Emil Zátopek tornou-se uma lenda do esporte: ganhou os 5.000 e os 10 mil metros, além da maratona, nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952. Sua personalidade marcante e um rigoroso treinamento levaram-no ao sucesso.
Ele nasceu em 19 de setembro de 1922 em Koprivnice, na então Tchecoslováquia. Saiu de casa aos 16 anos e arranjou um emprego em uma fábrica de calçados na cidade de Zlín. Ali, todo ano, no segundo domingo de maio, acontecia uma corrida de rua. “Não havia lugar para mim com tão pouca idade”. Quando completou 18 anos, seu superior instou-o a competir. Alegou doença, mas o médico da fábrica o considerou apto, e não teve jeito.
Zátopek chegou em segundo e foi convidado a juntar-se ao clube atlético local, onde desenvolveu seu próprio regime de treinamento: corridas curtas em velocidade e mais longas em ritmo mais cadenciado, repetidas de forma insistente. Ele era inspirado no que anos antes o “finlandês voador” Paavo Nurmi havia feito. E isso várias vezes na semana.
Depois da Segunda Guerra Mundial, Zátopek se alistou no exército, onde tinha liberdade para treinar. Já em 1948, sua média diária incluía 5 “sprints” de 200 metros; 20 corridas de 400 metros; depois mais 5 tiros de 200 metros. Ao ver os resultados, endureceu o treinamento: passou a fazer 50 corridas de 400 metros, depois 60 e 70. Viu que, quanto mais rigoroso era o treinamento, melhores eram os resultados nas competições. Pensando em bater os recordes, subiu para uma centena as corridas de 400 metros – 50 pela manhã e 50 à tarde – , além de cerca de 40 quilômetros diários em ritmo cadenciado. “Isso me levava aos limites da dor e do sofrimento que um homem pode suportar”, afirmou, à época.
Zátopek corria no inverno, quando os bosques estavam cheios de neve. Corria à noite, carregando uma tocha. Corria com as botas do exército, sem se importar com chuva, gelo ou neve. Amarrava pesos nos pés e andava de bicicleta com eles. “Havia uma grande vantagem em treinar sob condições desfavoráveis”, disse. “É melhor treinar sob más condições, pois isto faz uma tremenda diferença nas provas oficiais.”
Isso fez com que o histórico de Zátopek se tornasse impressionante: quatro títulos olímpicos, 18 recordes mundiais em provas que iam dos 5.000 metros aos 30 quilômetros. Foi o primeiro a percorrer os 10.000 metros em menos de 29 minutos (28’54”2) e o primeiro a percorrer mais de 20 quilômetros em uma hora. Em Helsinque, ganhou três ouros.
A prova dos 5.000 metros foi a primeira de que participou. Essa distância lhe levantava problemas de ordem tática. Deveria estabelecer um ritmo forte desde o início ou controlar a corrida para terminar com um longo ‘sprint’? Na linha de partida dessa final encontravam-se os melhores corredores do momento. A 300 metros da chegada, Chataway acelera e toma a dianteira. O francês Alain Mimoun segue seus passos e se coloca nos seus calcanhares. Zátopek e o alemão Herbert Schade são postos em dificuldade. Mimoun fica colado no inglês Chris Chataway sem pretender ultrapassá-lo. Faltando 200 metros, porém, passar à frente. Aquele instante de hesitação permite a Zátopek se aproximar dos dois homens de frente. Em seu estilo característico, cabeça pendida para o lado, caretas e mais caretas, ultrapassa Schade, Chataway, que tropeçaria na borda da pista e cairia alguns metros depois, e em seguida Mimoun na última curva, faltando menos de 100 metros. Partindo para a consagração (28 segundos nos últimos 200 metros), ganha a corrida com 14’06”6 à frente de Mimoun (14’07”4) e Schade (14’08”6).
Zátopek dispôs-se a correr cada volta dos 10 mil metros em 71 segundos, ritmo de recorde mundial. Seu técnico, sentado nas arquibancadas, vestiria uma camiseta branca se o ritmo estivesse dentro do estabelecido, e vermelha se caísse abaixo. Na oitava volta, Zátopek viu vermelho e teve de aumentar a velocidade. Após curta batalha com o finlandês Viljo Heino, conseguiu uma margem de vitória de incríveis 48 segundos.
