Tomado em seu conjunto, os esportes evoluem lentamente. As regras mudam, as técnicas e os estilos modificam-se pouco a pouco. É raro ver uma disciplina assistir a uma revolução. Foi o que ocorreu nos Jogos Olímpicos da Cidade do México, 1968: o salto em altura mudou para sempre. O responsável por essa transformação foi Dick Fosbury, atleta norte-americano que inventou sua própria técnica: o ‘Fosbury-flop’ ou o rolo dorsal.
Richard Douglas Fosbury nasceu em 6 de março de 1947, em Portland, Oregon. Praticou esportes durante a adolescência, mas os via como meio de fazer novas amizades e não como uma competição. Por conta da altura, jogou basquete.
Aos 13 anos, treinava o salto em altura utilizando o estilo tesoura, ensinado por seu professor. Atinge, aos 14, a marca de 1m62. Salvo sua altura, nada mostrava que poderia vir a ser um grande atleta. A técnica da tesoura limitava os saltos por apresentar um centro de gravidade elevado. Seus novos treinadores, Dean Benson e Fred Spiegelberg, lhe ensinaram o rolo ventral, mas não consegue assimilar a técnica e estaciona em 1m80 durante dois anos.
Aos 16, com a sua estatura ajudando, pouco a pouco evolui o seu salto. Fosbury percebeu que, se girasse e jogasse suas costas para trás, a bacia chegaria mais alto que pelos métodos tradicionais e ultrapassaria o sarrafo mais facilmente. Chega então à marca dos dois metros.
Sua inovação não foi imediatamente aceita, parcialmente devido às preocupações com a segurança. O próprio Fosbury foi advertido de que deveria parar com seu estilo de salto quando se queixou de persistente dor nas costas: viu que estava com duas vértebras comprimidas.
Seu treinador tenta convencê-lo a saltar triplo e abandonar o salto em altura, não acreditando em suas chances de êxito nessa modalidade. Dick chega a treinar os 110 com barreiras. Até que um dia, seu treinador, ao vê-lo ultrapassar, com uma margem impressionante, o sarrafo colocado a 1m98 com o estilo ventral invertido, se convence. Assegurando-se que as autoridades desportivas haviam aprovado o salto, tenta aperfeiçoá-lo.
À época, havia dois métodos de ultrapassar o sarrafo: o estilo-tesoura, que consistia em aproximar-se do sarrafo em diagonal e saltar primeiro com uma perna, depois com o resto do corpo; e o estilo ‘straddle’, em que o saltador ultrapassa o sarrafo de frente, com o rosto voltado para o chão, e sua variante, o rolamento ventral em que o atleta ataca o sarrafo em diagonal, também com o rosto voltado para o chão. O ‘western roll’, o rolo lateral, dominou os Jogos Olímpicos de Berlim, salto também inspirado na tesoura, mas em que a perna exterior servia de balanço à passagem do resto do corpo.
Em 1967, no Campeonato Universitário dos EUA, Dick salta 2m10, terminando em 5º lugar. Em janeiro de 1968, em um campeonato indoor, torna-se o primeiro atleta a saltar 2m13. No campeonato nacional promovido pela NCAA (Associação Atlética Universitária Nacional, em inglês), impõe-se com um salto de 2m19, novo recorde pessoal. Nas eliminatórias de Los Angeles para as Olimpíadas, marca 2m21, o melhor salto mundial do ano.
Seu jeito de saltar empolgou o público mexicano. A cada salto, a multidão gritava “olé”, diante de sua técnica atípica e espetacular. Fosbury se aproximava do sarrafo descrevendo uma curva, depois dava um impulso apoiando-se no seu pé esquerdo, elevando-se, cabeça à frente, e, com um movimento que “lembrava a de um camelo de duas patas”, segundo os termos de um jornalista, gira bruscamente à direita, faz uma rotação a fim de dar as costas ao sarrafo, recolhe as pernas e, ainda no ar, mira o sarrafo antes de se deixar cair sobre o colchão.
A final do salto em altura foi extenuante até para os assistentes, tendo demorado mais de quatro horas. Toda vez que o sarrafo caia, uma comissão de cinco juízes media, gastando vários minutos. Fosbury superou o sarrafo em uma altura após a outra. Quando o sarrafo foi colocado na marca de 2m24, ainda havia dois competidores: Fosbury e seu compatriota Ed Caruthers. Os dois falharam duas vezes nos 2m24.
Fosbury é chamado para saltar na terceira tentativa. Coloca-se a uma distância maior que os concorrentes para o ataque ao sarrafo, a concentração para o salto mais demorada. Posta-se, enumerando mentalmente cada movimento, balançando os pés dos dedos ao calcanhar, contraindo e descontraindo os punhos, olhos focados no solo, utilizando cada segundo dos dois minutos que lhe foram permitidos. Projeta-se então ao seu objetivo, lança-se ao ar e supera o sarrafo. Antes ainda de cair no colchão, vibra com a proeza. A multidão vibra. Último a saltar, Caruthers falha de novo. Fosbury avisa os juízes que não vai prosseguir. A batalha estava terminada. Havia estabelecido novo recorde olímpico – e mudado para sempre o salto em altura.
Foi recebido com festa em seu retorno e despertou uma verdadeira febre no país: as crianças queriam imitar o estilo Fosbury e exigiam dos professores que as ensinassem a saltar desse jeito.
Fosbury não se classificou nas eliminatórias norte-americanas para os Jogos Olímpicos de Munique de 1972, saltando apenas 2m08. Ao obter seu diploma de engenheiro, abandonou definitivamente as pistas, que para ele era um lazer mais que outra coisa.
Descobriu-se mais tarde que a primeira pessoa a se valer da técnica do rolo ventral foi o atleta Bruce Quande, em 1965. Bruce era estudante em Montana e participou de competições em salto em altura. Uma canadense, Debbie Brill, em 1966, também tentou esse tipo de salto, rompendo com as técnicas em voga. No entanto, Fosbury foi o primeiro a utilizá-la em competição internacional do nível dos Jogos Olímpicos. O salto passaria à história atlética como o “Fosbury-flop”.
Graças a ele, o recorde mundial do salto em altura passou de 2m28 – marca detida à época pelo soviético Valery Brumel – aos 2m45 do cubano Javier Sotomayor. O ‘Fosbury-flop’ é a única técnica de nossos dias, fazendo com que o rolo ventral desaparecesse.
Em março de 2008, o norte-americano foi diagnosticado com um linfoma e operado de um tumor, situado na coluna vertebral, em abril do mesmo ano. Em março de 2009, anunciou que estava em remissão.
*A série Grandes Momentos Olímpicos foi concebida e escrita no ano de 2015 pelo advogado e jornalista Max Altman, falecido em 2016.