O ano de 2011 começou com uma onda de protestos populares no mundo árabe. Apesar do foco das mobilizações ter se restringido ao Norte da África e ao Oriente Médio, o mundo todo sentiu o barulho provocado pelas exigências e manifestações.
Seis meses após o início das revoluções, pouco se ouve falar sobre as conquistas populares obtidas após os levantes e, principalmente sobre a atual situação de cada um dos países.
Revolução de Jasmin
Os conflitos começaram no último dia 19 de dezembro, quando o jovem tunisiano e graduado, porém desempregado, Mohamed Bouaziz montou uma barraca de frutas e vegetais, mas teve seus produtos confiscados pela polícia local. Bouaziz protestou contra a ação e foi morto a tiros.
Revoltados, centenas de jovens iniciaram os protestos que, com o tempo, se espalharam e ganharam cada vez mais adeptos, também em outros países da região. Após uma forte onda de protestos, o ditador Zine el Abidine Ben Ali foi deposto no dia 14 de janeiro. Um governo de transição foi então instalado e o ex-presidente deverá ser julgado à revelia no próximo dia 20.
Leia aqui sobre a repercussão do movimento na mídia
O anúncio foi feito na última segunda-feira (13/06) pelo primeiro-ministro do governo de transição, Beji Caid Essebsi. O ex-ditador está, atualmente, refugiado na Arábia Saudita.
Leia mais:
Premiê tunisiano anuncia que julgamento de Ben Ali começa em sete dias
Kadafi, Mubarak e Ben Ali têm bens congelados na Suíça
Tunísia terá eleições constituintes em 23 de outubro
Surpresa: a Tunísia era uma ditadura
Uma revolução começou — e será digitalizada
Para José Farhat, diretor de relações nacionais e internacionais do Icárabe (Instituto da Cultura Árabe), o processo revolucionário tunisiano tem complicações que devem ser consideradas.
“Eles não tem registro de eleitores e adiaram as eleições para outubro, para providenciar essa questão. A eleição tem que refletir a vontade popular. Essa vontade está principalmente na juventude, que nunca se imaginou em uma zona eleitoral”, explicou.
Egito
Farhat afirma que o caso do Egito é semelhante. O país, motivado pela revolta tunisiana, voltou-se contra seu presidente, Hosni Mubarak, no final de janeiro. Após uma intensa pressão popular concentrada na Praça Tahrir, no Cairo, e reprimidas por apoiadores do presidente, Mubarak renunciou ao poder em 11 de fevereiro. Um governo provisório também foi estabelecido, mas ainda é necessário tempo até que a situação do país possa avançar.
Efe
Tanques egípcios ocupando a praça Ramsés, no Cairo, no início das manifestações, em 19 de janeiro.
“A adaptação do governo provisório do Egito demanda tempo. Eles encontraram problemas sérios como, por exemplo, a falta de gás nas residências egípcias”, afirmou.
Para a historiadora Arlene Clemesha, conselheira do Icárabe e professora da USP (Universidade de São Paulo), a revolução egípcia foi, além de essencial para o país, a grande responsável pelas revoltas da região.
Leia mais:
Egito encerrará toque de recolher a partir de 15 de junho
Euforia, banho de sangue e caos no Egito
Policial é condenado à morte no Egito pelo assassinato de manifestante
Militares egípcios prometem nova Constituição antes das eleições
Para manter estabilidade, governo egípcio promete “mão de ferro”
“A revolta mais significativa aconteceu no Egito, por este ser o país central no mundo árabe, o mais populoso, com 80 milhões de habitantes, e de onde surgem as diretrizes culturais e políticas. É lá onde fica o principal cinema, a principal TV. O país é uma referência intelectual, então foi o que mais influenciou as outras nações da região para que o efeito dominó acontecesse”, avaliou.
Iêmen
Seguindo as influências da região, no final de janeiro os iemenitas reuniram-se em Sanaa, a capital do país, para exigir a renuncia de Ali Abdullah Saleh, no poder há 33 anos – antes mesmo da reunificação entre o sul e o norte. Como resposta, o governo lançou uma forte repressão o que ocasionou confrontos com manifestantes em diversas cidades do país.
