Quando hoje em dia uma “superestrela” faz uma aparição “bombástica”, como fez Lady Gaga vestida de carne para o MTV Video Music Awards de 2010, somos envolvidos por uma sensação de que o pop ficou velho. É como se o centro da pista tivesse se esvaziado e o mainstream oferecesse mais desgosto do que diversão fácil.
Sobre o envelhecimento do pop trata o livro “Retromania”, do crítico inglês Simon Reynolds, recentemente lançado. Dando vastos exemplos e expondo suas ideias de maneira clara, Reynolds chega à conclusão de que a internet, em grande parte, é a responsável por uma onda retrô, em que tudo o que se produz é nostálgico em relação a algo que já passou.
“Retromania” pouco se detém em movimentos periféricos, mas quando o faz, surge a grande sacada, segundo o colunista Ronaldo Lemos, especialista em internet. Lemos afirma que ao falar no livro dos “chavs”, manos da periferia inglesa, Reynolds se aproxima da realidade: “A periferia pop global é uma explosão de música que não tem nada a ver com o passado”. Bingo.
Corte. De volta à América Latina.
Quem circula pelas ruas e de fato vê os camelôs, sobretudo fora dos centros urbanos, já sabe disso empiricamente há algum tempo. A mesma internet que possibilitou uma viagem ao passado presenteou ao mundo, democraticamente, um universo quase sem limites de referências, versões e samples reproduzidos incansavelmente(“pirateados”, para quem preferir). Dessa mistura, estão surgindo ritmos que nada devem ao passado e que apontam, orgulhosamente, para o futuro.
Navegando por esses mares periféricos, lado a lado com funk carioca e tecnobregaparaense, brilha a cumbia.
Ritmo de origem 100% colombiana, a cumbia surgiu no costa caribenha da Colômbia no século XVIII como uma fusão puramente instrumental de ritmos indígenas e africanos e “modos” espanhóis. Nos anos 1930, passou por um branqueamento que a permitiu extrapolar o ambiente rural e penetrar na estética musical das classes acomodadas. Aí entraram as letras, o acordeão e, mais tarde, a orquestração completa (uma combinação de tambores, maracas e flautas).
Na década de 40, a cumbia viajou pela região, em grande parte pelos esforços de um mestre do gênero, Lucho Bermúdez. Chegou a vários lugares, e foi reinventada ganhando versões diferentes. No Peru, nos anos 60, deu origem à chicha, um ritmo próprio e difundido no país por bandas como Los Destellos, Manzanita, Los Mirlos e Juaneco y su Combo. Na Argentina, hoje, quem não ouviu falar da febre da tropicalíssima cumbia villera? O nome vem de “villa”, que significa favela, e seu apelo popular é tamanho, que fica difícil calcular a dimensão real dessa indústria.
Samplear e samplear
A música que mais vibra hoje não tem medo de parentescos. Ela é feita de referências a outras músicas e, às vezes, de referências às referências.
Há alguns anos, escutávamos versões remixadas de clássicos do tango e achávamos o máximo. A onda do tango eletrônico começou com Gotan Project e o álbum “La revancha”, cujo hit número um, “Santa Maria (del Buen Ayre)”, foi escutado ao cansaço, abrindo espaço para grupos similares. Mostrando que o sample não tem limites, o Gotan lançou este mês “La Revancha encumbia”, com remixes em cumbia de seus próprios remixes! Gostos à parte, está dado o recado: a cumbia é o ritmo do momento.
Para quem quiser se aventurar por esse universo, a cumbia colombiana original é um começo digno e o ideal. Clássicos como “la cumbia cienaguera”, composta por Juan Jiménez e provavelmente a canção mais conhecida do gênero, são fáceis de encontrar (você sabe onde).
E existem também os modernos grupos de fusão, entre os quais se destaca o ótimo Bomba Estereo. Eles nasceram em 2001, em Bogotá, mas ficaram conhecidos no atual formato em 2009, com o álbum “Blow up” e o hit “Fuego” – que, especialmente se cantado ao vivo, é capaz de ressuscitar mortos. Apesar do responsável pela maioria das composições ser Simón Mejía (loops e bateria), o grupo deve muito de seu charme à vocalista Liliana Saumet, que canta aos gritos e com muita personalidade.
O Bomba Estereo se apresentou no Brasil no festival SWU em 2010. Este ano, depois de tocar no Coachella e gravar um EP só de remixes chamado “Ponte Bomb”, o grupo começou a produção do quarto disco, que dará origem a uma nova turnê a partir de junho. Por enquanto, a manager grupo avisa, para vê-los ao vivo é preciso viajar à Argentina ou ao Peru entre novembro e dezembro. Parece demais? Olhe, que vale a pena.
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