Há meses a França vive em meio a comícios, passeatas e debates televisivos com os candidatos às eleições presidenciais deste ano. No entanto, a campanha oficial começou somente nesta segunda-feira (09/04), a duas semanas do primeiro turno. Dez dias depois do anúncio do resultado oficial do segundo turno, em 6 de maio, o novo presidente francês assumirá suas funções.
O prazo é curto e as despesas restritas. A campanha é financiada majoritariamente pelo Estado: o Conselho Constitucional francês estabelece um limite de 16,166 milhões de euros para as despesas por candidato no primeiro turno, a fim de evitar a disparidade entre eles, com a utilização de fortunas privadas no processo.
Hino da campanha de Nicolas Sarkozy:
A subvenção, que reembolsa ao menos um vigésimo dos gastos, favorece a presença de pequenos candidatos. Para os que receberem mais de 5% dos votos do eleitorado, o governo retorna 50% do dinheiro investido. Os partidos também têm um papel importante no financiamento de campanha, já que os recursos doados por empresas e sindicatos são proibidos e os de particulares não podem ultrapassar o teto de 4.600 euros.
A medida que visa restringir o poder de influência de corporações nas decisões do futuro governo é acompanhada de uma ação anticorrupção — todos os presidenciáveis devem fazer uma declaração de seu patrimônio antes de assumir o cargo e outra depois.
As armas
Cartazes e a distribuição de panfletos ficam concentrados nas proximidades das zonas eleitorais. Outdoors, carros de som e material promocional de peso, como adesivos, camisas, bonés, chaveiros, bottons e os mais variados brindes são quase inexistentes. Embora as megaproduções à moda americana, tenham inspirado o marketing eleitoral desde 2007, elas são uma realidade apenas para os dois principais candidatos, François Hollande, do PS (Partido Socialista) e o atual presidente Nicolas Sarkozy, da UMP (União por um Movimento Popular).
No final de janeiro, o comício socialista reuniu 25 mil militantes, segundo os organizadores, no norte de Paris e representou uma despesa de quase UM milhão de euros, a metade do orçamento da candidata ecologista Eva Joly ou mais de três vezes o do quase desconhecido Jacques Cheminade, do Partido Sociedade e Progresso. Já no último dia 11 de março, Sarkozy reuniu cerca de 80 mil partidários, vindos de todo o país em ônibus fretados pelo partido, para um megacomício em Villepinte, região parisiense.
Para Bernard Denni, especialista em ciências políticas no Instituto de Estudos Políticos de Grenoble e um dos responsáveis do Trielec 2012, programa de análise da campanha eleitoral e do comportamento dos eleitores, diferentes formas de fazer campanha coexistem. “Não podemos esquecer a mobilização importante e totalmente diferente de Jean-Luc Mélenchon, candidato da extrema-esquerda, no dia 18 de março. O que é interessante é ver uma fração do eleitorado nas ruas, desfilando em duas praças simbólicas da capital, como a Nation, que representa a república laica e a da Bastille, pela alusão ao espírito revolucionário. Essa ideia da rua como o lugar de expressão popular por excelência contrasta com os comícios e a imagem controlada dos dois candidatos mais cotados”.
Mantendo o ritmo
Apesar de shows de cantores famosos não entrarem na programação dos comícios franceses, eles contam sim com uma trilha sonora. Sarkozy optou por um sóbrio tema instrumental em harmonia com seu lema “A França Forte”, composto e gravado por uma orquestra búlgara, em Sofia. Enquanto Hollande, mais pop, adotou a música “A Mudança é Agora” (Le Changement c'est maintenant), que é mesmo acompanhada de um curiosa coreografia de adesão ao candidato. O slogan de campanha e título da música é repetido não menos de 20 vezes ao longo de seus quatro minutos de duração. Ambas as canções vêm inspirando paródias que se multiplicam no site YouTube.
Na televisão e no rádio, nada de horário delimitado em rede nacional, onde candidatos se sucedem vendendo suas qualidades e enumerando promessas, como no modelo brasileiro de propaganda eleitoral gratuita. Mas mesmo sem a obrigatoriedade, a presença dos candidatos na mídia é diária e se confunde com a grade habitual. Ela é garantida por uma maratona de reportagens especiais, debates e programas de entrevista. Diante de jornalistas, especialistas ou de seus adversários são destrinchados pontos-chave dos programas de governo, como emprego, imigração, segurança e opiniões sobre questões polêmicas da atualidade, como o consumo de carne Halal ou Casher ou o recente massacre de Toulouse, que chocou o país.
Desde o anúncio oficial das candidaturas em 20 de março, o tempo de aparição nos meios audiovisuais passou a ser controlado pelo Conselho Superior do Audiovisual, (CSA). Ele deve ser equitativo para cada candidato. Cabe a cada veículo decidir os horários, formatos e programas em que eles serão convidados.
Já jornais e revistas acompanham sem restrições todos os deslocamentos e declarações da campanha. Além da França, os territórios franceses de Guadalupe, Martinica, Guiana, Saint-Pierre e Miquelon, São Bartolomeu, São Martinho e a Polinésia Francesa também votam e, claro, são palco de comícios.
De acordo com Bruno Cautrès, especialista do Instituto de Estudos Políticos, coautor de Como os eleitores fazem sua escolha? – o eleitorado francês em 2007 e de O voto dos franceses de Mitterrand a Sarkozy, 1988-2007, a imagem dos candidatos é uma dimensão que tem ganhado espaço na hora de definir o voto.
“Aparecer como competente, ter a personalidade e o perfil para ser presidente da República é algo muito importante. Isso contou muito em 2007, quando a socialista Ségolene Royal tinha preocupações mais próximas das dos franceses, mais Sarkozy tinha muito mais do que ela a imagem de ter o perfil de presidente. Hoje, ele continua tendo incontestavelmente uma vantagem sobre Hollande, em relação a essa estatura presidencial”.
Seduzindo o eleitorado
O atual pensamento do eleitorado de que o resultado já foi definido por antecipação é para Denni um sinal de que deve haver um aumento das abstenções esse ano. “No entanto, a primária do PS, pela primeira vez aberta a não-membros, mobilizou desde outubro os eleitores de esquerda e observamos mais interesse pela campanha, desde então”. Em pesquisa publicada no último mês, o Trielec denuncia um comportamento negativista nos discursos de campanha que consiste em criticar o adversário e recusar propostas, mais do que apresentar soluções próprias para as principais demandas francesas.
Mais otimista, Cautrès defende a importância do período de campanha para descobrir os candidatos e se sensibilizar às propostas. “Esse é a segunda fase de influência, dentro do processo de como os eleitores fazem sua escolha. A proporção de eleitores que hesitam quanto a sua escolha se reduziu muito nas últimas semanas, mas ainda é da ordem de um terço do eleitorado”, revela.
O especialista não gosta da expressão “voto comunitário”, pois acredita que nem judeus, nem muçulmanos ou outro grupo socioreligioso seja organizado ao ponto de influenciar o voto do conjunto de seus membros. Mas admite, assim como Denni, que o país tenha uma mapa eleitoral estável de uma eleição a outra. “A França do oeste continua sendo uma região da direita, mas em grandes cidades, como Rennes, houve uma entrada da esquerda, tendências e novas linhas se afirmam”.
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