A prova final era a maratona – a primeira que participava. Transcorrida uma hora, Zátopek aproxima-se do britânico Peters, favorito. Estavam quase na metade da prova com o inglês na liderança, quando o tchecoslovaco aparece em seus calcanhares. “Jim, nosso passo está muito rápido?”, perguntou. “Não”, respondeu Peters. “Nem está nem rápido o bastante”. O inglês explicou mais tarde que estava querendo apenas “tirar um sarro”. No entanto, Zátopek tomou suas palavras ao pé da letra e apertou as passadas. Logo desapareceu de suas vistas, liderando a prova com dois minutos sobre o segundo colocado.
Ao contrário de Nurmi, que era muito fechado e retraído, Zátopek mostrava-se aberto, simpático e sociável e, assim, fez muitos amigos.
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Zátopek (primeiro à frente), durante disputa dos 5.000 metros em Helsinque
Em 1968, o atleta australiano Ron Clarke foi visitá-lo. Um dos mais velozes fundistas do mundo durante a década, Clarke sofreu uma série de contratempos nas grandes competições. Nos Jogos Olímpicos da Cidade do México naquele ano chegou a desmaiar e quase morreu devido à altitude. Zátopek o respeitava como atleta e gostava dele como pessoa. Depois de passarem um dia agradável, levou-o ao aeroporto, abraçou-o calorosamente e colocou em seu bolso um pequeno pacote: “Não pela amizade e sim porque você merece”, disse.
Clarke resolveu abrir o pacote já no voo: “Imaginei que ele quisesse levar algo fora do país por meu intermédio. Fui ao banheiro. Quando abri a caixa, inscrita com meu nome, lá estava a medalha de ouro olímpica dos 10 mil metros que Emil ganhara em 1952. Sentei no vaso da toalete e chorei.”
Forças do exército soviético puseram fim à Primavera de Praga, um período em que a Tchecoslováquia flertou com a democracia e a ocidentalização, tendo Zátopek vocalizado seu apoio. No ano seguinte, foi punido por sua infidelidade política. Foi repentinamente destituído do posto de coronel, excluído do exército e expulso do Partido Comunista.
Com o fim da Guerra Fria, Zátopek pôde percorrer o mundo e receber um grande número de homenagens.
Zátopek contentava-se com o que tinha, certamente não buscava a glória e menos ainda o dinheiro. No momento em que o dinheiro invadia o esporte com seus efeitos perversos, declarou publicamente: “Um corredor deve correr com os seus sonhos no coração e não com o dinheiro em seu bolso”.
O estilo desengonçado de Zátopek iria se tornar legendário, ainda mais feio que o do escocês Eric Liddell, que conquistara o ouro em Paris em 1924. O New York Herald Tribune descreveu-o “balançando, ziguezagueando, cambaleando, girando, agarrando seu torso… correu como um homem com o nariz em torno do seu pescoço, à beira de ser estrangulado.” O New York Times sugeriu que “parecia um homem lutando contra um polvo numa esteira transportadora”. “O atletismo”, retrucava Zátopek, “não é uma patinação no gelo. Não é necessário sorrir para impressionar os jurados.”
Em 1954, no Campeonato Europeu de Atletismo, foi derrotado nos 5.000 metros por um russo chamado Vladimir Kuts. Se a derrota o feriu de imediato, o pleno impacto ocorreu no ano seguinte, quando uma conferência de treinadores aconteceu em Praga. Lá, os russos revelaram que Kuts corria mais rápido que Zátopek com a metade da carga de treinamento.
Zátopek, entretanto, continuou a trabalhar duro. Nos preparativos para os Jogos Olímpicos de Melbourne, em 1956, passou a correr pelas ruas com sua mulher de “cavalinho”, desenvolveu uma hérnia, precisou ser operado e pouco faltou para que fosse obrigado a desistir dos Jogos. Recuperou-se a tempo, porém não passou de 6º lugar na maratona. Pouco depois anunciou sua aposentadoria.
Retornou a Praga e viveu com a mulher em um modesto apartamento até a sua morte em 2000, aos 78 anos.
*A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.