O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, completa nesta quinta-feira (29/04) 100 dias à frente do cargo, com uma marca de 54% de aprovação popular, segundo a média de pesquisas de opinião calculada pelo site FiveThirtyEight. Este número é maior que o de seu antecessor, Donald Trump, mas menor do que praticamente todos os presidentes dos EUA no mesmo período de mandato desde Jimmy Carter (1977-1981).
Neste período, Biden conseguiu passar 11 leis e assinou 42 ordens executivas.
Mas o que mudou nestes pouco mais de três meses? Veja as promessas já cumpridas por Biden, as que ainda faltam cumprir e o que o democrata fez neste período na Casa Branca:
Pandemia: Vacinação nos EUA
Conforme disse que faria durante a campanha eleitoral, o presidente democrata criou uma força-tarefa para conter os contágios da covid-19. A promessa de Biden era distribuir 100 milhões de doses nos primeiros cem dias, mas a meta foi superada por muito: já foram aplicadas mais de 200 milhões em todo o país. Até o momento, 114.8 milhões de estadunidenses foram vacinados, equivalente a 42% da população. Essas cifras foram alcançadas enquanto os Estados Unidos exportaram menos de 10% da sua produção nacional.
O quadro, se positivo por um lado, gera críticas por outro. “Os Estados Unidos estão concentrando as vacinas, enquanto deixam no limbo os países do Sul global. E vemos os ataques contra China e Cuba que estão fazendo o impossível para salvar vidas”, afirma Claudia de la Cruz, militante da Assembleia Internacional dos Povos (AIP) nos Estados Unidos.
Equipes de especialistas que assessoram a Casa Branca apontam que os EUA precisam tomar o lugar da China como principal fornecedor de imunizantes, dentro da disputa geopolítica pela posição de maior potência global.
Uma longa carreira política que chegou ao ápice: quem é Joe Biden?
Biden prometeu enviar 60 milhões de doses da vacina da AstraZeneca para a América Latina. Em março, foram enviadas 2,5 milhões de doses ao México.
O democrata também anunciou investimentos na contenção da pandemia internamente. De acordo com a Casa Branca, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças receberão nos próximos meses US$ 8,7 bilhões em recursos suplementares, o que o governo diz ser o maior aumento em duas décadas.
Apesar do sucesso na contenção da crise sanitária, a diretora da organização The People's Forum, Claudia de La Cruz, assegura que Biden está longe de ser um presidente popular.
“Biden não ganhou por ser o melhor candidato para o povo dos Estados Unidos ou porque o povo entendia que era uma opção que representava os interesses das maiorias. Ganhou porque para muitos era menos doloroso vê-lo ganhar no lugar de Donald Trump, e para outros assegurava os interesses da classe dominante melhor que Bernie Sanders (candidato derrotado nas prévias do Partido Democrata nas últimas eleições)”, analisa.
Economia: O que é o Plano Biden?
O chefe da Casa Branca anunciou recentemente o que ficou conhecido como “Plano Biden”, que prevê o desembolso de US$ 4,15 trilhões (aproximadamente R$ 20,7 trilhões), equivalente a 20% do PIB anual dos EUA, para a recuperação econômica do país.
Pelo tamanho do desembolso, o projeto tem sido comparado com o New Deal, do ex-presidente Franklin Delano Rooselvet, posto em prática para socorrer a economia depois da Grande Depressão de 1929.
O pacote está dividido em duas partes. A primeira, inclui US$ 1,9 trilhão (cerca de R$ 9,5 trilhões) para ajudar pequenas empresas e pagar auxílio emergencial aos mais pobres, além de estender o período de seguro-desemprego.
A segunda parte compreende um plano de investimento em infraestrutura, chamado de Plano de Emprego Americano, no valor de US$ 2,25 trilhões distribuídos, nos próximos oito anos, entre infraestrutura geral e residencial. O valor seria financiado com o aumento de 21% para 28% do imposto corporativo. Se conseguir aprovar essas mudanças irá cumprir outra promessa de campanha que era de aumentar os impostos aos empresários.
Esse valor servirá para fornecer internet à população rural, renovar estradas até realizar incentivos à pesquisa e ao desenvolvimento de fontes de energia limpa.
Na última terça-feira (27/04), Biden assinou um decreto aumentando o salário mínimo para prestadoras de serviço federais de US$ 7 a US$ 15 por hora.
“Essas ações são mínimas, realmente tocam a superfície da crise econômica, que é muito profunda. Temos mais de 40 milhões de desempregados e mais de 45 milhões de desalojados”, denuncia Claudia de La Cruz.
Para o fundador de Opera Mundi, o jornalista Breno Altman, o plano do presidente democrata se parece muito ao pacote aprovado por Trump, no início da pandemia, no valor de US$ 2,2 trilhões de dólares. Assim como ocorreu com Trump, os US$ 1,9 trilhão do plano de Biden são de medidas que expiram em um ano, “apesar de os efeitos sociais poderem se alastrar por muito mais tempo”.
Altman comparou o Plano Biden ao plano de socorro de Barack Obama, após a crise de 2009, que esteve voltado para ajudar os bancos e as grandes empresas. Segundo o jornalista, agora o foco é “permitir que as corporações norte-americanas ampliem sua renda a partir da renovação da infraestrutura interna, invistam em semicondutores e energia limpa, preparando-se para um novo ciclo tecnológico no qual os EUA enfrentarão feroz concorrência chinesa”.
