Pouco antes dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1972, uma garota de 14 anos procurou o Comitê Olímpico Internacional para fazer um alerta sobre os placares que registravam as notas dos atletas em suas apresentações. Na época, a jovem sugeriu a substituição dos placares das competições de ginástica artística com espaço apenas para 3 dígitos, que exibiam notas como 9,50 ou 9,80, por aparelhos capazes de exibir 4 dígitos e conseguir registrar notas 10,00.
“Responderam-nos que ‘um 10,00 na ginástica era impossível’. Deste modo, fabricamos placares somente com 3 dígitos”, lembrou Daniel Baumat, diretor da Swiss Timing-Omega, empresa suíça responsável pelos registros de tempos, medidas e pontuações nas competições olímpicas desde 1932.
O resultado desta discussão se transformou em uma das imagens mais icônicas das Olimpíadas. Ao lado de um placar que exibia a nota “1,00” incapaz de traduzir uma performance perfeita, a mesma jovem romena de 14 anos posou para entrar definitivamente para a história do esporte como a maior ginasta de todos os tempos.
O ceticismo dos fabricantes de relógios suíços e do Comitê Olímpico Internacional é compreensível. Nadia Elena Comaneci foi a primeira ginasta a obter a nota perfeita de 10 pontos. Sua conquista deu dimensão popular e midiática inédita à ginástica artística.
Nadia Comaneci nasceu em Onesti, Romênia, em 12 de novembro de 1961. Seu nome, escolhido por sua mãe, foi inspirado num filme russo cuja heroína se chamava Nadiejda, que significa esperança.
Sua estreia na ginástica aconteceu ainda no maternal. Aos 7 anos, passou a ser treinada pelo técnico Bela Karolyi em sua escola de ginástica. Com 10 anos, em 1971, participou de sua primeira competição internacional num torneio entre Romênia e Iugoslávia, que terminou com a vitória dos romenos. Nos 4 anos seguintes, conquista diversos campeonatos nacionais e competições internacionais na Hungria, Polônia e Itália. Aos 11 anos, Nadia é o destaque do Junior Friendship Tournament.
Com 13 anos, a romena conquista seu primeiro título sênior, no Campeonato Europeu de Ginástica em Skien, Noruega. Nadia venceu em todas as modalidades, com exceção do solo, no qual terminou em segundo lugar. No torneio pré-olímpico, conquistou o ouro no conjunto das modalidades, mas foi superada no salto do cavalo, barras assimétricas e solo pela soviética Nellie Kim, que viria a ser sua mais forte rival.
Aos 14 anos, Comaneci chegou aos Jogos Olímpicos de Montreal como uma das estrelas da competição. No dia 18 de julho de 1976, com sua apresentação nas barras assimétricas, alcança a nota 10,00 e se torna a primeira ginasta da história a conseguir atingir a perfeição. Até o final da competição, ela conseguiria ainda outras seis notas 10,00. No total, a romena ganhou três medalhas de ouro (barras assimétricas, trave de equilíbrio e por equipes), além de uma prata e um bronze.
Em 1972, a performance da jovem russa Olga Korbut nos Jogos Olímpicos de Munique tirou a ginástica artística das sombras dos eventos olímpicos. Korbut e seu técnico, o bielorusso Renald Knysh, deram início a uma acirrada rivalidade contra a também russa Ludmila Tourischeva e seu técnico, Vladislav Rastorotsky. O resultado foi um período de enorme progresso e inovação técnica, que atingiu o ápice com as apresentações de Comaneci. Em 1976, com sete notas 10,00, Nadia colocou a ginástica sob a luz dos refletores e virou uma lenda.
Atualmente, é impossível que o recorde de Comaneci seja batido. Para participar das competições olímpicas, é necessário que o atleta complete 16 anos no mesmo ano dos Jogos. Até a mudança desta regra, Nadia continuará a ser a atleta mais jovem a ter conseguido a nota 10,00.
Carol Letheren, juíza das provas de ginástica, declarou em 2012 que Comaneci obrigou os juízes a rever seu sistema de notação. Encadeando duas ou três figuras sem tempo morto, enquanto as outras só conseguiam uma, se uma ginasta obtivesse 9,60, Nadia deveria obter 11 ou 12. Suas apresentações naqueles Jogos mereceram entusiástica consagração num esporte em que os competidores são mais perspicazes que a maioria pedante dos juízes. Isto pode ser constatado, quando a campeã de 14 anos recebeu a nota perfeita no exercício das barras assimétricas e todos os competidores juntaram-se à multidão de 18 mil assistentes nos aplausos.
A precisão de Comaneci nos exercícios de trave de equilíbrio era impecável. Movia-se com estudado cuidado embora isto fosse ocultado pela aparente facilidade da execução. Em uma das paradas de mão, ela girava suas pernas tão sedutoramente devagar que parecia não chegar o momento de atingir a posição final. Mas conseguia e então demorava como se quisesse enfatizar a delicadeza da ação antes de seguir na rotina. O charme de sua coreografia não era óbvio, não parecia querer impressionar os juízes ou espectadores.
