O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), entidade científica que reúne pesquisadores de todo o mundo, publicou nesta segunda-feira (20/03) um relatório sobre o estado atual do clima global e as formas de lidar com o tema.
O documento alerta que o aumento das temperaturas, catástrofes naturais e alterações nos ecossistemas ameaçam cada vez mais a vida humana e a natureza em todas as regiões do mundo. E os avanços alcançados em termos de proteção climática não são suficientes para reverter esse quadro.
“A implementação de medidas climáticas eficientes e equitativas poderá não apenas reduzir as perdas e danos para a natureza e para as pessoas, mas também trará benefícios enormes”, afirmou o presidente do IPCC, Hoesung Lee. “O relatório ressalta a urgência de mais ações ambiciosas e mostra que, se agirmos agora, ainda poderemos assegurar um futuro sustentável e com vida para todos.”
O que é o IPCC?
O IPCC é um órgão das Nações Unidas que analisa as pesquisas atuais sobre o clima. Ele possui centenas de cientistas que estudam os impactos atuais e os riscos futuros impostos pela crise climática, bem como formas de mitigar os impactos negativos e de se adaptar a um planeta mais quente.
Os especialistas avaliam coletivamente milhares de estudos científicos, bem como relatórios governamentais e da indústria, para produzir uma análise abrangente sobre a forma como as mudanças climáticas alteram o mundo.
Desde 2018, o Painel publicou seis relatórios especiais de grande profundidade. O documento atual é um resumo global das principais conclusões.
Proteção climática abaixo das expectativas
A mensagem básica de todos os relatórios é inequívoca. “Sem uma ação climática urgente, eficaz e equitativa, as alterações climáticas ameaçam cada vez mais a saúde e a prosperidade, o bem-estar dos ecossistemas e a biodiversidade em todo o mundo”, urgem os autores.
A humanidade alterou drasticamente o planeta em apenas alguns séculos, sendo responsável pelas mudanças climáticas através da queima de carvão, petróleo e gás.
A temperatura da Terra já subiu 1,1° C em relação à era pré-industrial. Em 2015, os líderes mundiais concordaram, após intensas negociações em Paris, em limitar o aquecimento global a uma meta comum de, idealmente, 1,5° C. Até agora, nenhuma das grandes nações globais está dentro do calendário previsto para cumprir este objetivo.
Os possíveis cenários para o futuro mostram claramente que as mudanças no clima só podem ser impedidas com uma transformação radical do sistema energético.
Além disso, são necessárias medidas de adaptação aos efeitos das alterações climáticas já visíveis hoje em dia. Isso poderá salvar vidas e é ainda mais barato do que os custos das alterações climáticas desenfreadas na economia e na sociedade.
No entanto, a janela de oportunidade para atingir esses objetivos está se fechando rapidamente, afirmam os cientistas. Até 2030, a comunidade global precisa reduzir a quase a metade suas emissões resultantes da queima de carvão, petróleo e gás, ou então enfrentar um aquecimento global de cerca de 3° C.
“A eliminação rápida e equitativa de todos os combustíveis fósseis e a mudança para as energias renováveis é essencial e tem grande potencial para o desenvolvimento sustentável em todo o mundo”, comentou em nota Sven Harmeling, da ONG Care.
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Avanços alcançados em termos de proteção climática não são suficientes para reverter esse quadro
Críticas ao modelo utilizado
Embora o relatório científico do IPCC seja independente, os representantes de 195 países votam sobre o conteúdo do resumo e sobre as recomendações aos tomadores de decisão. Como resultado, a redação acaba sendo, com frequência, vaga.
“O resumo é também uma medida de o que os países já estão implementando”, diz Annika Schroeder, especialista em clima da organização de desenvolvimento Misereor.
Para Schroeder, os mecanismos de captura e eliminação de CO2 da atmosfera, por exemplo, recebem demasiado destaque nos cenários de mitigação das mudanças climáticas. Algumas das chamadas tecnologias CDR (Carbon Dioxide Removal: “remoção de dióxido de carbono”) ainda não estão prontas para o mercado de massa.
A Agência Federal Alemã do Meio Ambiente publicou recentemente um relatório mostrando que, apenas na Alemanha, os danos causados pelas mudanças climáticas podem chegar a 900 bilhões de euros (mais de 5 trilhões de reais) até 2050. Uma resposta mais rápida pouparia bilhões no futuro.
Schroeder diz que o investimento e a pesquisa dessas tecnologias têm de ser realizados, e acrescenta que, quando se trata de proteção do clima, não se deve esperar até que tudo isso esteja pronto: “Este é o grande perigo no relatório do IPCC”, avalia.
O que significa 1,5° C a mais?
Para o planeta, cada décimo de grau centígrado a mais faz diferença. Pode determinar se ecossistemas inteiros colapsam, se os estados insulares são varridos do mapa, ou se as regiões costeiras se tornam inabitáveis.
Por exemplo, limitar o aquecimento a 1,5° C em vez de 2° C pouparia 10 centímetros de aumento do nível do mar global até 2100. Essa diferença de meio grau significaria provavelmente que a Antártida estaria sem gelo somente durante um verão por século, em vez de uma vez por década. Mesmo a 2º C de aquecimento, pode-se perder 99% dos recifes de coral.
As fortes chuvas, que costumavam ocorrer apenas uma vez por década, são já 30% mais prováveis. Com 3° C de aquecimento, elas ocorrerão duas ou mesmo três vezes por década, liberando um terço a mais de água.
As secas, que costumavam ocorrer uma vez a cada dez anos, tornarão o solo infértil quatro vezes por década. As ondas de calor, que já são 2,8 vezes mais prováveis e 1° C mais quentes do que antes da Revolução Industrial, serão 9,4 vezes mais prováveis e 5° C mais quentes.
Possíveis soluções
Há inúmeras formas de produzir menos gases com efeito de estufa, seja através de uma dieta que inclua menos carne, utilização de transportes elétricos, conversão da indústria siderúrgica em hidrogênio, fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, expansão dos transportes públicos, ou proteção da biodiversidade e das florestas.
Para tal, é necessária uma “ação maciça e paralela”, afirma Tom Mitchell, diretor-executivo do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED): “Gostemos ou não, a única opção é a solidariedade e a responsabilidade compartilhada, na qual cada um tem de fazer a sua parte.”
Impor limites à crise climática requer mais do que apenas governos. As pegadas ecológicas das cidades e regiões, da agricultura e do comportamento dos consumidores, também teriam de ser reduzidos ao mínimo.
A prioridade maior, contudo, é uma rápida eliminação gradual do carvão, petróleo e gás e a eletrificação simultânea do sistema energético global, baseada principalmente na energia eólica e solar. Desde 2010, o custo das energias renováveis foi reduzido em até 85%.