Durante a reunião de cúpula do G20, realizada neste fim de semana na Índia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu entrevista a um canal de tevê local, o Firstpost, e disse que o russo Vladimir Putin não seria preso se viesse ao Brasil, o que contrariaria uma determinação do Tribunal Penal Internacional (TPI), do qual o Brasil é signatário.
Devido à repercussão, ele voltou ao tema nesta nesta segunda-feira (11/09) e disse que a decisão sobre o presidente russo seria da Justiça brasileira. Mas o petista questionou o fato de o Brasil ser membro do tratado, sendo que outros países não o são, em especial os Estados Unidos.
“Se o Putin decidir ir ao Brasil, a Justiça é quem vai decidir se deve prendê-lo ou não”, disse o presidente brasileiro durante entrevista coletiva em Nova Deli, após o final da cúpula. “Mas eu quero saber por que o Brasil é signatário de um tratado que os Estados Unidos não respeitam”.
Questionado se tem planos de excluir o Brasil do tribunal, ele respondeu: “não sei, mas vou estudar melhor esse assunto. Quero saber por que entramos. A Índia não entrou, nem a China, nem a Rússia, nem os Estados Unidos”.
No final da entrevista, uma jornalista indiana tocou novamente no assunto e o presidente disse ter a impressão de que só “bagrinhos” assinam o TPI, em referência ao fato de muitas potências estarem de fora. Mencionou especificamente os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Dos cinco membros permanentes, França e Reino Unido são signatários. Os três outros (Rússia, China e Estados Unidos) não são. Lula tem falado insistentemente sobre a necessidade de reformar instâncias multilaterais, como o Conselho de Segurança, para que países em desenvolvimento tenham mais espaço, e também tem cobrado que, na geopolítica internacional, as relações sejam mais equilibradas.
O Brasil é um dos 123 signatários desde 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso aderiu ao TPI. Em março de 2023, o tribunal emitiu mandado de prisão contra Putin por crime de guerra de deportação ilegal de crianças e transferência de crianças de áreas ocupadas da Ucrânia para a Rússia.
No mês passado, o presidente russo não participou da cúpula do Brics em Joanesburgo, já que a África do Sul é signatária e, portanto, teria que prendê-lo caso ele pisasse em seu território. O país signatário que se recusa a cooperar pode virar tema de assembleia interna com os demais integrantes ou até mesmo ser levado ao Conselho de Segurança da ONU, onde pode ser definida uma penalidade.
Ricardo Stuckert/PR
Lula: ‘fazer toda União Europeia colocar a paz na ordem do dia é um avanço importante’
Guerra
Outro tema abordado na entrevista coletiva foi a guerra entre Rússia e Ucrânia. Segundo Lula, não foi pouca coisa o G20 ter emitido uma declaração conjunta enfatizando que a melhor forma de lidar com o conflito é a busca da paz. “Fazer toda a União Europeia colocar a paz na ordem do dia é um avanço importante”, enfatizou.
Biocombustível
Outro avanço importante, disse o presidente, foi a criação da Aliança Global para Biocombustíveis, realizada à margem da cúpula. A iniciativa, que conta com a participação dos três principais produtores de biocombustíveis do mundo (Brasil, Estados Unidos e Índia), reúne 19 países e 12 organizações internacionais com o objetivo de fomentar a produção sustentável e o uso de biocombustíveis no mundo.
“Em 2008, a União Europeia dizia que até 2020 ia colocar 10% de etanol na gasolina. Não aconteceu. O Japão dizia que ia colocar 3%, não aconteceu. E nos continuamos aperfeiçoando a produção de etanol”, afirmou Lula. “O Brasil tem competência extraordinária e achamos essa iniciativa muito importante para o nosso futuro. Finalmente, o mundo está se dando conta de que os biocombustíveis podem resolver o grande problema que é a emissão gases de efeito estufa pelos derivados de petróleo”.
Para ilustrar a importância da aliança, o presidente disse que ela envolve quase três bilhões de pessoas e fez um prognóstico fictício. “Imagina se decidimos dobrar a produção de etanol até 2030. É uma coisa extraordinária”.
Contexto
O Brasil mistura atualmente 27% de etanol na gasolina e pretende ampliar esse índice para 30%, segundo o governo brasileiro informou recentemente. A Índia tem um programa de biocombustíveis que prevê adoção de 20% de mistura de etanol na gasolina, fabricação de automóveis flex, desenvolvimento e produção de biocombustíveis de segunda geração. No processo de desenvolvimento dessa política, Brasil e Índia trabalharam juntos tanto no nível governamental como no nível acadêmico, tecnológico e empresarial.
De acordo com dados da Agência Internacional de Energia, a produção global de biocombustíveis sustentáveis precisa triplicar até 2030 para que o mundo possa alcançar emissões líquidas zero até 2050. Os biocombustíveis líquidos forneceram mais de 4% do total de energia para os transportes em 2022, mas seu uso ainda tem grande potencial de crescimento. O uso de biocombustíveis na aviação e na navegação, para reduzir as emissões dos respectivos setores, aumentará ainda mais o consumo mundial e a necessidade de ampliação do número de fornecedores.