Após os Jogos de Montreal recebeu diversos prêmios: Melhor Atleta do Ano pela Associated Press e United Press International e, ao retornar à Romênia, o título de Herói do Trabalho Socialista, tornando-se a mais jovem romena a deter tal reconhecimento durante o reinado de Nicolae Ceausescu.
Embora só tenha se aposentado em 1984, Comaneci nunca mais conseguir alcançar os próprios feitos conquistados com 14 anos. Em Montreal tinha 1,50m de altura e pesava 47,2 Kg. Dois anos depois, quando chegou ao campeonato mundial de Estrasburgo, estava 18 centímetros mais alta e 6,5 quilos mais pesada. Em razão de uma queda nas barras assimétricas, ela só terminou em quarto no concurso individual geral, atrás das soviéticas Elena Mukhina, Nellie Kim e Natalia Shaposhnikova. Ganhou ouro na trave e prata no salto sobre o cavalo, porém admitiu que estava “um pouco saturada” e revelou seu plano de se aposentar em 1980.
Após o campeonato de Estrasburgo, a Federação Romena de Ginástica decidiu que Nadia deveria deixar seus treinadores, os Karolyi, para se instalar em Bucareste no complexo esportivo nacional. A mudança de local de treinamento, aliada ao divórcio de seus pais, provocaram um ‘stress’ que afetou suas apresentações nesse período.
Após os problemas, Comaneci foi autorizada a voltar a treinar com os Karolyi. Em 1979, no campeonato europeu, conquistou seu terceiro título consecutivo no concurso de ginasta completa, tornando-se o primeiro ginasta – considerando-se homens e mulheres – a alcançar o feito.
No Campeonato do Mundo de Ginástica de 1979, durante a competição, toda a equipe da Romênia sofreu uma intoxicação alimentar e terminou hospitalizada. Contrariando um conselho médico, Nadia foi para a competição e conquistou o ouro na trave com uma nota de 9,95, levando sua equipe à medalha de ouro por equipes. Após o torneio, permaneceu alguns dias no hospital, passando por uma intervenção cirúrgica numa das mãos.
Nos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, a garota que monopolizara os sonhos de milhões de meninas em todo o mundo, tinha se transfigurado numa jovem mulher, que vestia sutiã, depilava as axilas, e recebia mensagens de admiradores.
A pontuação dos juízes, que a levara à glória em 1976, a estava conduzindo ao descrédito em 1980. Nadia foi para a trave, o ultimo evento da competição individual geral, necessitando de 9,95 para reter seu título. Sua rotina não foi perfeita nem sua aterrissagem, no entanto os seis juízes juntaram-se para uma acalorada decisão que durou meia-hora e só terminou quando a alemã-oriental Ellen Berger, presidente do Comitê Técnico Internacional de Ginástica, anunciou sua nota: 9,85. Isto a levou ao segundo lugar, empatada com uma alemã-oriental, Maxi Gnauck, enquanto o ouro coube à russa Yelena Davydova.
No exercício de solo , o placar exibia para Nadia a nota 9.00. Misteriosamente, o rendimento foi elevado a 9.50. Berger explicou que a juíza inglesa, Helen Thomas, havia pressionado o botão errado. Um dirigente britânico negou o engano e disse que o recálculo se deveu à pressão da delegação romena. Nadia terminou empatada com a russa Nellie Kim em primeiro lugar.
Nadia conquistou o ouro na trave de equilíbrio, com 9.90, mas somente após um atraso de 10 minutos para definir a pontuação de sua rival russa, Yelena Davydova. Quando a pontuação de Davidova surgiu no placar – 9.85 – a multidão prorrompeu em estrepitosa vaia.
Em 1981, Nadia se aposentou das atividades esportivas. A cerimônia oficial de sua despedida ocorreu em Bucareste em 1984, quando a atleta passou a ser membro do Comitê Olímpico Internacional.
Seu treinador, Karolyi, se tornaria um dos mais bem-sucedidos técnicos de ginástica do mundo ainda depois de desertar para os Estados Unidos em 1981, tendo treinado a campeã olímpica do salto sobre o cavalo Mary Lou Retton, nos Jogos de Los Angeles, 1984, cujo perfeito 10.00 permanece como uma das grandes proezas esportivas dos Estados Unidos. Ele também treinou o campeão mundial de 1991, Kim Zmeskal, e a vitoriosa equipe olímpica de ginástica dos Jogos de Atlanta, 1996. Todavia, alguns dos métodos de Karolyi causaram controvérsia.
Em 1989, semanas antes da queda de Nicolae Ceausescus na Revolução Romena, Nadia Comaneci caminhou seis horas por vales e montanhas até alcançar a fronteira com a Hungria. Dali seguiu para a Áustria e depois para os Estados Unidos. Sua liberdade plena só aconteceu no ano seguinte, quando ela se afastou do homem que planejou sua fuga, um prestador de serviços chamado Constantin Panait. Hoje, vive em Oklahoma com seu marido, Bart Conner, ginasta que conquistou duas medalhas de ouro nos Jogos de 1984 em Los Angeles. São donos juntos de uma academia de ginástica.
*A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.