Dois anos atrás, durante visita de um emissário do presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recordou sua experiência de negociador sindicalista. “Quando uma negociação não avança e chega a um impasse, às vezes é necessário trocar os negociadores ou, pelo menos, abrir a novos interlocutores”, declarou ao seu convidado.
Quem conta a historia é Marco Aurélio Garcia, assessor especial do presidente para assuntos internacionais, no Seminário Internacional de Mídia Sobre a Paz no Oriente Médio celebrado hoje (27) e amanhã (28), no Rio de Janeiro. É a primeira vez que a reunião, anual e geralmente organizada em um país europeu, desloca-se para América Latina, a convite do Brasil.
De olho em uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil tem sinalizado há alguns anos a vontade de se tornar mediador nas negociações de paz entre Israel e os palestinos. Em 2005, convocou a primeira cúpula entre os países de América Latina e o mundo árabe.
Para o ministro Celso Amorim, também presente no seminário, “além de questões econômicas e culturais, esta reunião teve o mérito de possibilitar um diálogo com os países árabes, que era limitado a algumas potências”.
Quase simultaneamente, o Brasil e seus vizinhos do Mercosul começaram a discutir um tratado de livre comércio com Israel, o primeiro acordo concluído fora da região latino-americana. “Demonstramos assim que nosso interesse está dirigido para ambos os lados”, acrescenta Amorim.
Em janeiro deste ano, atendendo ao pedido da ANP, o governo brasileiro enviou seis toneladas de medicamentos e oito toneladas de alimentos à Faixa de Gaza. Em março, anunciou doação de 10 milhões de dólares para a reconstrução de Gaza. Os recursos devem ser aplicados nas áreas de saúde, educação, agricultura, pesca e aquicultura e serão administrados pela representação diplomática brasileira em Ramallah, na Cisjordânia.
Razões para o empenho
Existem muitas razões para o Brasil estar empenhado na questão da paz no Oriente Médio, a começar pela excelente convivência das comunidades árabe e judia no país e na América Latina em geral. “Além disso, este conflito afeta diretamente alguns cidadãos brasileiros, como foi o caso há três anos, no Líbano”, disse Amorim, lembrando que o Brasil teve que organizar uma verdadeira ponte aérea para tirar 3 mil brasileiros do Líbano durante os bombardeios.
Sem frota no Mar Mediterrâneo ou ferramentas econômicas para pressionar os atores do conflito, o Brasil pretende trazer sua experiência de país que, apesar de ter fronteiras com dez vizinhos diversos, não conheceu nenhum conflito militar há 140 anos. “Rechaçamos a tese da inevitabilidade do choque de civilização. Pelo contrário. O Brasil está engajado no diálogo entre todas as civilizações e religiões”, lembra Marco Aurélio Garcia.
“Milhões de árabes e judeus convivem pacificamente no Brasil e na América Latina. Uma forma de pagar a dívida que nos temos em relação a estas comunidades é um esforço para transportar para o Oriente Médio uma maneira de viver que temos”, diz Garcia.
Questões centrais
Para o governo brasileiro, algumas condições são centrais para fazer avançar o processo de paz. A primeira delas é o fim dos assentamentos, abandonando qualquer diferença entre a criação de “novas instalações” e o “crescimento natural” dos que já existem. “Não adianta a diferenciação. Para os que estão do outro lado, é simplesmente a consolidação de uma situação inaceitável”, declara Amorim.
Brasília também é a favor de uma agilização dos chamados “check-points”, pontos de controle ao longo da fronteira entre os territórios palestinos e Israel e que transformam qualquer deslocamento em um desafio, especialmente na Faixa de Gaza.
Outro ponto importante é a necessidade de envolver todos os atores na discussão. “Se houver uma força territorial que se senta isolada, se radicaliza cada vez mais”, insiste Amorim. O ministro lembra que o presidente Lula foi criticado várias vezes por seu diálogo com Teerã e Damasco. “Os tempos mudaram, agora vejo com muito prazer que o enviado dos Estados Unidos para a região, George Mitchell, esteja chegando a Damasco”, acrescenta o ministro.
As iniciativas do governo brasileiro provocaram críticas e ceticismo dentro e fora do país. Para Nahum Barnea, colunista israelense do jornal Yediot Aheronot, “os países que pretendem ser novos atores no conflito devem pensar bem antes no que estão fazendo”. Ele considera que o conflito costuma ser uma fonte de problemas internos.
Semih Idiz, colunista político do jornal turco Milliyet, está a favor da intervenção de novos interlocutores, como o Brasil e a Turquia. Mas para ele “estes atores não têm a capacidade de mudar o jogo. Os únicos que têm são os Estados Unidos”. “A direita israelense não aceitaria nenhum compromisso que não viesse de Washington”, diz Nahum Barnea.
Para Marco Aurélio Garcia, “as críticas contra o Brasil muitas vezes refletem uma percepção de um país pequeno, conformado com uma ordem mundial desigual”. Ele sublinha que, quando as decisões são tomadas por um conjunto de potências, não são estes países que pagam a conta. “Estamos perdendo o complexo de vira-lata, queremos sem arrogância ou busca de liderança participar nas negociações”, conclui.
O ministro Amorim está na mesma linha. “É paradoxal e curioso que haja críticas no Brasil sobre o envolvimento do governo, enquanto o Brasil é praticamente requisitado nesta negociação”, disse, em referência ao chamado feito na semana passada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Avigdor Lieberman, em reuniões com o presidente Lula. “O Presidente Obama também chegou a pedir diretamente uma intervenção do Brasil”, conclui.
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