Entre as reivindicações estavam o combate ao desemprego, da pobreza e da desigualdade do país, que atualmente está dividido entre a população xiita do norte e o movimento separatista do sul.
Após fortes confrontos e o registro de maior número confirmado de crianças vitimadas entre os países onde foram registrados levantes populares contra os regimes autoritários – segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) foram 26 mortas, 36 feridas, 47 agredidas e 663 expostas a gás lacrimogêneo –, opositores e governistas chegaram a um acordo, assinando um documento, em 21 de maio, que previa uma transferência ordenada do poder.
Leia mais:
Iêmen: outra ditadura derrubada?
Charge: Iêmen se livra de Saleh
Presidente do Iêmen e aliados foram feridos em atentado que matou três pessoas, dizem agências
Confrontos em Sanaa entre milicianos tribais e polícia deixam 40 mortos
Oposição iemenita assina iniciativa para transferência de poder
Mediador entre governo e oposição deixa Iêmen sem acordo para encerrar crise
No entanto, o acordo, proposto pelo CCG (Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico) e que previa a transferência do poder ao vice-presidente no prazo de um mês e a realização de eleições presidenciais e parlamentares dois meses depois, foi revogado. Dez dias depois da assinatura dos opositores, Saleh desistiu de firmá-lo mesmo após ter se comprometido.
No último dia 3, porém, o presidente iemenita foi ferido e teve 40% do corpo queimado em um ataque-surpresa que vitimou outras sete autoridades. Saleh foi submetido a cirurgias na Arábia Saudita e vice-presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, assumiu o posto.
Efe
No Iêmen, militares se juntam a manifestantes em protestos que pedem acriação de um conselho governamental para comandar o país.
Até o momento, não se sabe se haverá renúncia. Mesmo assim Clemesha acredita que os opositores já podem comemorar. “Mesmo com o possível retorno de Saleh ao país, todo esse processo é extremamente vitorioso. Há anos a população pressionava o ditador para deixar o cargo. Entretanto, nenhuma das investidas foi tão bem sucedida quanto essa, que chegou ao ponto de o poder ter sido transferido para o vice, mesmo que isso tenha acontecido em decorrência do estado de saúde do presidente”, disse.
Para ela, ainda é cedo para especular como será um próximo governo e se a transição de poder será pacífica. Porém, a historiadora acredita que em termos políticos “é difícil que a situação regrida. Os iemenitas não vão admitir a volta de Saleh ao poder. Com ele fora, as coisas tornam-se bem mais fáceis”, acrescentou.
Síria
Diferente dos outros países árabes, o motim dos protestos na Síria não teve essencialmente as melhorias de vida da população. Iniciados como uma mobilização social e midiática, exigindo maior liberdade de imprensa, as manifestações ganharam aos poucos um caráter atrelado aos direitos humanos e a uma nova legislação.
Iniciados em 26 de janeiro e influenciados por outros protestos simultâneos na região, os confrontos na Síria entre as forças de segurança e os manifestantes agravaram o estado de emergência instituído no país desde 1962.O dispositivo suspende as proteções constitucionais para a maioria dos cidadãos.
Efe
Uma das poucas fotos liberadas pela agência oficial Sana mostra uma manifestação em apoio do regime.
Em 19 de abril, porém, o governo aprovou um decreto que suspende o estado de emergência pela primeira vez em 48 anos. Em resposta ao decreto, a ONG Anistia Internacional declarou que “as promessas do governo soam falsas e as medidas adotadas são muito fracas em relação às reformas políticas tão necessárias no país”.
Com Bashar al Assad no poder há dez anos, os sírios relutavam contra as declarações do presidente, que garantiu que o país “está imune a todos os tipos de protestos em massa como os que ocorreram no Cairo”.
Diante da grave situação, o Conselho de Segurança da ONU estuda a possibilidade de aprovar uma resolução contra o governo sírio o que vem causando discórdias dentro e fora da organização. “Temo que sanções contra o regime de Bashar al-Assad possam intensificar a repressão e aumentar ainda mais a tensão no Oriente Médio, o que definitivamente não é o objetivo”, argumenta Clemesha.
