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Opinião

Breno Altman: sobre Lula e a democracia relativa

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Universalização do conceito de democracia é aleijão histórico, situado entre arsenal ideológico da hegemonia burguesa e rendição teórica ao pensamento liberal

Breno Altman

São Paulo (Brasil)
2023-07-01T20:30:00.000Z

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A declaração do presidente Lula, sobre a relatividade da democracia, provocou urticárias entre liberais de direita e de esquerda.

Se fosse absoluta, a democracia seria um regime modelar. Ou seja, haveria um modelo padrão - a democracia ocidental e liberal - que serviria de métrica para todas as nações. Todos os sistemas políticos estranhos a esse modelo seriam, por óbvio, antidemocráticos.

Mas essa universalização do conceito de democracia é somente um aleijão histórico, situado entre o arsenal ideológico da hegemonia burguesa e a rendição teórica de setores da esquerda à pressão exercida pelo pensamento liberal.

Não se trata apenas de situar a democracia no terreno da luta de classes, o que pressupõe qualificá-la como burguesa ou socialista, para identificar a quais objetivos e interesses serve determinado regime político.

Tampouco é suficiente contextualizar os diferentes sistemas, para diferir os que estão integrados ao sistema imperialista, livres de ameaças e sanções externas, daqueles que estão submetidos a toda sorte de agressões e bloqueios.

O truque principal do discurso liberal é a confusão proposital entre democracia e liberdade, como se a essência da questão democrática estivesse nos direitos políticos formais.

Liberdade e democracia

Democracia é o poder do povo. Diz respeito às condições econômicas, sociais, educacionais e organizacionais para que a maioria possa governar uma nação. Quanto maiores as liberdades que esse sistema puder usufruir, melhor. Mas não é a dimensão da liberdade que determina a existência ou não de um regime substantivamente democrático.

Provavelmente não há país que goze de maiores liberdades formais que os Estados Unidos, a meca da democracia burguesa. Todo mundo, por exemplo, tem direito de formar partidos para disputar o governo ou de fundar meios de comunicação para influenciar a opinião pública. Mas não passa de uma garantia formal: apenas quem acumula enormes recursos financeiros é capaz de exercer efetivamente esse direito.

Embora ainda persista uma certa cultura comunitária, de participação social nas pequenas e médias cidades, a política norte-americana é essencialmente determinada pela plutocracia, isso é, a ditadura do dinheiro. Está circunscrita a instituições controladas pelo capital, como o parlamento e o Poder Executivo, com a imensa maioria da população excluída de qualquer processo decisório. A política é quase totalmente profissionalizada, com bilhões de dólares sendo necessários para realmente lutar pela direção do Estado.

Não é diferente a situação na Europa ou na América Latina, incluindo o Brasil. A democracia liberal oferece praticamente todos os direitos formais, em condições normais, mas apenas a burguesia pode integralmente acessá-los.

Twitter/Radio PT
Truque principal do discurso liberal é confusão proposital entre democracia e liberdade

Ainda por cima, nenhum desses Estados burgueses é ameaçado, desde fora, por punições e sabotagens caso insistam em manter sistemas plutocráticos.

Olhemos agora para Cuba, apenas como exemplo. Não há qualquer dúvida, em uma leitura honesta, que há menos liberdade na ilha socialista do que no gigantesco vizinho imperialista. Até porque o bloqueio estabelecido pelos EUA, a interferência estrangeira e o risco de agressão obrigam a um permanente estado de guerra, no qual obviamente liberdades são suprimidas ou controladas.

Cuba é uma ditadura?

Os cubanos tomam decisões coletivas sobre os rumos do país de forma permanente, através dos instrumentos de poder popular, que vão dos quarteirões ao âmbito nacional, em debates e votações que chegam a envolver, diretamente, mais de metade da população, como foram os casos da reforma constitucional e do novo código de família.

