O grupo era formado por Marinete Silva, mãe da vereadora
Marielle Franco (Psol-RJ), assassinada em março, Paulo Sérgio Pinheiro,
ex-secretário de Direitos Humanos e ex-coordenador da CNV (Comissão Nacional da
Verdade), a advogada Carol Proner, co-autora de um livro que critica a condenação
do ex-presidente Lula, e a pastora luterana Cibele Kuss. O encontro foi
organizado pelo Movimento Sem Terra (MST Brasil – Itália).
No encontro, Carol Proner entregou dois livros ao pontífice: um sobre o
impeachment de Dilma Rousseff e o outro sobre a sentença do juiz Sérgio Moro,
que condenou Lula. Já Marinete entregou uma camiseta com a imagem de Marielle
Franco. O papa presenteou todos com um terço.
“O papa está muito preocupado com a situação da América
Latina e nos disse que está acompanhando tudo de perto. Eu expliquei a ele a
forma como a Operação Lava Jato está sendo conduzida, com a flexibilização de
provas, de forma seletiva. Falei também do poder midiático não só no Brasil,
como na América Latina. A mídia que transforma os juízes em heróis acaba
gerando injustiças” disse Carol Proner.
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Texto diz que execução "atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa" (Foto: Mazur/catholicnews.org.uk)
A advogada explicou também que Supremo Tribunal Federal
violou um direito universal, que é o da presunção da inocência.
“Expliquei que isso prejudica não apenas o Lula, mas
milhares de pessoas que estão na mesma situação, e que têm tido seus direitos
violados de forma irreparável. O papa disse que reconhece que é muito grave a
inversão de valores e que hoje as pessoas precisam provar que são inocentes.
Mas o Santo Padre não fez referência específica a Lula ou ao Brasil”,
afirmou Carol Proner.
Paulo Sérgio Pinheiro levou ao papa um documento feito por
várias organizações de defesa dos direitos humanos sobre as ameaças à democracia
no Brasil.
“Falei que nos últimos dois anos a proteção dos direitos
humanos no Brasil sofreu um dramático retrocesso. Não só em relação às
garantias constitucionais para os gastos sociais. A famosa emenda
constitucional do congelamento das despesas de educação e saúde por 20 anos é
uma enorme irresponsabilidade. O relator especial para pobreza extrema
denunciou isso de maneira bastante clara. Além disso, abandonaram as agendas de
proteção dos grupos marginalizados, por exemplo, os afrodescendentes, que
constituem a maioria da população, de acordo com o último censo, e também de
outras minorias, como os povos indígenas, crianças e adolescentes da periferia.
O resultado destas ações é o crescente desemprego e o mal estar social”, disse
ex-coordenador da CNV.
Pinheiro também mencionou ao papa um artigo que saiu em 1°
de agosto no jornal Osservatore Romano, que afirma que nos últimos dois anos a
pobreza no Brasil dobrou de 5 milhões para 10 milhões de pessoas.
“Falei também da violência em todas as dimensões. Continua a
temporada de caça aos jovens e adolescentes nas periferias da cidade,
especialmente afrodescendentes. Achávamos que estávamos a caminho da
consolidação da democracia, mas o golpe do impeachment barrou isso. Segundo o
relatório de uma agenda de monitoramento respeitável, em 2017 o Brasil foi o
país que mais matou defensores dos direitos humanos. Isso demonstra que aqueles
que falam pelos marginalizados assumem riscos enormes, como foi o caso de
Marielle. Reconstituir o dialogo e confiança nas instituições vai ser uma
tarefa extremamente complexa no Brasil e a responsabilidade é das classes
sociais e da elite que aceitaram o golpe e promoveram este retrocesso ” ele
disse.
Paulo Sérgio Pinheiro também cumprimentou o papa pela
condenação da pena de morte.
“Para os defensores de direitos humanos no mundo inteiro,
isso é fundamental. Nem nas Nações Unidas existe uma tratado de denúncia que
condene a pena de morte”.
A emoção de Marinete
Marinete Silva disse que ficou emocionada ao encontrar o
papa.
“Ele me abraçou e beijou. O papa já tinha me ligado depois
da execução de Marielle. Em seguida ele mencionou Marielle no Angelus. Ele é um
líder generoso. Hoje falei para ele que o caso está caindo no esquecimento.
Minha vinda aqui em Roma tem este sentido: não deixar ao descaso, denunciar a
indiferença e combater o silêncio. Estou transformando o meu luto em luta”,
desabafou.
Fundamentalismo
cristão
A pastora luterana Cibele Kuss falou com o papa sobre a
sinergia entre os atos de violência religiosa e política no Brasil, acentuada
depois do impeachment de Dilma Rousseff. Ela conversou também sobre o
fundamentalismo cristão.
“No Brasil o papel da religião não pode ser subestimado nem
para o bem, nem para o mal. Vivemos uma violência política, o assassinato de Marielle
Franco é emblemático. Antes disso, em 2017, houve ataques com armas de fogo à
caravana de Lula no Rio Grande do Sul e recentemente ao acampamento Lula Livre
em Curitiba. Todos estes fatos são quase sempre acompanhados por narrativas
fundamentalistas cristãs. O nome de Deus e da bíblia foram instrumentalizados
no impeachment para contrastar a democracia. Além disso, houve ataques a
terreiros e a casas dos guarani e caiová. Atacar terreiros, casas de reza, é
querer matar as ideias destas pessoas, enfraquecer o seu processo de
resistência, e é também um ato de racismo contra os afrodescendentes e contra
os índios. Hoje o nosso desafio, enquanto movimento ecumênico e igrejas
cristãs, é lutar contra a afirmação de uma teologia herética, o deus capitalismo,
a instrumentalização de deus, que seja capaz de enfrentar o deus mercado, o
racismo e a injustiça social, o deus capitalismo, a instrumentalização de deus.
O papa compartilhou nossas preocupações”, disse Kuss.
Publicado originalmente na RFI Brasil