Durante a coletiva de imprensa nesta quinta-feira (22/06) que encerrou sua visita oficial a Itália, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contou detalhes de seus encontros com políticos italianos e o papa Francisco, voltou a falar de paz na Ucrânia, de acordos comerciais, e tocou em um tema sensível aos europeus: a política migratória.
Para Lula “é necessário permitir o trânsito livre de seres humanos, da mesma forma que se permite o trânsito livre do dinheiro”. “O dinheiro circula por todos os países sem mostrar passaporte. A gente precisa ter mais paciência e maturidade para defender os migrantes, as pessoas fogem porque não têm como sobreviver” disse.
Segundo o presidente, as pessoas por natureza são nômades: “o ser humano por natureza busca o que comer, busca trabalhar, busca por melhores condições. Se você tem centros de pobreza no mundo, centros de violência, é normal que as pessoas queiram transitar de um lugar para outro”.
Lula destacou a importância que da esquerda construir o discurso de defesa da imigração, para fazer o embate com os setores mais conservadores da Europa. “Uma extrema direita está nascendo, com discursos muito duros. Precisamos defender com mais clareza o que acreditamos. Precisamos de uma nova utopia e da juventude, de um sonho para continuar lutando”, afirmou.
Lula tocou o dedo nessa grande ferida europeia. Não passou nem duas semanas do que está sendo chamado de maior tragédia migratória no Mediterrâneo, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Um barco de pesca que transportava cerca de 750 imigrantes naufragou na costa do Sul da Grécia. Dessas, somente 100 sobreviveram. Os relatos indicam que pelo menos 100 crianças poderiam estar a bordo.
A defesa do direito à imigração é mais um ponto em comum entre o presidente brasileiro e o Papa Francisco, que há 10 anos denuncia a política anti-migratória, não só da Europa, mas do mundo todo. Um de seus primeiros gestos como líder da Igreja Católica foi jogar flores no mar Mediterrâneo – que ele chama de cemitério – em homenagem às milhares de pessoas que morreram afogadas na tentativa de travessia em rumo ao Velho Continente, buscando uma vida melhor.
Lula disse não ter dúvidas de que, hoje, o Papa Francisco é a mais importante autoridade que existe no planeta, não só pelo que representa, mas pela sua luta na questão da desigualdade. “A luta contra a desigualdade tem que estar no topo”, disse.
Paz na Ucrânia
No encontro com o pontífice, Lula também falou sobre a paz na Ucrânia. O tema foi recorrente em todos os encontros do presidente. Com uma agenda apertada, em menos de dois dias, Lula se encontrou não só com Francisco, mas também com o ex-primeiro-ministro italiano Massimo D’Alema, com a secretária-geral do Partido Democrático, Elly Schlein, com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, com a primeira-ministra, Giorgia Meloni, e com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri. Também reservou um espaço na agenda para visitar um amigo, o sociólogo Domenico De Masi.
“Não queremos uma nova guerra, não queremos guerra nenhuma”, disse Lula. “Eu concordo com o Papa Francisco: é preciso colocar os atores em uma mesa de negociação, é preciso parar de atirar e encontrar uma solução pacífica”, afirmou o presidente, que também qualificou o conflito como uma “guerra desnecessária”.
Ricardo Stuckert
Lula reuniu-se com primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni
O presidente afirmou que tem a intenção de encontrar um denominador comum que permita o diálogo entre ucranianos e russos. Para Lula, “o acordo de paz não é uma rendição. Os dois lados devem ganhar alguma coisa, se não, não é um acordo, é rendição e imposição. Mas quem sabe o que é necessário para o acordo são os ucranianos e os russos. A guerra começou quando não deveria começar, pessoas morreram e coisas foram destruídas”, disse ele, afirmando que, “quando o ser humano está disposto a fazer, ele faz”.
O presidente ainda falou sobre a geopolítica que mudou e a necessidade de adaptar a Organização das Nações Unidas (ONU) a uma nova realidade. “O mundo não é mais o mesmo de quando a ONU foi criada. A agência teve competência para criar Israel e não tem competência para criar a Palestina”, declarou.
Como já havia antecipado na quarta-feira (21/06), na declaração dada à imprensa durante seu encontro com Gualtieri, Lula reafirmou que esta foi uma visita de gratidão ao colega que esteve com ele em Curitiba, quando se encontrava preso por conta da operação Lava Jato.
No caso das reuniões com Mattarella e Meloni, o mandatário as aproveitou para convidá-los a visitar o Brasil, visto que ambos não conhecem o país.
Lula afirmou que falou com o presidente e com a primeira-ministra sobre a questão da transição energética e ressaltou que o Brasil é o país do mundo com maior capacidade de produção de energia limpa. “Conversamos sobre a questão do clima, sobre a Conferência do Clima (COP) que será realizada na Amazônia em 2025. As pessoas terão a possibilidade de colocar o pé no estado do Pará e ver de perto o que é a Amazônia”, disse o presidente, que ressaltou a dívida histórica que os países industrializados têm em relação aos que estão se industrializando.
Nicarágua e Assange
O presidente também fez críticas à perseguição a religiosos na Nicarágua e disse que falaria com o presidente do país Daniel Ortega sobre o assunto. “Acho que a Igreja está com padres e bispos presos. A única coisa que a Igreja quer é que eles sejam libertados, para vir para a Itália, disse Lula. “Pretendo falar com o Ortega a respeito”.
Antes de encerrar a coletiva, Lula voltou a defender a liberdade do jornalista australiano Julian Assange e chamou a imprensa de covarde. Ele disse que está indignado com “os defensores da liberdade de imprensa” em relação à extradição de Assange do Reino Unido.
O fundador do site WikiLeaks enfrenta 18 acusações sob a Lei de Espionagem dos Estados Unidos, por publicar informações confidenciais. Para o presidente, Assange “foi preso porque denunciou ao mundo a espionagem norte-americana” e corre o risco de ser condenado a prisão perpétua. “E eu não vejo nenhuma manifestação da imprensa em defesa da liberdade de imprensa. É inacreditável. Nem o jornal que publicou a matéria defende ele. O nome disso é covardia”.
A coletiva aconteceu em uma sala do hotel Villa Agrippina Gran Meliá, onde Lula estava hospedado durante sua passagem pela capital italiana.