Em um território onde as bandeiras ainda são instáveis e um dos pontos centrais do conflito – estamos falando de Israel e Palestina – é a questão dos direitos nacionais, uma mudança brusca de eventos pode provocar novas paixões, novas ligações de identidade nacional.
José Telles de Menezes/Opera Mundi
O protesto em Bil´in, Cisjordânia
Caminhar na última semana pelos territórios ocupados da Palestina, nas ruas da Cidade Velha e por Jerusalém Leste, no centro de Ramallah, nos protestos das vilas rurais da Cisjordânia, é defrontar-se com a nova nacionalidade estatal palestina: a Turquia.
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A identidade nacional continua lá, palestina como sempre, as bandeiras não saem da frente das casas ou das ruas, mas como a ANP (Autoridade Nacional Palestina) não lhes serve para saciar a vontade de um Estado, o novo herói turco ganha espaço para estes ocupados.
Em Bil´in, no protesto desta sexta-feira (4/5), na “reencenação” do ataque à frota de Gaza do início da semana, que contou com piratas estilizados como israelenses, a bandeira da Turquia dividia com a da Palestina o ponto mais alto no mastro. E se o mesmo viajante pudesse sair às ruas deste território, e inclua no roteiro cidades com forte presença de palestinos (os árabe-israelenses) dentro de Israel, como Akko (Acre) ou Haifa, veria que a Turquia seria o time de coração desses palestinos na Copa do Mundo que se aproxima. “Brasil?!”. “No, Turquia”, me diz um árabe-israelense no mercado da Cidade Velha de Akko.
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Essa ligação “nacional” não vem apenas pelo fato de o barco que sofreu o ataque mais violento do exército israelense na frota de Gaza do início dessa semana navegasse com bandeira turca. Um início mais claro numa mudança do Estado turco em direção a uma posição mais pró-palestina e de atrito nas boas relações que mantinha com Israel ficou patente quando o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan se levantou em retirada de uma sessão oficial sobre Gaza no fórum de Davos, em fevereiro de 2009. Era um protesto pelas explicações que justificavam o ataque de Israel à Faixa de Gaza no início de 2009 proferidas por Shimon Peres logo à cadeira ao lado e o ao pouco tempo que teve para retrucar.
No final de 2009, uma série produzida pela TV estatal turca desagradou autoridades israelenses. “Separation: Palestine in Love and In War” mereceu uma resposta do Estado israelense. Ela suscita “ódio contra Israel” e não tem o “valor para ser transmitida nem mesmo em um Estado inimigo”, publicou o Yedioth Ahronot em 20 de março, quando canais árabes começariam a transmiti-la, o que a levaria a lares de palestinos.
Em uma sessão do embaixador turco em Israel com o Ministro das Relações Exteriores Danny Ayalon, em fevereiro, o descontentamento ficou claro. Em detalhes (cadeira mais baixa para o turco, ausência da bandeira da Turquia na mesa que seria cenário para as fotos dos jornalistas, recusa em apertar-lhe a mão), Israel humilhou o embaixador nos termos da do mundo da diplomacia.
Agora, o barco turco foi palco da morte de ativistas (para os israelenses, terroristas) turcos e foi um dos pontos de mais destaque nos debates sobre o ataque à frota, apareceu na mídia israelense, tanto no Haaretz (que assumiu uma postura crítica à ação) quanto no Yedioth Ahronot (que seguiu as linhas vistas na versão oficial).
Mas os palestinos têm um problema de confiança com relação a poderes e Estados. Enquanto na agradável quinta-feira à noite de Bil´in, o barco da “reencenação” era pintado com a simulação de ondas na sua parte baixa e a bandeira da Turquia em destaque em toda a sua lateral, Ahmad Khatib, morador, observava. E à minha provocação “é, a Turquia agora é a grande paixão dos palestinos”, ele responde: “Só por esta semana. Semana que vem já teremos uma outra paixão”.
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