A emergência da Alemanha como potência industrial possibilitou ao Brasil maior capacidade de negociação vis-a-vis dos Estados Unidos, na medida em que constituiu não só uma opção de comércio, mas igualmente uma fonte de investimentos e tecnologia. Apesar de devastada na 2ª Guerra Mundial, a Alemanha Ocidental logo se recuperou e, em pleno boom econômico, destinou de 1952 até o curso dos anos 70 a maior parte de seus investimentos ao Brasil1.
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À época, a Alemanha chegou a ser o segundo parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos EUA. A lógica indica que, no futuro, a Alemanha continuará a ser importante parceira tecnológica e comercial do Brasil, havendo inclusive um grande potencial para revitalização desta parceria.
Assista à entrevista exclusiva com o ex-ministro alemão Jürgen Trittin, sobre o acordo nuclear:
A Alemanha teve importante participação na industrialização do Brasil e existem dezenas de firmas alemãs, dentre elas as maiores, instaladas no Brasil. Um dos programas tecnológicos e industriais mais relevantes no período foi o que decorreu do Acordo Nuclear Brasil–Alemanha firmado em 1975.
Neste contexto, em 14 de março de 2014, a Agência Câmara noticiou que parlamentares estariam se mobilizando para impedir que o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, firmado em 27 de junho de 1975, fosse renovado automaticamente. Mesmo que haja restrições de natureza política à ampliação da colaboração na área nuclear tendo em vista o reposicionamento da Alemanha em relação à utilização desta fonte primária na sua matriz energética, é muito importante que os compromissos em vigor sejam cumpridos e honrados para evitar um ambiente de instabilidade e incertezas no relacionamento tecnológico e comercial entre os dois países.
O Acordo Nuclear Brasil–Alemanha sobre os Usos Pacíficos de Energia Nuclear de 27 de junho 1975 encontra-se ativo, conforme se pode verificar no Sistema de Atos Internacionais do Ministério de Relações Exteriores, tendo entrado em vigor em 18 de novembro de 1975. Seu texto completo encontra-se disponível nesse sistema. Esse Acordo foi aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 85, de 20 de outubro de 1975 e promulgado pelo Decreto Nº 76.695, de 1 de dezembro de 1975.
Assista à participação de Leonam Guimarães nas série 'Aula Pública Opera Mundi'
O petróleo continuará a ser a principal fonte de energia do mundo?
O Acordo estabelece as seguintes condições para sua vigência: Artigo 11 (1) O Presente Acordo entrará em vigor, por troca de notas, tão cedo quanto possível. (2) A vigência do presente Acordo será de quinze anos, contados a partir do dia fixado nas notas trocadas conforme o item (1) acima, e prorrogar-se-á tacitamente por períodos de cinco anos, desde que não seja denunciado por uma das Partes Contratantes pelo menos doze meses antes de sua expiração. (3) As medidas de salvaguardas e de Proteção física, necessárias em decorrência do presente Acordo, não serão afetadas pela expiração do mesmo.
Sua vigência inicial de 15 anos ocorreu até 17 de novembro de 1990, estando até o presente tacitamente prorrogado até 17 de novembro de 2020 desde que Brasil ou Alemanha não o denunciem até 17 de novembro de 2014. Uma eventual denúncia do Acordo pelo Brasil, salvo melhor juízo, teria que ser proposta pelo Executivo e aprovada pelo Congresso Nacional, por Decreto Legislativo.
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Este acordo tem uma longa história. Fato é que hoje ele permanece em vigor pelo Acordo por Troca de Notas ao Acordo entre o Brasil e a Alemanha sobre Cooperação no Setor de Energia com foco em Energias Renováveis e Eficiência Energética, cuja celebração e entrada em vigor ocorreram em 14 de maio de 2008. Nesse Acordo, as Partes assumem o compromisso de respeitar o Acordo de 27 de junho 1975 e demais acordos sobre o assunto.
Uma análise detalhada dos artigos do Acordo Nuclear de 1975, leva à conclusão que a denúncia do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha de 1975 por uma das partes traria poucas consequências práticas para instituições de pesquisa científica e tecnológica (basicamente os institutos da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN) e as empresas (Eletronuclear, INB e NUCLEP) nacionais nele envolvidas. As relações hoje existentes entre as instituições de pesquisa científica e tecnológica são regidas por acordos específicos que, a princípio, não seriam cancelados automaticamente pela eventual denúncia do Acordo Nuclear de 1975. As relações existentes entre as empresas nacionais e seus fornecedores alemães são regidas por contratos comerciais que também não seriam imediatamente afetados. Também não existe nenhum financiamento ou concessão de crédito de origem alemã para institutos ou empresas nacionais.