Leia mais:
Resolução contra Síria pode agravar tensão no Oriente Médio, diz Patriota
Síria envia tropas para o Norte; testemunhas relatam bombardeio ONU: repressão na Síria já deixou mais de 1,1 mil mortos
Quase 7 mil sírios deixaram o país por causa de conflitos, diz Turquia
ONU cobra da Síria autorização para investigar denúncias de violações no país
Para ela, a situação no país pode ser ainda mais grave, já que é difícil ter informação precisa devido ao forte controle do governo. “Nem mesmo a [rede de TV catariana] Al Jazeera, que até agora vinha sendo um grande interlocutor das revoluções, está conseguindo atuar e transmitir as informações, pois eles também não tem permissão para entrar no país”, explica.
Até agora, os confrontos, que se agravaram em março, fizeram mais de 8,5 mil pessoas se deslocarem para a Turquia para fugir da repressão do regime, segundo a emissora local NTV.
Líbia
X
O país norte-africano foi outro país em que o processo revolucionário mostrou-se significante. Neste caso, no entanto, o líder do país, Muamar Kadafi, não foi deposto e muito menos exilado.
Efe
Hotel em Trípoli que teria sido bombardeado pelas tropas aéreas da OTAN, segundo governo líbio
A recusa de Kadafi em deixar o país fez com que uma coalizão militar internacional interviesse no país em 19 de março. Doze dias depois, A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) assumiu as operações. Em declaração recente, ministros da Defesa dos países que integram a aliança afirmaram que não deixarão o país até que o líder líbio deixe o poder.
“Eles estão bombardeando a Líbia há 120 dias. Estão matando indistintamente civis sob o pretexto de protegê-los. O objetivo, na verdade, era destituir o governo de Kadafi e
controlar o petróleo do país”, afirmou Lejeune Mirhan, sociólogo e especialista em mundo árabe.
Leia mais:
Kadafi aparece na TV líbia jogando xadrez
Líbia: Perguntas que é preciso colocar em cada guerra
OTAN amplia intervenção militar na Líbia por mais 90 dias
OTAN ataca redondezas do palácio de Kadafi em Trípoli
O 'balé macabro' dos civis decidirá a guerra da Líbia
O destino das revoltas árabes está no reino do petróleo
Líbia: hipocrisia, dupla moral, dois pesos e duas medidas
No momento, o país se encontra em uma guerra civil. De um lado, em Trípoli, estão as tropas elais ai cioronel Kadafi, líder de fato do país nos últimos anos, e que ainda empunham a bandeira que representa o “livro verde”, livro de regras políticas e filosóficas criado há decadas pelo coronel. Do outro, com o apoio da OTAN, está o CNT (Conselho Nacional de Transição), órgão político-militar que passou a representar os rebeldes. Utilizando como umde seus símbolos a bandeira tricolor da época da monarquia, estão situados em Benghazi, segunda maior cidade do país, e já são reconhecidos por muitos países do Ocidente, que apoiam a intervenção, como o legítimo representante do país.
Kadafi, por sua vez, afirmou que não deixará o país. “Não sou nem primeiro-ministro, nem presidente, nem rei e é por isso que não tenho que renunciar a nenhuma função”. A
declaração foi dada por Kadafi em um diálogo com Kirsan Iliumjinov, presidente da Federação Internacional de xadrez, em um encontro ocorrido na última segunda-feira (13/06).
Bahrein
Também caracterizado pela forte violência utilizada pelas forças de segurança para reprimir os manifestantes, os protestos no Bahrein, que eclodiram em meados de fevereiro, exigiam melhores condições de vida à população, a troca do sistema de governo do país, da monarquia constitucional por um sistema parlamentarista, além da não marginilização dos xiitas, que apesar de representarem 70% da população, estão submetidos a uma monarquia sunita.
Entretanto, a violência utilizada para reprimir os manifestantes foi alvo de críticas internacionais e internas e levaram o rei, Hamad Ben Isa al Khalifa, a decretar estado de emergência por três meses.
