Atualizada às 0h16
Com o relaxamento nas restrições à compra de dólar na Argentina, anunciado nesta sexta-feira (24/01) pelo chefe de gabinete de Cristina Kirchner, Jorge Capitanich, o mercado do país operou com uma tendência de alta do dólar oficial, que fechou em 8,02 pesos, enquanto o paralelo terminou o dia em 11,20 pesos. Na coletiva de imprensa de hoje, Capitanich afirmou que “o preço da divisa alcançou um nível de convergência aceitável para os objetivos da política econômica”.
Em meio à turbulência cambial, Buenos Aires enfrentará em março uma nova etapa decisiva na sua política econômica: as negociações salariais, que afetam diretamente o valor da inflação do país.
A projeção da inflação até o anúncio do gabinete econômico de Cristina Kirchner era, segundo analistas privados, de cerca de 30% para o ano de 2014. Para Martin Vauthier, da consultora Estudio Bein, isso muda com o novo cenário desatado hoje.
“O número final vai depender das negociações paritárias (acordos coletivos de salários), em março. Em um cenário como o de agora, em que acreditamos que a economia pode ter alguma retração, principalmente no setor de bens de consumo duráveis, acredito que os acordos com as empresas privadas vão privilegiar o emprego”, avalia a Opera Mundi. “Com a indústria automobilística em queda e o consumo estancado, não acredito que haja a possibilidade de pedir um aumento salarial de 40% e que isso desate uma espiral de inflação.”
Para Daniel Artana, da consultora FIEL, a transferência da desvalorização do peso aos preços não vai ser plena, mas as paritárias abrem a possibilidade de uma nova desvalorização em março, que derivaria em uma espiral inflacionária. “O impacto nos preços depende muito dos sinais de pequeno recesso que a economia argentina dá e também do que vai ser negociado com os sindicatos”, acredita. “Mas o governo precisa de uma nova política fiscal e monetária, e disso não há sinais.”
Agência Efe
Dificuldades econômicas da Argentina devem continuar ao menos até o final deste semestre
Na opinião do economista Alfredo Serrano, se a desvalorização tiver reflexo nos preços, o impacto no poder aquisitivo dos argentinos poderia ser um problema. No entanto, ele acredita que o programa Preços Cuidados, que estipula o congelamento do valor de alguns produtos em venda em supermercados, pode ajudar a controlar o problema.
“Há sinais de que o empresariado tentará manter o pacto feito com o governo, de congelar preços, mas é preciso lembrar que esse mesmo setor é o responsável pelos aumentos sucessivos. O governo tem a responsabilidade de manter a estabilidade da taxa de lucro desses segmentos”, afirma. Ele não acredita que seja possível, na Argentina, uma medida parecida à adotada pela Venezuela hoje, que limita a margem lucro de empresários a 30%.
Reservas
Além do problema da desvalorização da moeda, o Banco Central argentino também enfrenta a queda acelerada de suas reservas internacionais, que, segundo analistas, está relacionada às retenções no setor agroexportador. “Até o momento, as perdas de reservas tinham relação com uma questão de incentivos, além do pagamento de dívidas. Quem tinha que exportar, retinha, quem precisava importar, acelerava a operação”, explica Vauthier.
“O setor agro tem estoque em dólares e, ao mesmo tempo, tem respaldo para a retenção. Com um ativo que varia cerca de 100% mensal anualizado e a possibilidade de créditos em peso a uma taxa de 25%, não há dúvidas: quem pode, guarda o ativo porque sabe que em um mês vai estar mais caro”, complementa.
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Para Serrano, o comportamento do setor agroexportador é reflexo de uma nova fase do conflito com o governo, que se arrasta desde 2008, quando Cristina Kirchner tentou aumentar o volume de retenções às exportações. “A medida é uma pequena concessão diante da pressão exercida pelo campo, diretamente ligada à diminuição das reservas, que foi agravada pelo fechamento de 2013 com uma drástica redução no superávit primário em relação a 2012.”
Outro motivo para a perda de reservas internacionais é a necessidade de importar subsídios energéticos, setor que enfrenta uma crise sem precedentes que marcou os meses de dezembro e janeiro, quando cortes de luz afetaram diversos bairros da capital e municípios da Grande Buenos Aires. “Quando vemos os números a YPF (petrolífera que o governo argentino recuperou por expropriação de 51% da espanhola Repsol), há muito investimento, mas os resultados vão aparecer em três anos. Este ano, não houve um registro de produção que permitisse reduzir a saída de divisas”, argumenta Vauthier.
Poupança em dólares
Desde outubro de 2011, a Afip (Administração Federal de Ingressos Brutos) – a Receita do país – impõe restrições à compra de dólares no mercado minorista, além de uma taxa de 20% sobre compras no exterior, que foi atualizada para 35% depois das eleições legislativas, em outubro de 2013.
Na manhã de hoje, Capitanich também anunciou que essa taxa voltaria a ser de 20% em conceito de adiantamento, ou seja, o contribuinte pode reaver o valor pago na devolução do imposto de renda. “O relaxamento das restrições à compra de dólares é uma medida positiva. Ao habilitar a compra somente por pessoas físicas, acredito que não vá haver um impacto significativo na fuga de reservas como acontecia em 2011”, afirma Vauthier. “Pelo contrário, pode haver um impacto positivo, se se confirma o ajuste cambial.”
Depois das restrições,os argentinos, acostumados a poupar na moeda norte-americana, começaram a recorrer ao mercado paralelo – o “dólar blue” -, que passou a se distanciar da cotação oficial. Para comprar moeda estrangeira no mercado oficial era necessário uma viagem internacional agendada e a comprovação de renda, à qual estava atrelado o valor em dólares designado ao comprador.
Segundo Serrano, “é chamativo que a Argentina seja o segundo país do mundo em quantidade de dólar per capita. O mito do dólar é muito provocado pela referência econômica da ditadura e pelo volume de exportações de fins do século XIX e começo do século XX. É muito difícil romper com isso em termos de cultura de poupança.”
Ontem, a Afip anunciou novas restrições para compras no exterior com cartão de crédito, que passaram a ser limitadas a uma franquia de US$25 por ano livre de impostos – com exceção de livros, medicamentos, obras de arte e “artigos de primeira necessidade.” Quem ultrapassar a franquia estipulada pela Receita argentina deverá pagar 50% de imposto.