O fechamento por decreto da ERT (Ellinikí Radiofonía Tileórasi, ou Corporação Helênica de Radiodifusão, rede pública de rádio e TV da Grécia) no dia 11 de junho e a demissão imediata de seus 2.656 funcionários tem como pano de fundo uma polêmica licitação de sinal digital no país. De acordo com a imprensa independente grega, o certame, que será publicado no dia 30, já tem um virtual vencedor: o consórcio Digea, formado pelos seis maiores grupos de comunicação da Grécia, todos notadamente pró-governo e pró-troika.
Efe (20/06/2013)
Funcionário da ERT protestam em Atenas contra demissões em massa e fechamento da emissora, chamada de “BBC grega”
Estabelecido em 2009, o Digea realiza a transição para o sinal digital da Grécia com base em uma decisão ministerial de 2008. Os grupos de comunicação que o integram, donos das redes de TV Mega, Skai, Antenna1, Alpha e Star, líderes de audiência, estão ligados à exploração de petróleo, à indústria naval e possuem contratos com o governo. Segundo o consórcio, 21 canais operam hoje sob sua tecnologia “com equipamentos perfeitos, infraestrutura necessária, assim como mão-de-obra treinada a serviço de estações de TV tanto nacionais como locais.”
No entanto, a eventual vitória do Digea na licitação, que lhe dará pleno domínio sobre o conteúdo digital no país, é vista com preocupação por parte de meios de comunicação regionais, que sublinham um atentado à liberdade de imprensa atrelado a interesses econômicos nas retransmissões. “Este seria o fim dos pequenos canais regionais privados”, afirmou a União dos Canais Regionais da Grécia, segundo a rede independente rbnews.
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Recentemente, o KKE (Partido Comunista da Grécia) reclamou que já teve o sinal de seu programa de TV cortado pelo Digea. “Cabe destacar que, por ordem do governo, cada vez que o canal de televisão de 902 [nome da rede comunista] transmite o programa dos trabalhadores grevistas da ERT, a empresa privada provedora de frequências digitais corta o sinal de imediato, calando e censurando o canal de televisão do KKE. Trata-se de um autoritarismo provocador que acompanha a ofensiva antipopulação do governo tripartite”, afirmou o partido, em nota.
Fechamento e crise
A ERT, apelidada pela imprensa britânica de “BBC grega”, era custeada por uma taxa atrelada à conta de eletricidade. Seu fechamento gerou a pior crise política no país desde a atabalhoada eleição de 2012 e estremeceu a coalizão governista do premiê Antonis Samaras, do partido de centro-direita Nova Democracia. Após tomar a medida, a gestão Samaras perdeu o apoio de 15 deputados do partido Esquerda Democrática e está agora na corda-bamba, com maioria tênue de apenas três cadeiras no Parlamento grego.
Mesmo com o fechamento oficial da ERT há 12 dias, jornalistas e funcionários ocupam o prédio da emissora e transmitem programas pela internet. Eles têm recebido solidariedade de outras redes públicas europeias, como a RTP portuguesa e a RTVE espanhola, que fizeram paralisações para chamar atenção ao “autoritarismo” da medida de Samaras. A orquestra da ERT também se recusou a parar suas atividades e fez apresentações ao ar livre.
“Os conjuntos musicais como sempre buscam elevar o sentimento do povo grego através da arte, da tradição, do caráter grego e de sua cultura que, durante a turbulência política, foram brutalmente atingidos por todo tipo de mecanismo político. Isso, combinado ao lixo da televisão privada, arruinou todos os valores da nossa sociedade”, escreveu a orquestra, em nota.
Músicos emocionados durante concerto da orquestra da ERT, em Atenas:
Decisão judicial
Uma decisão da justiça grega que pediu o restabelecimento imediato da ERT e a readmissão de seus funcionários não foi acatada pelo governo. A coalizão de Samaras, composta agora por Nova Democracia e o partido de centro-esquerda PASOK, alega que está “interpretando” o caso. A ERT, segundo o governo, será substituída em agosto por uma rede menor que já tem nome: NERIT (Nova Rede Helênica de Rádio, Televisão e Internet).
Se aprovada pelo Parlamento, a NERIT terá menos funcionários e provavelmente ocorrerá um expurgo de jornalistas que não adotem a linha do governo. “Os jornalistas que ainda resistem são reprimidos, ameaçados e estão em uma lista negra. A maioria está desempregada, é a melhor maneira de calar”, disse Thomais Papaioannu, correspondente da ERT na França ao jornal espanhol 20 Minutos.