as pracinhas. Peço a maioria das compras para entregar, e saio só para a padaria.
2. Quando começou sua quarentena?
Nós decidimos entrar em quarentena dia 16 de março, ao mesmo tempo em que a escola (francesa) de nossa filha fechou. Mas foi bem antes do resto do país. As outras escolas fecharam uma semana depois, mas foram decretadas férias. O anúncio “quedate em casa” para valer veio umas três semanas depois.
3. Quem está com você?
Estou com meu marido e minha filha de 9 anos.
4. É fácil conviver assim?
Somos muito privilegiados. Nenhum dos dois perdeu o emprego, e o apartamento é bastante grande. Eu já trabalhava em casa, meu marido montou um escritório no meio da sala, e passei um laptop velhinho para minha filha, que também faz aulas a distância. Não paro: entre (muito) trabalho, preciso ajudá-la com a escola, cuidar da casa, cozinhar, mas a convivência funciona bem. Penso todos os dias nas pessoas sem teto.
5. Quando você sai de casa?
Para fazer compras e para dar uma volta, mas pouco mesmo. É meio sinistro ver todo o mundo andar de máscara – aqui é obrigatório, apesar do fato de que as pessoas usam de qualquer maneira – e eu mesmo ainda não me acostumei com usá-la por muito tempo. Assim que passear não é tão agradável.
6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Não pessoalmente.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
Foi bastante decepcionante. Primeiro a austeridade que o governo (em teoria de esquerda) instalou no último ano e meio foi nefasta para a capacidade de resposta sanitária do país. O Ministério da Saúde alertou desde o começo sobre os riscos, mas o presidente aderiu muito tarde aos pedidos de ficar em casa, com a preocupação, que dá para entender, de adiar o impacto econômico. Mas o resultado foi muito confuso.
Além disso, os programas de ajuda econômica são muito fracos, o que faz com que, num país onde a grande maioria dos empregos é informal, a pessoas tenham que sair para trabalhar para conseguir comer. Agora, o outro problema é que o governo não reconhece a quantidade de mortos devido ao covid-19 que deveria, o que gera uma crise de credibilidade. O resultado é que a pandemia vai durar muito mais aqui, infelizmente.
8. Ela mudou muito com o tempo?
Sim, o governo passou de quase não comunicar sobre o fato de ficar em casa a ser muito mais estrito, especialmente na Cidade do México, onde moram mais de 20 milhões de pessoas. Agora estão falando em reabrir, mas não a cidade, só as zonas declaradas “verdes”.
9. Você está neste país por que motivo?
Meu marido foi nomeado [para um cargo] aqui. Já eu arrumei um emprego aqui.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim, com espanto.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Não que saiba.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Não, mas também não fui atrás de nada.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Lendo notícias todos os dias na imprensa e falando com muitos amigos aí.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Gostaria de ir de férias (aliás, tínhamos que estar no Rio em abril, mas todos os voos foram cancelados) para ver os amigos queridos. Mas acho que não vai dar para viajar por muito tempo.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
No começo, o ritmo de trabalho era mais tranquilo, o que me ajudou para estabelecer uma nova rotina, especialmente com minha filha e a escola a distância. Agora é muito intenso, e como as pessoas sabem que você não pode escapar de casa, é redes sociais, zooms etc. todo o tempo. Estou exausta, mas, uma vez mais, me sinto privilegiada de não ter perdido meu emprego.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
Estava um pouco preocupada com o fato de estar todo o tempo com meu marido, somos bem independentes. Mas na verdade acabou sendo muito mais gostoso, a gente cuida um do outro, agradecendo o fato que nós e nossas famílias não foram infectadas, e o fato de ter um apartamento agradável.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
Apesar de não sair e de comer bastante, mantive o peso, mas estou fazendo esporte diariamente.
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Nesses dias, tomamos vinhos todas as noites – se não, não dá para encarar -, mas, como não temos mais jantares com amigos, durante os quais acontecem mais excessos, acaba sendo a mesma quantidade, ou até talvez menos que antes.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Não entendo este papo sobre como se ocupar durante a pandemia. Quando não trabalho, cuido da minha filha, das compras, da limpeza, da cozinha… Estou lendo um pouco, mas menos que antes, e não assisti a nenhum filme, tampouco série, desde que começou a quarentena.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
Sim, estou fazendo zumba virtual todos os dias, para não ficar parada, já que não dá para sair muito. É um esforço, mas estou fazendo direitinho. E voltei a fazer aulas de piano e canto com minha professora do Rio de Janeiro por zoom.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Não.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
Falar com os amigos por internet, fazer um pouco de esporte e ter alguns minutos sozinha para ler.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Não, é cada vez mais claro para mim que o neoliberalismo é em grande parte responsável pela situação.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
Aprenda a viver sem perspectivas, a curtir cada momento.
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
Estou lendo muito, sim, mais do que antes. Mas também trabalho com isso.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
Sem problema.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
A gente se fala muito mais do que antes. Estou muito atenta com minha mãe e minha sogra, que moram sozinhas e sofrem mais com a quarentena. Ligo muito para elas, muito mais do que antes. Não é sempre fácil estar confinado com marido e filha, mas, no final das contas, é bem gostoso.