A mais do que controversa lei antipropaganda gay da Rússia levantou em todo o mundo o debate sobre a realização, em fevereiro de 2014, da Olimpíada de Inverno em Sochi. Muitas organizações LGBT ocidentais pedem, inclusive, o boicote aos Jogos. Porém, ele não é consenso entre os ativistas locais.
Vinte deles divulgaram uma carta aberta apoiando todos os esforços para que não sejam consumidos produtos russos e pedindo que os Jogos de Sochi sejam transferidos para outro país. A jornalista russa Masha Gessen, lésbica assumida e mãe de dois filhos, ajudou a escrever a carta e pede que ativistas de todo mundo protestem em visitas de autoridades russas ao exterior. “Nosso objetivo é que a viagem de representantes de grandes empresas russas se transformem em um inferno”, explicou a jornalista.
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O mais conhecido ativista gay russo, Nikolai Alekseev, discorda do boicote. “Queremos os Jogos. Temos que montar a ‘Pride House’ em Sochi, como foi feito em Vancouver, e dizer para o governo que nós existimos”, declarou Alekseev. “Vamos fazer deste evento as Olimpíadas mais gays da história”. A ‘Pride House’ foi criada durante as Olimpíadas de inverno na cidade canadense, em 2010, como um local para atletas homossexuais e suas famílias socializarem.
Sandro Fernandes/Opera Mundi
Sergey Ilupin defende medidas que mostrem pressão dos países do Ocidente à causa homossexual na Rússia
Sergey Ilupin, outro ativista gay russo, também é contra o boicote. Em entrevista a Opera Mundi, ele explicou que o mais efetivo seria bloquear a entrada na Europa e nos Estados Unidos de pessoas concretas que estejam relacionadas à polêmica lei. “Estas pessoas que se dizem super patriotas e que querem defender as crianças russas, na verdade, não estão interessadas na Rússia”, conta Ilupin. “Os filhos destas pessoas moram e estudam no exterior e um bloqueio ao visto deles seria mais eficiente. Estas pessoas têm que sentir na pele a pressão do ocidente”.
Muitos ativistas temem ainda que o boicote seja positivo para o presidente russo Vladimir Putin, já que a ideia de um inimigo interno ou externo costuma ser usada politicamente pelo Kremlin. Um boicote do Ocidente poderia ser facilmente entendido pela opinião pública como uma ameaça externa e a consequente necessidade de um maior apoio às lideranças russas – neste caso, Putin.
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Não há sexo na União Soviética
Em julho de 1986, um programa de televisão soviético-americano exibiu uma senhora russa exclamando para a plateia (e para o mundo inteiro) uma frase que rapidamente se tornou célebre – “Não há sexo na União Soviética”. Com as gargalhadas da plateia, o mundo não ouviu o restante da frase “Não há sexo na União Soviética… na televisão”, já que a russa respondia à uma pergunta sobre o teor sexual das propagandas da URSS. Outras versões afirmam que a senhora russa havia dito que “não há sexo na União Soviética; há amor”. Lendas televisivas à parte, o fato é que a frase rodou o planeta e gerou questionamentos e brincadeiras sobre a vida sexual dos soviéticos.
“O sexo ainda é um tabu na Rússia. Nós fingimos que sexo não existe e a homossexualidade (para os russos) está sempre conectada ao sexo. Ninguém pensa em família homoparental ou em amor. As pessoas veem gays e pensam em sexo. Por isso há tanto medo e até ódio com relação a este tema”, explicou o ativista Ilupin.
Para ele, um dos grandes problemas da comunidade LGBT na Rússia é a invisibilidade. “Os gays estão no armário e isso é um círculo vicioso. Se você não se assume, você continua sem existir”, contou o ativista à reportagem. Segundo ele, os russos aceitam os gays na televisão ou em eventos de moda, por exemplo. “Temos que acabar com essa ideia de que os gays são criaturas especiais, artistas ou pessoas mais sensíveis. É um mito perigoso. O gay tem que ser visto como uma pessoa comum. Um faxineiro pode ser gay. Gay não precisa ter glamour”.
Um dos cantores mais populares da Rússia, Boris Moiseev, brinca com o imaginário da dupla (ou múltipla) identidade sexual e é adorado por todas as mulheres russas. Apesar dos trejeitos, roupas e acessórios que seriam rapidamente identificados no ocidente como homossexuais, Moiseev nunca se declarou gay. Em maio deste ano, o cantor foi ovacionado quando subiu ao palco na celebração do 80° aniversário do mais importante pediatra russo, Leonid Roshal. A grande contradição da relação entre Roshal e Moiseev? Quando perguntado sobre a sua opinião a respeito da lei anti-propaganda homossexual, o médico declarou sem vacilar: “Odeio homossexuais”. Na Rússia, os aparentes opostos podem transitar no mesmo espaço.
A lei aprovada não fala explicitamente sobre as relações homossexuais, mas utiliza a vaga expressão “relações não tradicionais”. Nas redes sociais, o termo foi motivo de piada. “Será que agora o sexo oral será proibido na Rússia?”, perguntava uma das postagens que circulou na blogosfera russa.
A maior preocupação dos ativistas gays russos é de que a lei federal aprovada em junho no país apenas legitimize as agressões às minorias sexuais, em alta nos últimos meses.
“Na Rússia, sair do armário já é um ativismo. As pessoas precisam ver a nossa cara, precisam ver que somos reais. Quando mostramos a nossa cara, fazemos com que as pessoas sejam mais tolerantes. Não precisa ser ativista e levar um cartaz. A maioria das pessoas não nasceu para ser ativista. Elas só querem viver, viajar. E isso é legítimo”, conclui Sergey Ilupin.