O dia 11 de março de 2011 continua a provocar sofrimento e luto na sociedade japonesa. Além das mortes e perdas materiais que afetaram a vida de milhares na costa nordeste do Japão por causa do terremoto seguido de tsunami que devastou a região, o colapso da usina nuclear de Fukushima Daichii provocou traumas e divisões profundas.
Foi o que testemunhou nesta sexta-feira (15/06) a funcionária pública Takako Shishido, durante uma palestra sobre atividades anti-nucleares na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro. Um ano e três meses após a tragédia, ela se classifica como uma “refugiada” não-oficial de Fukushima. Isso porque mesmo quando morava a 50 quilômetros da usina, distância considerada segura pelas autoridades japonesas (que ordenou a evacuação forçada da população em um raio de 20 quilômetros), ela nunca mais se sentiu em condições para voltar à sua terra natal.
João Novaes/Opera Mundi
Cúpula dos povos teve uma série de palestras reservada a atividades em prol da consci~encia dos danos da atividade nuclear
Cisão
Em sua história, Takako conta que, no dia do tsunami, ela havia acabado de chegar em casa do trabalho quando de repente foram cortados os serviços de água, luz e gás. Pelo rádio, ouviu anotícia do tsunami e imediatamente percebeu que a instalação nuclear acabaria comprometida. “Desde pequena eu nadava na praia onde a usina se localiza, ela sempre foi um cenário presente em minha vida”.
Desconfiada do governo e com medo das consequências que a decisão de permanecer pudesse causar à sua saúde e a de seu filho a longo prazo, ela decidiu se mudar para Sapporo, maior cidade na ilha de Hokkaido, norte do Japão.
No entanto, desde então passou a sofrer preconceito de seus amigos e parentes que decidiram ficar. “Eles estão imbuídos pelo sentimento de reconstrução da cidade que a propaganda do governo provoca neles, dizendo que não há perigo. Mas diversos cientistas discordam publicamente dessa medida. Fukushima já atingiu muita gente, agora afeta também os relacionamentos entre as pessoas. Os que não conseguem voltar para casa como eu são mal vistos pela sociedade”.
NULL
NULL
Segundo Takako, ela é vista como covarde e oportunista por pessoas a quem já foi próxima, mas procura lembrá-los que os danos à saúde em razão da radiação às vezes demoram para aparecer, assim como nos animais e vegetais da região que irão ser consumidos por eles. E que, embora ela morasse distante da usina, sua casa estavano caminho das correntes de vento litorâneas, que acabavam levando a radiaçãopara mais ao norte.
Takako afirma que consegue mais me comunicar de coração aberto com suas amigas. Seu filho passou a ter sperios problemas de relacionamento com seus colegas na escola. “Minha relação com minha comunidade foi rompido definitivamente, os sonhos de minha vida, que estavam todos lá, foram junto”.
João Novaes/Opera Mundi
Emocionada, a jovem Takaku conta seu relato de vida sendo traduzidda pelo monge Ademar Sato
Agora ela luta para que todas as pessoas afetadas de alguma maneira pelo acidente nuclear sejam indenizadas pelo governo, tanto os que tiveram de abandonar as casas que moravam na atual zona evacuada quanto os que continuam morando nas cercanias, considerada áreasegura pelo governo . Além das pessoas que, como ela, não conseguiram superar o trauma e foram reconstruir a vida em outros lugares.
Takako criticou a recente decisão do governo japonês em tentar retomar gradativamente o uso da energia nuclear. Durante o mês de maio, na cidade de Ohi, a assembleia local decidiu reiniciar as atividades de uma usina local após forte lobby do governo central. “Como japonesa, fico envergonhada. Não gostaria que ninguém passasse denovo pelo que passei. O que ocorreu em Fukushima pode acontecer novamente em qualquer outro lugar do mundo”.