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Arregimentados por uma improvisada faixa de isolamento, recém amarrada em uma árvore, uma perna de banco e um poste, homens de vermelho esperam tensos pela primeira explosão que chegue a seus ouvidos. Ou pela primeira labareda de coquetel Molotov que ilumine em amarelo forte as paredes do icônico Hotel Grande Bretagne, na Praça Syntagma, em Atenas.
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Eles são médicos e enfermeiros voluntários que, na base da solidariedade, fazem primeiros-socorros no chão de pedra para minimizar as cicatrizes deixadas pela crise. Não estão a serviço do Estado grego, que mal consegue manter seus hospitais abertos, menos ainda de alguma entidade privada. O grupo não tem nome e isso não interessa. O clima é de guerra.
Roberto Almeida/Opera Mundi
Médicos e enfermeiros na Praça Syntagma. O sistema de primeiros-socorros dos médicos voluntários sobrevive de doações
Na mesa de metal há gaze, esparadrapos e máscaras de gás. Sim, sem máscaras de gás o trabalho dos homens de vermelho fica impossível. Normalmente, um nevoeiro artificial, produzido pela polícia grega à base de gás lacrimogêneo, fecha gargantas, irrita narinas e arranca lágrimas de manifestantes.
“Sem falar que nunca se sabe que tipo de química tem nessas bombas”, disse um dos voluntários a Opera Mundi, alertando para uma possível onda de câncer no futuro.
É início de novembro e são quatro da tarde. O sol brilha forte em Atenas. A temperatura está acima dos 30 graus e os ânimos, mesmo com os frapês gelados, entram em ebulição. Uma briga na Praça Syntagma leva à gritaria. Um homem é chutado no chão. Os médicos voluntários intervêm (assista ao video) e pedem, em seguida, que a vítima não seja filmada.
Há uma preocupação grande com a imagem dos protestos em Atenas. Para muitos manifestantes, é triste que apenas os confrontos com a polícia cheguem ao noticiário internacional – do qual eles se consideram tão dependentes para combater a narrativa da austeridade. O caso não é grave.
O calor continua e os médicos, sempre a postos, tratam o dia como um “treino” para a noite do dia seguinte, em que o Parlamento grego votaria o segundo memorando do FMI (Fundo Monetário Internacional), com mais centenas de páginas de medidas impopulares para que o país reverta o déficit e pague o que deve.
“Não sei como ainda venho para cá”
A noite se aproxima e Domenicus está bastante tenso. Todos sabem que o confronto entre manifestantes e a polícia é inevitável. “Não sei como ainda venho para cá depois do que aconteceu em junho [de 2012, em que ocorreram confrontos sangrentos com a polícia grega]”, explicou ele. “Isso aqui virou e ainda é uma zona de guerra”.
A primeira explosão e a primeira labareda empurram milhares de manifestantes para fora da praça. Na contramão de todos, os homens de vermelho avançam para resgatar feridos em frente ao Parlamento grego. “Cuidamos de todos. Sejam manifestantes ou policiais, não faz diferença”, contou.
O sistema de primeiros-socorros dos médicos voluntários sobrevive de doações. Há uma lista de medicamentos necessários, escrita em uma caixa de papelão, pendurada na fita improvisada de isolamento. “Sempre precisamos de mais, nunca se sabe o que pode acontecer”, afirmou Domenicus.
Um temporal cai em Atenas e, com o avanço de policiais contra os manifestantes, o protesto se dispersa rapidamente. A noite não foi tão longa como esperavam os voluntários de vermelho, mas também não foi a última em que a Praça Syntagma foi palco de confrontos. A guerra continua.
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