“O Chile precisa da força da mulher”. Com essa frase celebrou-se, no dia 8 de março de 2006, o Dia Internacional da Mulher, quando faltavam apenas três dias para que o então presidente Ricardo Lagos entregasse o comando à primeira mulher presidente do Chile, Michelle Bachelet. Quando assumiu, a socialista instaurou o primeiro gabinete paritário, sinal de que as questões de gênero seriam fundamentais no seu governo e um gesto de abertura aos espaços políticos de relevância nesse setor. Apesar de não poder conservar a paridade de ministros e ministras, ela manteve a questão [de gênero] vigente durante o mandato, mediante diversos programas de governo dirigidos especificamente às mulheres.
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Durante a primeira etapa da campanha presidencial, com três mulheres candidatas — Evelyn Matthei, Roxana Miranda e a própria Bachelet — as questões de gênero apareceram em segundo plano no contexto de promessas como reforma constitucional, tributária e o clamor pela educação pública gratuita. O segundo turno, com duas mulheres disputando a Presidência, é uma oportunidade para retomar a questão, não apenas por causa dos problemas de gênero, mas também para levar mais em conta o grupo eleitoral que acabou sendo decisivo na eleição de 2005.
Agência Efe
A candidata Michelle Bachelet recebe apoio do ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva
A paisagem política e social do Chile conta hoje com uma potente presença de mulheres em cargos de relevância, como, por exemplo, a presidência da CUT (Central Unitária de Trabalhadores) comandada por Bárbara Figueroa; a prefeitura de Santiago, com Carolina Tohá; a presidência da Federação dos Estudantes da Universidade do Chile, com Melissa Sepúlveda; e as recém-eleitas deputadas Camila Vallejo, Karol Cariola e Amaya Fernández, que arrasaram nas urnas. Entretanto, seu número no Parlamento não é suficiente, já que, em média, há apenas 16% de participação feminina em ambas as câmaras.
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De que se trata, então? A presença de mulheres não é sinônimo de participação e a promessa de renovar a política em espaços de poder parece estar longe de ser cumprida. Assim declaram alguns partidos políticos, que reconhecem que o avanço tem sido precário nos últimos anos porque ainda imperam lógicas masculinas que as próprias mulheres terminam adotando para se desenvolver na arena política.
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Os esforços para ter uma lei de cotas que assegure pelo menos 40% de participação de mulheres também é uma promessa antiga não cumprida. O único espaço no qual elas ingressaram com força foi o mercado de trabalho e sobram elogios para considerá-las motor de crescimento. Não se menciona, no entanto, que esse ingresso ocorre com uma grande inferioridade salarial em comparação aos homens.
A tríade de presença econômica, representação política e acesso a políticas de proteção social não conseguiu cativar um eleitorado que, agora, necessita tomar parte na elaboração das mesmas propostas oferecidas pelas estruturas de poder. Os resultados, para os que sistematizam os esforços em diminuir as lacunas de desigualdade e aumentar os direitos das mulheres, muitas vezes são alegres: mais mulheres são eleitas para governar, mais programas de proteção social estão em foco, mais mulheres participam do mercado de trabalho. Mas, proporcionalmente, o mais parece ir deixando menos. Menos qualidade de vida, menos salários, menos benefícios.
Agência Efe
A candidata da direita, Evelyn Matthei, em comício no Chile
As agendas das duas candidatas — muito diferentes — não focam, até agora, nem em consultar as mulheres, nem em formas de participação das beneficiadas. Enquanto Matthei promete um salário mínimo de 300 mil pesos (aproximadamente 580 dólares) por jornada completa de trabalho para as mulheres vulneráveis, o que cheira a populismo eleitoral, Bachelet propõe a criação de um Ministério da Mulher e a capacitação profissional do setor, ente outras propostas.
Entretanto, falta expressar de que forma serão abertos os espaços para que as mulheres sejam realmente um fator de transformação social e não sejam relegadas à estatística que mostra que superaram levemente a desigualdade. Também será necessário entender que a igualdade não será alcançada unicamente pela maior ou menor participação das mulheres no mercado.
Desde 1952, as mulheres no Chile têm direito a voto e compreendem mais de 50% dos eleitores. Em 2005, seu voto foi decisivo para levar à Presidência a primeira mulher e, hoje, duas mulheres se enfrentam no segundo turno. Entre dois projetos políticos, as mulheres podem e devem exigir novos esforços, reais, visíveis, que as encaminhem para a participação e para a transformação como protagonista decisiva nos destinos do país.