Após percorrerem um tortuoso caminho desde seus países de origem, cruzando a fronteira com o México pela Guatemala e depois, atravessando toda a extensão do país em condições precárias e com o perigo de serem presos e deportados, grupos de centro-americanos chegam ao último ponto da jornada em busca do sonho americano. Na cidade de Rosita, estado da Baixa Califórnia (oeste mexicano), eles se juntam aos mexicanos na esperança de atravessar a fronteira com os Estados Unidos.
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Aos pés do monte Sentinela, a cidade de Rosita é conhecida por ser a mais quente de todo o México. Nesta zona, durante os meses de verão, a temperatura chega a 52 graus. E, nessa mistura de calor intenso e a característica poeira do deserto, os imigrantes mexicanos e centro-americanos tentam cruzar o “cerco”, a barreira de metal que os separa dos EUA. Nessa região o Muro Fronteiriço EUA-México de concreto – atualmente construído na fronteira entre Tijuana e San Diego – ainda não chegou.
Federico Mastrogiovanni/Opera Mundi
Crianças observam o lado norte-americano da fronteira entre EUA e México, em Rosita. Veja mais fotos aqui
“Em alguns pontos da fronteira, não existe muro”, explica ao Opera Mundi Miguel, que trabalha como pollero, ajudando grupos de pollos (frangos), como são chamados os imigrantes, a transpor a fronteira. “Por exemplo, em Rosita, ou no estado de Sonora [oeste do México, fronteira com o estado norte-americano do Arizona], não há. Mas não é necessário ter muros ou proteções nessas localidades, pois o deserto serve de barreira natural. São muitos os que ficam, que não conseguem atravessar. Em Rosita, se o imigrante conseguir, pula a cerca e, de uma hora para outra, está nos EUA”.
Galeria de imagens: “frangos” latinos e muros na fronteira com os EUA
Os pollos e o pollero esperam o pôr do sol e o momento apropriado para cruzar a fronteira. Ficam escondidos entre os arbustos até que a noite venha e aconteça a troca de turno dos agentes da Patrulha de Fronteira, no lado norte-americano. Não é comum os centro-americanos tentarem cruzar a fronteira em Rosita. A maioria viaja para o leste, nas cidades de Matamoros e Nuevo Laredo, estado de Tamaulipas, ou pela cidade de Nogales, no deserto do estado de Sonora.
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“Passamos semanas viajando”, conta Francisco, enquanto descansa. O jovem hondurenho saiu de seu país e cruzou o México no teto do “trem da morte”, que sai da cidade de Arriaga, no estado de Chiapas. Antes, conseguiu cruzar a fronteira com a Guatemala. “E agora, estou quase conseguindo chegar aos EUA. Estou a um passo da travessia. Dentre meus companheiros de viagem com quem saí de Honduras, sou o único que chegou até a fronteira. Que Deus me ajude”, reza.
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Imigrantes hondurenhos, dentre eles Francisco, cruzam o rio Mexicali, perto de Rosarita. Veja mais fotosaqui
Na Baixa Califórnia, os pollos são em grande parte mexicanos que cruzam a fronteira pela primeira vez ou que já viveram nos EUA e foram deportados, como explica o padre Luiz Kendzierski, brasileiro natural do Paraná, responsável pela Casa do Migrante de Tijuana, no oeste do México.
“Por este centro passaram mais de 11,5 mil deportados somente em 2009. Eram na maioria mexicanos que viveram uma vida do 'outro lado' como indocumentados ou residentes e, por razões diversas, foram pegos pela imigração e acabaram deportados. De fato, é muito comum que também em estados como a Califórnia, embora ainda não exista uma lei racista como a que acaba de ser aprovada no Arizona, sejam usados os mesmos métodos contra os imigrantes”, diz o padre.
Promulgada no dia 23 de abril, a lei do Arizona, que entrará em vigor em julho, transforma a imigração ilegal em um delito estadual e autoriza a polícia a exigir documentos de residência a qualquer cidadão. Calcula-se que vivam no Arizona cerca de 460 mil imigrantes ilegais, a maioria deles de origem mexicana.
“A imigração não vai parar”
“Cruzar o cerco nesta área custa entre 1,2 mil e 1,5 mil dólares”, explica Miguel. “Minha família se dedica a esse negócio há muito tempo. Em Jacume, meu povoado, no deserto próximo da cidade de Tecate, não há nada. Apenas burros selvagens e polleros. Vivemos disso há muitos anos e continuamos assim”, afirma o mexicano.
Em 1995, o governo norte-americano ergueu uma barricada próxima a Jacume, cidade de 600 habitantes na fronteira com a Califórnia e após os ataques de 11 de Setembro de 2001, a segurança foi reforçada. “Ficou mais difícil quando a barreira foi erguida, mas continua sendo um bom negócio. A imigração não vai parar e sempre encontraremos maneiras de fazer esses 'franguinhos' cruzarem a fronteira.”
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Do lado esquerdo, a Califórnia e do direito, o estado mexicano da Baixa Califórnia. Veja mais fotosaqui
Com mais dinheiro é possível cruzar a fronteira do modo mais fácil e seguro: de carro. “Por cinco mil dólares, o coiote (outra maneira de chamar quem ajuda os imigrantes) leva os imigrantes até o outro lado e os deixa na porta de casa”, brinca Floreciano, ex-pollero e hoje dono de uma loja de celulares em Mexicali, capital da Baixa Califórnia. “Nada de deserto ou calor. Basta pagar com antecedência os 'gringos da imigração' [policiais norte-americanos] e todos passam. Eles cobram dos coiotes 200 ou 300 dólares por cada pollo, que atravessam com os automóveis cheios de gente. Os guardas sabem qual é o carro que já pagou e promovem um show fingindo revistá-lo, pois há muitos câmeras de controle. Depois, deixam passar”, explica Florenciano. “Tive de abandonar o negócio porque me pegaram muitas vezes e, se volto lá, não saio mais da cadeia. Mas ainda é um bom negócio.”
O sol já se esconde atrás do monte Sentinela. Em poucos instantes, o pollero usará sua escada feita de cordas para passar seus pollos para o outro lado da fronteira – se eles forem mais rápidos que os agentes da imigração. A história se repete uma vez mais.
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