Nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, uma jovem atleta soviética assombrou o público, conquistando três medalhas de ouro e inovando um movimento de solo que passou a ser conhecido como o “salto mortal Korbut”.
Olga Korbut desafiou de forma exitosa a normalidade e mudou o mundo da ginástica artística. Pode parecer exagero, no entanto, o mundo mostrou-se feliz em acompanhar suas apresentações.
A tensão daqueles Jogos de Munique não era bem-vinda, porém tratava-se de uma convidada inevitável. A atmosfera, já nos preparativos, era de temores generalizados de que seriam os mais politizados Jogos desde sempre, que “coisas não especificadas” iriam ocorrer de modo a parecer triviais as saudações ao Black Power de Tommie Smith e John Carlos quatro anos antes.
A Guerra Fria estava em seu apogeu, a Rodésia, atualmente o Zimbábue, havia sido excluída quatro dias antes do início dos Jogos e, claro, perto do fim, o grupo palestino Setembro Negro lançou um mortífero ataque contra a equipe de Israel. Mesmo antes dessa atrocidade, os espectadores ansiavam por algum tipo de escapismo. E surge Korbut.
A atleta chegou como componente da equipe soviética e isso significava a expectativa de medalhas, uma vez que a União Soviética havia varrido para si a maioria dos prêmios na ginástica artística nos 20 anos antecedentes. Porém, não passava de membro da equipe, apenas uma pessoa preparada desde criança para uma gloriosa participação.
Nascida na Bielorrússia, começou a treinar ginástica aos nove anos de idade e logo conquistou seu lugar nas 35 escolas de elite da ginástica soviética. Foi treinada inicialmente por Yelene Volchestskaya, medalha de ouro olímpica em 1964, que a via como atleta especial, recomendando-a ao diretor, Renald Knysh, que a treinasse pessoalmente. Knysh tinha uma visão personalíssima da ginástica e apenas alguém excepcional poderia ajudá-lo a torná-la realidade. Knysh e Korbut passaram a formar uma das mais transcendentais relações professor/pupila da história desportiva.
Knysh disse que, no começo, não gostava de Korbut, achando-a “preguiçosa e caprichosa”, mas também reconheceu nela, além do grande talento e da rara flexibilidade da coluna vertebral, a brejeirice e o carisma necessários para fazer do sonho uma realidade. Korbut, por seu lado, descrevia Knysh como “um déspota, pessoa solitária, bicho raro, mas como treinador, um gênio”.
Knysh iniciou a preparação de Olga aos 12 anos. Foi implacavelmente exigente. Planejava surpreender o mundo com algo jamais anteriormente tentado. Para tanto, ela teve de ensaiar centenas de vezes, diariamente, durante anos.
A primeira grande exibição de sua singularidade ocorreu no Campeonato Nacional Soviético, em 1969, quando após persistente lobby lhe foi permitido concorrer aos 15 anos, um ano a menos que a idade regulamentar. Terminou em quinto com os juízes aceitando suas habilidades, porém deduzindo pontos devido à sua abordagem radical. Chegou em quarto lugar nos dois anos subsequentes.
Todavia poucos meses antes dos Jogos finalmente atingiu nível tal que até os rigorosos jurados soviéticos tiveram de se curvar e ela derrotou suas duas principais rivais. Fora da União Soviética era relativamente pouco conhecida em um esporte ainda secundário na agenda dos Jogos. Isso iria mudar.
Em sua primeira apresentação em Munique, na trave de equilíbrio, Korbut executou algo que ninguém havia tentado em uma competição internacional: um salto mortal de costas na trave. Os aficionados já tinham visto esse salto no solo, mas não na trave, com apenas 10 centímetros de largura. Sua coragem e habilidade fizeram o público prender a respiração para em seguida saudá-la com gritos e alvoroço. Esta era a reação prevista por Knysh. Até então, a trave servia para mostrar equilíbrio e a graça de movimentos de balé. Eis que, de repente, surgia uma menina executando lances extraordinários de agilidade e precisão.
“Antes as ginastas tratavam a trave como uma espécie de balé e eu a via como solo,” disse Knysh. Aquilo que poderia ser realizado sobre o solo deveria ser executado sobre uma estreita tira de madeira, afastada do solo. Sua exibição transformou o exercício da trave numa atraente especialidade.
Korbut conquistou o ouro na trave e também após extraordinária exibição de exercícios no solo. Uma terceira medalha veio com o ouro por equipe.
Contudo, ganhou apenas a prata na modalidade que serviria para catapultá-la ao estrelato. Em sua primeira tentativa, nas barras assimétricas, Korbut escorregou e cometeu diversos erros. Suas chances de ganhar o ouro de ginasta completa pareciam afastadas. E ela publicamente chorou, uma explosão emocional totalmente inesperada para um atleta soviético.