“Muitos se equivocam quando consideram que esteja na essência do neoliberalismo, como uma questão de princípio, a contenção de gastos e investimentos públicos. Sempre que necessário aos interesses da burguesia, da acumulação capitalista, o Estado intervém, mesmo nessa etapa neoliberal, para salvar o sistema”, reforçou.
White House/Flickr
Biden completa cem dias de mandato nesta quinta-feira (29/04)
Para o jornalista, “não precisamos ter qualquer vacilação em afirmar que Biden continua um servidor leal ao capital financeiro e ao neoliberalismo”.
“Difundir ilusões a seu respeito, além de prejudicar a luta da classe trabalhadora e o combate ao imperialismo, significa tremendo, e até ingênuo, erro de análise, quando não ignorância, voluntária ou involuntária, dos dados concretos que estão em jogo”, concluiu.
Mudanças climáticas: a Cúpula do Clima de Biden
Na última semana, Biden concluiu outra de suas promessas centrais de campanha, que era a convocação de uma Cúpula do Clima. Durante o encontro entre líderes, prometeu reduzir as emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 50% até 2030.
Além disso, revogou decretos de Trump, retornando ao Acordo de Paris e cancelou a construção do oleoduto Keystone.
Para o próximo ano fiscal, Biden aumentou em US$ 14 bilhões o orçamento da pasta. A “economia verde” será o carro-chefe da reativação econômica dos Estados Unidos, segundo porta-vozes do governo.
Migração: mais deportações sob Biden
Apesar de, no primeiro dia de mandato, ter emitido um decreto que ampliava o programa de Ação para Chegada de Crianças (DACA – sigla em inglês) — aumentando os prazos para entrega de documentos e permissões de trabalho — o tema migratório é o ponto fraco da gestão, segundo a opinião pública estadunidense.
Biden manteve o limite de entrada de 15 mil refugiados, estabelecido por Trump, apesar de ter prometido que o aumentaria para 62,5 mil.
O democrata também se apoiou em regras estabelecidas pelo republicano para aumentar as deportações. Até março, 60% dos 171 mil imigrantes que cruzaram a fronteira sul do país foram deportados e cerca de 4 mil permanecem detidos.
A gestão bateu recorde de crianças e adolescentes desacompanhados detidos nas unidades do sistema migratório. Até março eram 18.890 jovens detidos – a maior cifra dos últimos 20 anos.
Em fevereiro, Biden criou uma força-tarefa para ajudar a identificar crianças separadas de seus pais e reunir as famílias. No entanto, até o início de abril, nenhuma família havia sido reunida.
Em relação ao muro fronteiriço entre Estados Unidos e México, o mandatário havia estabelecido um prazo de 60 dias para revisar o projeto. Washington não enviou mais recursos para a construção, mas, também, não suspendeu as obras.
Ainda nos primeiros dias de gestão enviou um projeto de lei para legalizar a situação de imigrantes que entraram no país de maneira irregular, que desde então está parado no Congresso.
Os pactos de migração com o México e as nações da América Central terão um orçamento de US$ 861 milhões para o próximo ano. Organizações sociais questionam que a maior parte da verba é direcionada para aumentar a patrulha nas fronteiras ao invés de atacar os motivos que geram a imigração: desemprego, pobreza e violência nos países de origem.
O governo mexicano já enviou 10 mil soldados a mais para vigiar sua fronteira, enquanto Honduras mandou 7.000 efetivos e Guatemala deve deslocar mais 1.500 homens aos 12 postos de controle fronteiriço.
Política externa: Rússia, China e Irã
Este talvez seja o aspecto em que a administração Biden mais se assemelha à gestão do seu antecessor republicano. Nos primeiros dias de mandato, o Pentágono voltou a bombardear a Síria, revivendo a guerra, que já dura dez anos.
No orçamento do próximo ano fiscal dos EUA, o presidente aumentou em 1,7% as verbas para defesa, chegando a US$ 753 bilhões, sete vezes superior ao valor destinado para financiar a educação.
“Vemos uma reafirmação da agenda imperialista dos EUA. Em geral, os democratas nunca abandonaram essa posição de guerra”, aponta de La Cruz.
Além disso, o democrata não retrocedeu na guerra comercial contra a China, apontando o país asiático como o principal adversário dos EUA e nomeando uma embaixadora da ONU com um histórico “anti-China” e emitiu novas sanções acusando suposta violação de direitos humanos no território chinês.
“Esses ataques à China representaram um aumento dos crimes de ódio contra os imigrantes asiáticos dentro dos Estados Unidos”, afirma de La Cruz.
Por outro lado, também aumentou a tensão com a Rússia, acusando o presidente Vladimir Putin de ser um “assassino”, emitindo novas sanções e expulsando dez diplomatas russos de Washington.
Biden também havia prometido reativar as negociações com o Irã sobre o Acordo Nuclear, assinado em 2015 durante a gestão Obama, e abandonado por Trump.
Em relação à América Latina, Washington continua reconhecendo o autoproclamado Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela e concedeu o Status de Proteção Temporal (TPS – siglas em inglês) a 320 mil venezuelanos residentes nos EUA.
“No caso do conflito na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, Biden não só aproveitará, como seguirá criando as condições para um possível ataque contra a Venezuela, contra Cuba e Bolívia”, defendeu de La Cruz.
Apesar das expectativas logo após sua eleição, Joe Biden também não retomou a negociações de retomada de relações diplomáticas com Cuba, interrompidas ou até anuladas durante a gestão republicana.
(*) Com reportagem de Michele de Melo, no Brasil de Fato