Assista ao 1º bloco da Aula Pública Opera Mundi ministrada por Leonam Guimarães:
Restaria apenas uma potencial consequência decorrente da possibilidade da Alemanha, face uma eventual denúncia do Acordo pelo Brasil, passasse a negar ou procrastinar autorizações de exportação para o Brasil de equipamentos e materiais nucleares Entretanto, ao fazer isso, a Alemanha estaria ignorando o fiel cumprimento pelo Brasil de seus compromissos com a não proliferação nuclear, verificados regularmente pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) pelo cumprimento do Acordo de Salvaguardas abrangentes em vigor. Tal fato teria certamente consequências políticas e comerciais tão sérias que nos fazem crer que essa não seria a postura a ser adotada pela Alemanha.
O Brasil tem um acordo de salvaguardas abrangentes firmado desde 1991 (INFCIRC/435) que garante que os compromissos com a não proliferação de armas nucleares assumidos pelo acordo anterior firmado especificamente para salvaguardar as atividades do Acordo Nuclear de 1975 estão mantidos, independentemente do Acordo Nuclear de 1975 (INFCIRC/237), e posteriormente suspenso com a entrada em vigor do INFCIRC/435, conforme Protocolo Adicional específico. Sob essas condições, não seria razoável que a Alemanha passasse a negar autorizações de exportações para o Brasil de equipamentos e materiais, caso o Acordo Nuclear de 1975 fosse denunciado. Entretanto, não se pode descartar, a priori, a possibilidade de que a obtenção dessas autorizações passe a ser mais difícil e demorada.
Cumpre, entretanto, ressaltar que uma iniciativa brasileira no sentido de denunciar o Acordo seria uma atitude inconsequente e lesiva ao interesse público, considerando que a construção de Angra 3 está em avançado estágio, Angra 2 opera com elevadíssimo nível de desempenho, a fabricação de combustível nuclear no Brasil é de alta qualidade e, como as atuais dificuldades do sistema elétrico nacional indicam, o País não pode abrir mão da geração elétrica nuclear para garantir o abastecimento atual e a necessária expansão do consumo de eletricidade no futuro. Como tal iniciativa dependeria de um Decreto Legislativo, aprovado pela Câmara e Senado por maioria simples, acreditamos que o bom senso prevaleça e que o mesmo não venha a ser votado em plenário até 17 de novembro próximo, caso venha a ser proposto por algum parlamentar, ainda mais considerando o calendário eleitoral deste ano.
Se alguém tivesse que denunciar o Acordo Nuclear de 1975, faria muito mais sentido se fosse a própria Alemanha (e não o Brasil), tendo em vista a guinada que ela mesma imprimiu à sua política nuclear — note-se que não houve nenhuma ação do Governo Alemão nesse sentido. A pressão junto ao nosso Congresso para a denúncia pelo Brasil vem de grupos políticos que não questionam o Acordo de 1975 per se, mas sim a própria possibilidade de uso da energia nuclear no País. Contudo, diferentemente da Alemanha, o Brasil não abriu mão de a geração elétrica nuclear desempenhar um papel com crescente importância na nossa matriz energética. Pelo contrário, a situação atual do sistema elétrico nacional indica a necessidade de ampliação da geração termoelétrica na base, para a qual a nucleoeletricidade é a opção mais barata e limpa. Note-se que na Alemanha essa geração na base é feita pelo carvão e que o abandono do nuclear tem se refletido num significativo aumento na produção de gases de efeito estufa por esse país nos últimos anos.
Enquanto permanecer essa situação, não deveríamos dar nenhum passo que ponha em risco – por menor que ele seja – as possibilidades de aportes externos para o desenvolvimento dessa fonte de energia no nosso território, seja mediante esquemas de cooperação, seja por meio da exportação de materiais e equipamentos nucleares. A não ser que haja benefícios concretos – que não se consegue vislumbrar no caso em tela – que deixem esse risco em segundo plano.
(*) Leonam dos Santos Guimarães é Doutor em Engenharia, Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica)
1 vide Moniz Bandeira, L.A, O ‘Milagre Alemão’ e o Desenvolvimento do Brasil 1949-2011, 2ª edição revista e atualizada, Editora da UNESP, São Paulo, 2011.