Entretanto, na final do dia seguinte levou a cabo seu mais inconcebível movimento até então. O ponto alto da série de exercícios foi um movimento que se tornou conhecido como o “Salto Korbut”, ao apoiar o pés na barra mais alta, deu um salto mortal de costas e, como se estivesse sendo sugada por um vácuo invisível, retomou habilmente a pegada frontal na mesma barra.
“Alguma menina tentou executar esse exercício antes?”, arquejou um incrédulo comentarista da televisão norte-americana ao seu colega de trabalho que replicou: “Jamais, jamais! Não por qualquer ser humano de que tenha conhecimento. Fiquei arrepiado!”.
A contrariedade dos assistentes cresceu quando os árbitros atribuíram a Korbut a nota 9,8. Certamente, as 11 mil pessoas presentes no ginásio insistiram que a performance sem precedentes merecia ser a primeira a ser premiada com a nota máxima. A multidão ululou, vaiou, gritou e sapateou levando a competição a ser momentaneamente suspensa.
Os juízes recusaram-se, no entanto, a refazer a contagem. Tecnicamente, talvez estivessem corretos em descontar pontos de Korbut pelo ligeiro desalinho no início do exercício, mas moralmente foi um erro deixar de privilegiar o grande espetáculo, que ninguém esperava ser tão incrível. Porém ninguém pôde minimizar o impacto Korbut sobre a ginástica artística.
Sua revolucionária performance transformou a imagem da ginástica em todo o planeta, fazendo dela uma das principais atrações dos Jogos Olímpicos e o esporte preferido por milhões de meninas em todo o mundo.
Korbut rompeu as fronteiras da ginástica ao fazer algo considerado impossível. Porém, o que intensificou sua popularidade foi que, em outro sentido, subverteu o tradicional por se mostrar uma pessoa completamente normal. Suas demonstrações de sentimento durante a competição, suas duas trancinhas presas por chuquinhas, seu sorriso de menina após extraordinários desempenhos, suas lágrimas ou angústia após exercícios mal feitos e sua calorosa e natural comunicação com o público, destruíram o mito alimentado pela propaganda da Guerra Fria de que os soviéticos eram um bando insensível e robotizado.
Com o respaldo das performances transformadoras de 1972, o time soviético levou a efeito turnês mundiais consagradoras. Korbut – que quando não estava viajando tornou-se professora de ginástica – era de longe a principal atração. Estando nos Estados Unidos, o New York Times relatou que ela teve um acolhimento parecido com “uma mescla entre Cary Grant e Joe DiMaggio”. Todos queriam dela alguma lembrança. Até mesmo o presidente Richard Nixon pediu – e obteve – uma audiência com a atleta, gracejando que admirava sua habilidade de “sempre aterrissar sobre seus pés”.
Nem todos gostavam da influência de Korbut. Alguns funcionários esnobes eram hostis às mudanças que proporcionou em seu esporte, transformando a ginástica de uma disciplina que se aproximava do balé a uma espécie de show circense.
Onze meses depois de Munique, os saltos mortais de costas sobre a trave foram banidos, supostamente por razões de segurança. Korbut ameaçou retirar-se das competições. “Os ginastas não estão protegidos contra a injúria,” afirmou indignada. “Foi-me pedido que revisasse minhas visões sobre a ginástica sem que me fosse dada qualquer escolha nesse assunto. A ginástica diz respeito a expressão pessoal.”
Não se retirou imediatamente nem sua influência declinou. O mesmo não ocorreu com sua carreira. Com seu corpo flexível e atitudes francas abriu mentes. Muitos não queriam que as mentes se abrissem e ela se tornou um empecilho. A fama e as viagens desviaram o foco nos treinamentos. Sua vida mudava e sua visão do que acontecera durante os anos de vida regulamentada estava mudando também.
Parou de trabalhar com Knysh, a quem, mais tarde, acusou de abuso sexual. O ex-treinador negou as acusações.
Nos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, uma contusão impediu-a de avançar. Foi eclipsada por sua colega de equipe Nellie Kim, porém, acima de tudo, por uma jovem romena que demonstrou tanta audácia quanto um refinamento técnico de modo a conquistar a aprovação dos puristas: Nadia Comaneci, 14 anos, tornou-se a primeira atleta na história olímpica a merecer um perfeito 10. Durante a competição, as câmeras que se haviam detido carinhosamente sobre a figura de Korbut em Munique, agora pareciam demonstrar certo prazer em mostrá-la desalentada com seus saltos e erros.
Aposentou-se definitivamente um ano mais tarde. Sua curta carreira de ginasta foi outro aspecto que introduziu em sua modalidade esportiva, a ginástica artística.
(*) A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.