Não se trata de uma participação limitada ao voto em referendos, mas de discussões bairro-a-bairro, protegidas de qualquer influência organizada por lobbies financeiros, nas quais milhões de pessoas estão envolvidas com o objetivo de apresentar propostas e emendas antes que determinado projeto vá à votação popular.

Esse método reflete-se também sobre a parte representativa da democracia: a esmagadora maioria dos parlamentares exerce suas funções sem remuneração, as candidaturas são definidas pelas organizações sociais (e não pelo partido comunista) e as disputas são realizadas em absoluta igualdade de armas, pois somente podem ser usados os espaços estabelecidos pelo Estado.

A democracia cubana não é liberal. Tampouco a chinesa ou a vietnamita. Sua coluna vertebral é a soberania popular, exercida de forma igualitária pelos cidadãos e através de instrumentos preponderantemente diretos. Os direitos políticos formais têm menos importância do que nos países capitalistas. Um dos motivos é porque revoluções vitoriosas não costumam oferecer, mesmo que hipocritamente, possibilidades de restauração do poder das classes derrotadas, mas que ainda possuem muitos recursos econômicos e aliados internacionais dispostos a tudo.

A democracia norte-americana, por sua vez, é o mito fundacional da república liberal. Quase todos os direitos políticos formais estão garantidos. Mas isso não tem qualquer relevância para a ditadura do capital, que controla todas as esferas da sociedade e do Estado, legitimada por eleições que dependem de fortunas incalculáveis, em um sistema no qual o dinheiro é a força motriz e excludente, condenando a maioria do povo a um papel passivo, dominado.

Não restam dúvidas de que o presidente Lula tem razão: a democracia é mesmo relativa.

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Opinião

PERU: migrações e aspirações (parte II)

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Peruanos que vivem no Brasil têm como principal marco regulatório o Acordo de Residência do Mercosul, bloco do qual o Peru faz parte como Estado Associado desde 2013

Nilo Meza

Lima (Peru)
2023-12-09T16:00:00.000Z

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Na nossa nota anterior vimos o comportamento do processo migratório peruano. Nesta abordaremos o número de peruanos que, até 2023, decidiram se estabelecer no Brasil como local de residência.

Os peruanos que residem no Brasil têm como principal marco regulatório o Acordo de Residência do Mercosul, bloco do qual o Peru faz parte como Estado Associado desde 2013. O Acordo estabelece que todos os nacionais dos países membros e associados poderão se estabelecer em um dos países signatários, independentemente de se encontrarem em situação de imigração regular ou irregular.

Segundo dados recentes da Superintendência Nacional de Migrações do Peru, os peruanos que deixaram o país em 2021, após a pandemia, totalizaram 110.185 pessoas. Em 2022, 401.740. Até 2023, projetava-se que mais de 450 mil peruanos deixariam o país sem esperança de retorno. Ou seja, estamos falando de um número quatro vezes maior em apenas 3 anos.

Os principais destinos, apesar dos fluxos para a Argentina terem diminuído devido às suas crises recorrentes, permanecem os mesmos: Estados Unidos, Espanha, Chile e México, embora este último seja considerado um país de passagem para os Estados Unidos, enquanto o Brasil segue sendo menos procurado pelos peruanos.

As principais razões para o explosivo crescimento migratório no Peru são:

  1. O aprofundamento da crise econômica e política que se seguiu à pandemia. Embora a pandemia tenha desacelerado o crescimento significativo da emigração peruana que vinha ocorrendo até 2018, recuperou o dinamismo logo depois porque a crise ainda existia. O “crescimento econômico” que transformou o Peru no “milagre econômico” não foi suficiente para resolver os problemas antigos de saúde, educação e saneamento que perduram até hoje para mais de 10 milhões de peruanos na pobreza. Portanto, não serviu para deter o crescimento migratório que acelerou a contração de 11% em 2019.