Em seguida, o principal partido opositor, o xiita Al-Wifaq, anunciou que suspendia sua participação no parlamento local por conta da dura repressão aos protestos populares.
Leia mais:
Obama recebe príncipe herdeiro do Bahrein e adota posição contraditória
Tropas sauditas enviadas ao Bahrein foram treinadas pelo Reino Unido
O silêncio sobre o Bahrein
ONU denuncia violenta repressão de protestos no Bahrein
Governo do Bahrein reprime manifestações e prende líderes de protestos
“Apesar das duras críticas, o Bahrein é um dos poucos países do Golfo Pérsico em que o processo político não está tão atrasado. Das chamadas petro-monarquias, apenas no Bahrein e um pouco no Qatar as manifestações surtiram efeitos reais”, lembra o arabista Lejeune Mirhan.
A historiadora Arlene Clemesha vai além e diz que ainda que o peso demográfico e político do Bahrein seja menor do que os outros países em questão, as revoltas na região são extremamente importantes, já que colocam em risco a monarquia saudita e até mesmo operações norte-americanas.
Efe
A situação tensa no arquipélago causou o cancelamento do GP do Bahrein de Fórmula 1, no deserto de Sakhir.
“A crise no Bahrein pode ter consequências imprevisíveis, já que o país é a sede de um quartel-general norte-americano que é indispensável para a operação das forças de ocupação do Iraque. Além disso, o país pode ser fonte de inspiração para a população xiita da Arábia Saudita”, argumentou.
Em reunião com o presidente norte-americano, Barack Obama, o príncipe herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad al Kalifa, afirmou que, em 1º de julho, serão apresentados os resultados do diálogo às instituições constitucionais competentes e, com base nele, serão realizadas eleições para preencher as cadeiras do Parlamento que estão vagas.
Próximas manifestações
Questionada sobre o rumo dos protestos e a continuidade de manifestações em outros países da região, influenciados pelos citado acima, a historiadora é precisa: “em setembro veremos um importante levante popular na Palestina, quando a ANP (Autoridade Nacional Palestina) irá reivindicar o ingresso do país na ONU, ou seja o reconhecimento da Palestina como um Estado, um Estado não independente e sim ocupado, mas ainda assim um Estado”.
Leia mais:
Israelenses realizam marcha celebrando aniversário da tomada de Jerusalém
Galeria de imagens: Manifestantes relembram êxodo palestino depois da criação do Estado de Israel
Personalidades israelenses assinam declaração de apoio ao Estado palestino
Israel e milícias palestinas se comprometem com cessar-fogo em Gaza
Israel face à sua história, por Eric Rouleau
Opinião: O Estado de Israel é a origem do ódio
Clemesha acredita que os processos políticos em cadeia se estancaram, pelo menos por enquanto. Segundo ela, isso se deve à violência utilizada pelos governos para reprimir
manifestantes.
“Acredito que governos como os do Bahrein deram um recado ao mundo e serviram de exemplo para toda a região do Golfo entender que, caso os manifestantes insistam em protestar, eles não hesitarão em utilizar a força, como aconteceu no Marrocos e na Argélia após tentativas de levantes que não se desenvolveram devido a fortes repressões”, explica.
Efe
Soldados israelenses predem ativistas palestinos na aldeia de Qides Dier, no último dia 15, contra as construções israelenses no local.
Na Palestina, porém, o próprio veto da incorporação do país à ONU poderá servir de motivação para que a população se mobilize, segundo Clemesha.
“As próprias autoridades palestinas estão tentando frear manifestações agora, influenciadas pelos outros países, para que os protestos se concentrem e assim ganhem força de uma só vez em setembro”, revela.
De acordo com a historiadora, em setembro, os protestos não irão se direcionar apenas para o ingresso do país à ONU, mas também exigirão mudanças internas. “É como se os palestinos fossem esperar a recusa da ONU para atribuir a incapacidade de negociação à ANP e, assim, lutar por mudanças diplomáticas e sociais no próprio âmbito interno”, conclui.
Siga o Opera Mundi no Twitter
Conheça nossa página no Facebook
NULL
NULL
NULL