Abu Mohammad, de 53 anos e pai de nove filhos, é paraplégico desde a infância e vive na cidade de Beit Hanoun, situada no nordeste da Faixa de Gaza. Durante a operação israelense “Margem Protetora”, que completa um ano nesta quarta-feira (08/07), a sua casa foi atingida pelos bombardeios e a sua cadeira de rodas ficou totalmente destruída. Desde então, o palestino vive como refugiado e seus filhos precisam carregá-lo para onde ele for.
As limitações de Mohammad representam mais uma violação a que muitos civis estão submetidos na Faixa de Gaza e faz parte de uma sucessão de histórias marcadas pela tragédia — e pela imobilidade — que são narradas por civis palestinos nesses 365 dias.
Reprodução/Ocha
Mohammad em Beit Hanoun, uma das regiões mais atingidas pelas hostilidades em 2014
Nos últimos doze meses, a ONU (Organização das Nações Unidas) constatou um recrudescimento das políticas de restrições de mobilidade aos palestinos de Gaza, por parte do governo do primeiro-ministro conservador, Benjamin Netanyahu.
Na prática, essa política já está em vigor desde o início da década de 1990 sob a justificativa de garantir a segurança dos israelenses após a Primeira Intifada. No entanto, essa medida se estendeu e atinge hoje um nível crítico com os escombros que marcam o cotidiano em Gaza após o conflito de meados de 2014.
No ano passado, a violência na região se intensificou após o assassinato de três jovens israelenses na Cisjordânia, fato que Netanyahu responsabilizou o Hamas, seguida da morte de um adolescente palestino, queimado vivo por israelenses radicais. Esses crimes aconteceram poucas semanas após o Hamas e o Fatah definirem um acordo histórico de reconciliação, criticado por Tel Aviv.
Durante os 51 dias da operação israelense contra o Hamas em Gaza, por volta de 2.250 palestinos morreram. Destes, ao menos 1.462 eram civis, incluindo 551 crianças, de acordo com dados da ONU. Do lado israelense, cerca de 70 foram mortos, dos quais, seis eram civis.
Tendo acesso negado à Cisjordânia e ao mundo exterior, os 1,8 milhão de palestinos que compõem a Faixa de Gaza e que sobreviveram à última operação sofrem hoje com a intensificação do bloqueio a bens de consumo, a materiais para reconstrução e ao acesso de eletricidade, comida e água potável.
Segundo a Ocha (escritório das Nações Unidas para coordenação de assuntos humanitários na Palestina), estima-se que 80% da população de Gaza dependa de ajuda humanitária, sobretudo assistência alimentícia. Além disso, a eletricidade só está disponível de 8 a 12 horas por dia e a taxa de mortalidade materna dobrou em comparação a julho passado.
Desde então, organizações humanitárias têm dado suporte a quase 1,4 milhão de palestinos que vivem no enclave. Entretanto, mesmo com os contínuos esforços, hoje, ao menos 100 mil civis são considerados deslocados internos dentro do enclave. Isto é, eles não possuem mais uma casa própria e vivem longe de seus bairros, mas estão inexoravelmente presos aos 360 km² da área da Faixa de Gaza.
EFE/arquivo
Operação acabou há um ano, mas atuação destrutiva ecoa no cotidiano dos civis
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Além de deixar o território totalmente dependente de assistências humanitárias, as políticas de bloqueio neste período de reconstrução após a operação “Margem Protetora” resultaram em um colapso da economia local.
Essas políticas incluem restrições de transferência de bens da Cisjordânia (controlada pela Autoridade Nacional Palestina); o controle do acesso a terras agrícolas e a águas que possibilitem a atividade pesqueira e as limitações de materiais de construção básica (como cimento).
De acordo com a agência da ONU, Gaza teve acesso a menos de 1% dos materiais de construção necessários para reconstruir a infraestrutura básica que foi destruída pelos bombardeios. Com isso, não apenas as residências dos civis ficaram inabitáveis, perpetuando a situação de refúgio em centros de acolhimento, como também impossibilitou a retomada de estabelecimentos comerciais e empresariais na região.
E a consequência direta desses fenômenos é facilmente vista nos números: segundo um relatório de janeiro elaborado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), o PIB (Produto Interno Bruto) de Gaza despencou cerca de 15% durante 2014. Com a contração da economia, a taxa de desemprego subiu 11%, atingindo um total de 43% no fim do ano passado, um dos índices mais altos do mundo, segundo o Banco Mundial.
Além disso, nos 51 dias de conflito, bombardeios aéreos afetaram profundamente o setor de educação. A ONU estima que ao menos 450 instalações educacionais tenham sido atingidas, entre danos parciais e destruição total, comprometendo a qualidade de ensino e segurança entre as crianças.
Com uma reconstrução lenta e uma série de restrições, os civis palestinos de Gaza vivem entre o trauma de um conflito passado e a angústia de um futuro incerto, já que nos últimos quatro anos, a região foi palco de ao menos seis conflitos sangrentos.
No fim do mês passado, uma comissão liderada pelas Nações Unidas anunciou a criação de um inquérito que iria analisar a violações de direitos humanos e da lei internacional durante a operação “Margem Protetora” feitas pelo governo israelense e pelo Hamas.
A decisão foi criticada tanto por Netanyahu, quanto pelos islamitas. Ambos os lados, apenas nesse quesito, já deixaram claro que não irão colaborar com o processo, imobilizando qualquer possibilidade de justiça. Entre argumentos de legítima defesa de um lado e extremismo islâmico de outro, quem perde são os civis e seu direito por dignidade.
No início do ano, o grafiteiro inglês Bansky fez um vídeo em Gaza: