Reprodução/Wikicommons
Estudantes voltaram às salas de aula, mas ainda penam para pagar as contas
“Ficar sem conhecimento é ficar sem luz”, diz um provérbio somali. Até recentemente, a guerra civil que assola o país há mais de duas décadas era a maior preocupação dos universitários locais. No entanto, após uma maior pacificação da capital Mogadício, o problema passou a ser o acesso à educação superior, pois as mensalidades passaram a pesar nos bolsos dos estudantes.
O conflito na Somália, que envolve o governo e tropas africanas contra o Al Shabab, milícia islâmica aliada à Al Qaeda, provocou o deslocamento de centros de ensino para lugares menos violentos. Em 2006, a Universidade da Somália foi a primeira a se mudar, da capital para Elasha Biyaha, nos arredores.
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“Nós abrimos três campi, porque alguns alunos tinham ligações com o governo e outros com a Al Shabab, e assim não podiam ir a certos lugares ou cruzar certas linhas”, diz Mohamed Abdiweli Ali, reitor da universidade. O número de alunos caiu durante o conflito, mas os matriculados agora aumentam, com a melhora na segurança. E nem precisam se preocupar com arranjar trabalho após a graduação, graças à alta demanda por trabalhadores qualificados em uma Mogadício cheia de oportunidades econômicas.
Em 2012, a capital foi retomada por tropas da União Africana, da Etiópia e do próprio governo. Com essa vitória, foi possível a formação do primeiro governo central e federal desde a morte do ditador Mohamed Siad Barre, em 1991. A vida dos moradores da capital melhorou, mas também encareceu.
A quantidade de pessoas voltando da diáspora provocou uma alta nos preços de propriedades e acomodação, com um mercado imobiliário em ebulição. Fontes somalis afirmaram ao jornal britânico The Guardian que uma propriedade em 2009, avaliada em 600 mil dólares e tradicionalmente alugada por 300 dólares mensais rende agora 4,5 mil dólares por mês.
A estudante do primeiro ano de medicina, Amal Abdikarin, disse ao jornal que não se preocupa mais com o Al Shabab e os tiros, mas com o custo de sua educação. “Agora meu primeiro problema são os 125 dólares que tenho que pagar por mês para estudar. É demais para meus pais”.
Todas as universidades na Somália são administradas pelo setor privado e as bolsas escolares são escassas. Aproximadamente 43% da população do país está abaixo da linha da pobreza, de acordo com um relatório do Programa de Desenvolvimento da ONU. Assim, a educação superior se torna ainda mais inacessível.
Aweis Haddad, secretário geral para Juventude e Trabalho, afirma que o novo governo, eleito em setembro de 2012, reconhece que as taxas são altas demais para o cidadão médio e está se esforçando para construir universidades públicas e reconstruir as públicas, destruídas durante a guerra.
“Fui educado de graça e o governo ainda me deu uma bolsa para estudar ”, diz Haddad. “Nós gostaríamos de ver isso novamente. Já estamos fazendo progressos: há 1600 escolas primárias públicas, das quais não tínhamos controle há um ano. Logo começaremos a construir universidades do governo que serão acessíveis para os alunos academicamente capazes, mas que, financeiramente, não têm condições”.
Aumentar o número de mulheres na educação superior é outra prioridade, em uma sociedade com disparidade de gênero crescente a partir do ensino secundário – sem contar que casamentos prematuros, horários das aulas e dificuldades econômicas contribuem para uma maior evasão de meninas, segundo o relatório da ONU. “Metade da população é feminina, existe uma necessidade de educá-las. Al Shabbab as preveniu de ir à escola, mas nós encorajaremos isso”, diz Haddad.
Apesar de todos os obstáculos, os somalis “são um povo muito resistente. Mesmo com guerra, fome e deslocamentos, estudantes e funcionários ainda apareciam para a aula. Quando nossas classes foram destruídas, ensinamos debaixo de árvores. Recusamos a fechas as portas porque você nunca sabe quando a guerra terminará”, diz Abdiweli Ali.
* Com informações do The Guardian