A crise política levada a extremos nunca antes vistos (7 presidentes em 6 anos) desencadeou um clima de instabilidade e desconfiança nos operadores econômicos e financeiros que provocou a fuga de capitais e uma redução drástica do investimento, desemprego aberto para todo o lado, bem como casos de corrupção que envolvem grande parte do aparelho estatal, incluindo a própria Procuradoria-Geral da República, acusada de liderar uma organização criminosa, sendo responsável por investigar e punir crimes de corrupção.

  1. Violência e insegurança que abrange todo o espectro da sociedade. “Ninguém está livre” do crime comum e organizado. E, paralelamente, a violência política ganha intensidade com campanhas difamatórias contra opositores do regime, chegando ao extremo de classificá-los como terroristas ou representantes de facções violentas dos anos 80 do século passado. Esta violência é replicada e amplificada nos meios de comunicação social que perderam toda a objetividade no seu trabalho jornalístico, colocando-se a serviço de uma das partes da “guerra de todos contra todos” que se desencadeou no campo político e criminal em âmbito nacional. O medo e a ameaça tornaram-se a norma que dá liberdade ao crime comum e ao crime organizado com impunidade. 80% dos peruanos afirmam não se sentir seguros nas ruas.

WIkicommons
Em apenas três anos, o número de peruanos que deixaram o país quadruplicou
  1. Redes e organizações dedicadas a promover a migração, especialmente de países de destino preferidos. Em tempos onde as dificuldades estão na ordem do dia, estes mecanismos “facilitadores”, nascidos no final do século passado, tornam-se fatores impulsionadores dos processos migratórios, não importa o quanto custe a cada migrante, mas neles encontram uma oportunidade .

  2. Junto aos elementos mencionados, a busca por melhores condições de vida e de trabalho, bem como os motivos familiares, continuam sendo os motivos mais sólidos para a saída dos peruanos para o exterior.

PERUANOS NO BRASIL: direitos e obrigações

Se levarmos em conta as proporções estabelecidas pelo INEI (2023) em relação aos destinos escolhidos pelos peruanos, bem como o ajuste que supõe a diminuição da atratividade da Argentina, os 450 mil que saíram do Peru seriam distribuídos, aproximadamente, da seguinte forma: cerca de 157 (35%) mil nos Estados Unidos, 32 (7%) mil na Argentina, 58 (13%) mil no Chile e cerca de 9 (2%) mil no Brasil. O resto teria ido para a Europa.

Se somarmos os cerca de 10 mil peruanos que entraram no Brasil entre 2021 e 2022 aos de 2019 (56.288 peruanos, segundo dados oficiais), teríamos um total de 66 mil peruanos vivendo no Brasil no final de 2022, dos quais quase 50% teriam decidido morar em São Paulo; seguido pelo Rio de Janeiro com 11%; 10% no Amazonas; Paraná 4%; Minas Gerais 4%; e os 20% restantes seriam distribuídos no Rio Grande do Sul, Acre, Santa Catarina e Distrito Federal.

O governo brasileiro reconhece aos cidadãos do mundo que decidem viver em seu país os mesmos direitos e obrigações que seus habitantes nacionais. O quadro regulamentar é amplo, mas os instrumentos poderiam ser os seguintes:

  1. Constituição Federal de 1988, lei fundamental que garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.
  2. Lei nº 13.445/2017, Direitos e obrigações do imigrante.
  3. Decreto nº 9.199/2017, Regulamento da Lei 13.445/2017 (Lei de Imigração)
  4. Lei nº 9.474/1997, Estatuto do Refugiado... requerido por quem sofre ameaças por motivos de raça, religião, política, etc.
  5. Decreto nº 6.975/2009, Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Parte do Mercosul e Associados, em vigor para o Peru desde 2013, quando foi reconhecido como Estado Associado.
  6. Lei Municipal nº 16.478/2016, Política Municipal para a População Imigrante em São Paulo.
  7. Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Mecanismos para inibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
  8. Lei nº 7.716/1989. Classifica crimes relacionados ao preconceito de raça ou cor.

(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.

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